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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL LÚCIA DAS GRAÇAS PINTO LACERDA

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PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

LÚCIA DAS GRAÇAS PINTO LACERDA

REPERCUSSÃO GERAL: TRANSFORMAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM NOVO INSTRUMENTO DE

CONTROLE DIFUSO E ABSTRATO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS

NITERÓI

2011

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LÚCIA DAS GRAÇAS PINTO LACERDA

REPERCUSSÃO GERAL: TRANSFORMAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM NOVO INSTRUMENTO DE

CONTROLE DIFUSO E ABSTRATO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS

Monografia apresentada à Coordenação do Instituto A Vez do Mestre, da Universidade Cândido Mendes, para obtenção do título de Pós-Graduado em Direito Processual Civil.

Professor Orientador: Jean Alves

NITERÓI

2011

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LÚCIA DAS GRAÇAS PINTO LACERDA

REPERCUSSÃO GERAL: TRANSFORMAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM NOVO INSTRUMENTO DE

CONTROLE DIFUSO E ABSTRATO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Pós-Graduado em Direito Processual Civil da Universidade Cândido Mendes, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

______________________________________________

Prof. Orientador: Jean Alves

______________________________________________

Prof.:

______________________________________________

Prof.:

Niterói, 23 de janeiro de 2011.

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DEDICATÓRIA

Dedico a presente monografia a Deus, por ter me dado forças para continuar estudando e evoluindo como ser humano;

e à minha querida filha, Renata,

pessoa de extrema relevância para

mim, eis que está sempre ao meu

lado, me apoiando a cada etapa

maravilhosa de minha vida.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

CAPÍTULO 1 – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO ... 9

1.1. Supremacia da Constituição e o controle de constitucionalidade ... 9

1.2. Direito Processual Constitucional ... 10

1.3. Evolução histórica do controle de constitucionalidade no Brasil ... 12

1.4. Os métodos de controle de constitucionalidade brasileiro ... 14

1.5. Mudanças introduzidas no controle de constitucionalidade pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ... 18

CAPÍTULO 2 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO: INSTRUMENTO DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE ... 23

2.1. Recursos ordinários e extraordinários ... 23

2.2. Conceito e função do recurso extraordinário no sistema vigente ... 24

2.2.1. Breves considerações sobre a origem do recurso extraordinário ... 26

2.2.2. Pressupostos do recurso extraordinário ... 27

2.2.3. O recurso extraordinário à luz da Emenda Constitucional nº 45/2004 ... 29

2.2.4. O recurso extraordinário como instrumento de aplicação de precedentes judiciais ... 32

CAPÍTULO 3 – A TRAJETÓRIA BRASILEIRA EM BUSCA DO CRITÉRIO DA TRANSCENDÊNCIA PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO ... 36

3.1. A temática do acesso à justiça e o advento da Constituição de 1988: conseqüências junto ao recurso extraordinário ... 36

3.2. A crise do STF e as técnicas processuais de autocontenção do recurso extraordinário ... 39

3.3. A transcendência dos interesses subjetivos na Emenda Constitucional nº 45/2004: súmula vinculante e repercussão geral do recurso extraordinário ... 40

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3.4. A “objetivação” do recurso extraordinário em relação ao controle de

constitucionalidade e o art. 52, inciso X, da Constituição Federal ... 44

3.5. Influência da repercussão geral no controle de constitucionalidade difuso e o novo papel do recurso extraordinário ... 47

CAPÍTULO 4 REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO ... 51

4.1. O precedente histórico da argüição de relevância ... 51

4.2. Repercussão geral no Direito comparado ... 54

4.3. Repercussão Geral e a Lei nº 11.418/2006 ... 56

4.3.1. Conceito de repercussão geral ... 57

4.3.2. Presunção de repercussão geral ... 60

4.3.3. Análise da repercussão geral ... 61

4.3.4. Repercussão geral e o amicus curiae ... 62

4.3.5. Repercussão geral em recursos de idêntica controvérsia ... 63

4.4. Críticas à repercussão geral ... 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 75

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INTRODUÇÃO

Tendo o sistema jurídico brasileiro sofrido forte influência romano- germânica, cuja principal característica é a primazia da lei, o sistema de controle de constitucionalidade das leis inicialmente adotado foi o de modelo difuso, que permitia aos juízes e tribunais inferiores decidirem incidentalmente nos processos judiciais sobre a compatibilidade ou não de determinada norma jurídica com a Constituição Federal.

A adoção desse modelo, todavia, permitiu o surgimento de posições antagônicas quanto à interpretação das leis, gerando, além da insegurança e desigualdade jurídicas, o congestionamento do sistema de recursos para o Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe, em última análise, a reforma das decisões em sede constitucional.

A adoção do sistema de controle misto de constitucionalidade, consistente na adoção simultânea dos sistemas difuso e concentrado, foi a resposta encontrada para dirimir uma parcela desses problemas. No entanto, apesar de conferir maior estabilidade ao sistema constitucional, através da análise direta pela Corte Suprema das normas cuja constitucionalidade era discutida, os tribunais inferiores continuavam a se basear em orientações distintas às emitidas por aquele Órgão, por conta mesmo da falta de uma articulação consistente entre aqueles dois sistemas.

A situação tomou proporções com a promulgação da atual Carta Constitucional de 1988, que, além de ter confirmado o papel do Supremo Tribunal Federal como Corte exclusivamente constitucional, também deu amplitude a uma série de ideais de acesso à justiça, tornando “constitucional” uma infinidade de matérias sobre direito civil, penal, comercial, processual, agrário, tributário, financeiro, entre outros.

De fato, após 10 anos de vigência da Carta Magna, os dados indicaram, no ano de 1997, que o STF recebeu 42.000 processos. Tempos depois, segundo dados do próprio STF, em 2004, foram recebidos 83.667 processos, distribuídos 69.171 e julgados 101.690. De todos estes processos, no ano de 2004, foram distribuídos 26.540 recursos extraordinários e julgados 35.793. Dez anos antes, em 1994, foram distribuídos 14.984 recursos extraordinários e julgados 16.344. Em outras

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palavras, o número de recursos extraordinários aumentou consideravelmente em um período curto de tempo.

Nesse contexto, a introdução da Emenda Constitucional nº 45/04, que promoveu profundas reformas no Poder Judiciário, foi fator determinante para as mudanças que se viam necessárias, uma vez que, além de ter introduzido a chamada súmula vinculante, que tem garantido grande eficácia às decisões emanadas, em matéria constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, também inovou ao exigir que os novos recursos impetrados junto àquele Tribunal tivessem como um dos requisitos de sua admissibilidade a comprovação, por parte do recorrente, da existência de repercussão geral quanto ao assunto neles tratado.

Confirmando esse entendimento, a Lei Federal nº 11.418/2006, que estabeleceu algumas alterações no Código de Processo Civil, introduziu novo ônus ao recorrente, que deverá demonstrar, em preliminar de recurso extraordinário, a existência da repercussão geral, cuja análise deverá ser feita, exclusivamente, pelo Supremo Tribunal Federal. Diante disso, muitos recursos que, até então, chegavam em grande número à Corte Constitucional, agora serão mantidos nos Tribunais de origem, a fim de que a matéria neles discutida seja analisada através de outros recursos escolhidos por amostragem, cujas decisões funcionarão como verdadeiros parâmetros não só para os recursos que estiverem sobrestados na origem, mas também com relação àqueles que ainda serão impetrados futuramente.

Como conseqüência desse novo paradigma, é possível evidenciar, sem receio, que o recurso extraordinário vem delineando um novo papel no controle de constitucionalidade das leis, muito semelhante ao procedimento das ações até então existentes de controle de constitucionalidade abstrato (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental). O incidente para apuração da repercussão geral por amostragem tem se mostrado um verdadeiro procedimento de caráter objetivo, pois se trata do exame de uma questão afeta a tantas outras, resultando na criação de uma “norma jurídica” de caráter geral pelo próprio STF, porém pelo modelo difuso. Outra conseqüência também relacionada à uniformização jurisprudencial em matéria constitucional, é que a introdução da repercussão geral vem a permitir uma maior facilidade na filtragem das questões

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sob maior evidência no STF, as quais, futuramente, podem dar ensejo à elaboração de uma súmula vinculante.

Todavia, parte da comunidade jurídica ainda diverge quanto à aceitabilidade da introdução da repercussão geral e de sua compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Prova disso são as recentes discussões sobre a possibilidade de sua extensão também ao recurso especial. Os que se mostram favoráveis a essa inovação, entendem que a repercussão geral já era instituto aguardado pela sociedade jurídica, porquanto, além de desempenhar papel relevante no que diz respeito aos valores da segurança e previsibilidade das decisões judiciais, prezados pelo sistema jurídico, contribui para o desafogamento do Supremo Tribunal Federal, possibilitando a elaboração de decisões paradigmáticas de maior envergadura técnica, uma vez que o tempo dos magistrados será racionalizado e otimizado graças à diminuição quantitativa de recursos. Quanto à corrente que se mostra contra a adoção desse instituto, suas argumentações baseiam-se, sobretudo, no eventual "engessamento" dos entendimentos jurisprudenciais, uma vez que a exigência da repercussão geral pode acarretar, por via indireta, que a jurisprudência deixe de continuar atuando em seu papel de "termômetro" das oscilações sociais. Além disso, esses opositores argumentam que a introdução desse instituto também fere algumas das garantias constitucionais que regem o sistema jurídico brasileiro, dentre elas a do livre convencimento do juiz, da ampla defesa e do tratamento isonômico, uma vez que as decisões emitidas pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo quando não incluídas em enunciado de súmula vinculante, têm se mostrado, na prática, de cumprimento obrigatório pelos Tribunais de origem, quanto àqueles recursos que não atendem ao requisito da repercussão geral.

O que se observa, contudo, é que todos esses debates - assim como tantos outros -, a despeito de virem recebendo grande atenção por parte da plêiade jurídica, ainda são muito recentes, apontando falhas de posicionamentos e de compreensão quanto à natureza jurídica de determinados institutos atingidos pela adoção da repercussão geral. A incorporação desse requisito de admissibilidade recursal em nosso sistema jurídico, por óbvio que teve como pressuposto fundamental atribuir maior celeridade aos atos processuais, determinada, sobretudo, pela harmonia de entendimentos jurisprudenciais. No entanto, deve-se deixar claro que a criação da repercussão geral não pode vir acompanhada de

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instrumentos que possam agredir os princípios regentes do sistema jurídico vigente, sobretudo aqueles de natureza constitucional, sob o risco de se estar dando margem a novas divergências, que em nada contribuem para o desenvolvimento sadio das instituições judiciárias.

O tema sugere interesse devido mesmo a todas essas questões, que influem diretamente na maneira pela qual se dará, futuramente, a prestação jurisdicional, seja quanto ao aspecto de sua eficiência, seja quanto à concretização de sua finalidade primeira, que é a harmonização dos entendimentos jurisprudenciais. Por óbvio que esta pesquisa não tem a pretensão de consubstanciar-se em material estanque acerca de todas as questões que envolvem o tema da repercussão geral, sobretudo porque se trata de tema extremamente recente. Apesar disso, acreditamos que, conseguindo apontar-se de forma precisa e elucidativa os efeitos imediatos advindos da sua introdução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, levando-se, ainda, em consideração todas essas peculiaridades que envolvem as discussões já existentes, contribuir-se-á para dissipar o nevoeiro de dúvidas e incertezas que ainda pairam sobre o tema.

CAPÍTULO 1 – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO

1.1. SUPREMACIA DA CONSTITUCIÇÃO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A palavra "constituição" tem vários significados, tais como:

"(a) conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa: a constituição do universo, a constituição dos corpos sólidos; (e) conjunto de normas que regem uma corporação, uma instituição: a constituição da propriedade; (f) a lei fundamental de um Estado" (SILVA, 1997, p. 41).

Para Wagner Veneziani Costa e Marcelo Aquaroli, a Constituição pode ser definida como o "conjunto de regras e preceitos que se dizem fundamentais, estabelecidos pela soberania de um povo, para servir de base à sua organização política e firmar os direitos e deveres individuais e coletivos" (2005, p. 128).

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Diante dessas afirmações, pode inferir-se que a Constituição seria a estrutura essencial do Estado, ou seja, um compêndio de normas jurídicas escritas, que regulam a forma de Estado e de governo, a forma de aquisição e exercício do poder, bem como o limite de suas ações e os direitos fundamentais do homem e suas respectivas garantias. Daí porque atribuir a esse diploma legal o caráter hierarquicamente superior de suas normas, as quais devem estar sempre sob observância das autoridades incumbidas do poder normativo.

O princípio da supremacia da Constituição pressupõe que todas as situações jurídicas estejam em consonância com os princípios e preceitos constitucionais emanados da vontade do povo. Essa conformidade, contudo, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição, mas também através da criação de normas que venham a disciplinar matérias contidas em determinados dispositivos constitucionais pendentes de regulamentação, a fim de não dar azo a casos de inconstitucionalidade por omissão.

Como, no entanto, é praticamente impossível promover o respeito aos dispositivos constitucionais sem um mecanismo de controle das normas elaboradas pelo Poder Legislativo e dos atos normativos do Poder Público em geral, o próprio legislador constituinte estabeleceu o instituto do controle de constitucionalidade das leis, cujo escopo é a verificação da compatibilidade das leis ou dos atos normativos do poder público com a Constituição Federal, tanto em seu plano formal quanto material, a fim de garantir que suas normas e princípios continuem influenciando de forma soberana todo o ordenamento jurídico.

1.2. DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

Com vistas a garantir a eficácia das normas e princípios constitucionais, pode-se dizer que, atualmente, existe no ramo do Direito Público uma nova ciência, denominada Direito Processual Constitucional, que consiste, basicamente, num conjunto de normas instrumentais que tem por objeto de estudo os institutos de tutela consagrados na Constituição Federal. Sua finalidade precípua é dar efetividade a esses institutos, através da administração dos respectivos processos e procedimentos.

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Essa ciência não se confunde com o que entendemos por direito constitucional processual. Enquanto este é um capítulo do direito constitucional e da teoria geral do processo, tratando especificamente do processo constitucional, o direito constitucional processual origina-se dos mandamentos processuais contidos na própria Lei Maior, voltando-se ao estudo dos temas constitucionais do processo e da Constituição.

Historicamente, o direito processual constitucional é atribuído a Hans Kelsen, pelo seu pioneirismo em enfatizar a necessidade de garantir às constituições mecanismos processuais e jurisdicionais de uma instância julgadora diferenciada, que tivesse por fito o controle da constitucionalidade de todas as leis e atos normativos.

Ainda existem, no entanto, discussões doutrinárias acerca da autonomia didática e da independência científica do direito processual constitucional. Dentre os que negam a sua autonomia estão Francisco Gérson Marques de Lima, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Willis Santiago Guerra Filho. Este último reconhece, porém, o seguinte:

“Ao mesmo tempo, não haveria nenhum ramo do Direito Processual capaz de incorporar, totalmente, o novo campo de estudos, que possui assuntos de interesse geral, com projeção sobre todos os segmentos do Direito Processual: civil, penal, trabalhista e mesmo aqueles setores fora do chamado ‘processo judicial’, como são o processo legislativo e administrativo.

Seriam, então, temas típicos ao Direito Processual Constitucional, a organização da estrutura judicial, com a distribuição da competência entre os diversos órgãos da jurisdição; os princípios gerais do processo (...) e as ações previstas na Lei Maior com o fim de resguardar a integridade e implementar o próprio ordenamento constitucional”

(GUERRA FILHO, 2005, p. 5-6).

O Direito Processual Constitucional possui, portanto, grande relevância como área apartada e autônoma. De fato, com o reconhecimento do caráter normativo da Constituição, o direto processual constitucional, o processo e a jurisdição constitucional, como em qualquer outro ramo do Direito, deixam de circunscrever-se à mera composição de conflitos de interesses, passando a assumir relevante função social, porquanto propugna, em especial, pela defesa do Estado Democrático de Direito. Desse entendimento coaduna o autor supracitado, ao definir o novo ramo do Direito:

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“[é] a forma processual própria para a tutela de direitos fundamentais, sendo este o seu objeto, seja imediato, quando for a ordem jurídica subjetiva aquela ameaçada ou violada, seja mediato, quando a necessidade de proteção seja da ordem jurídica constitucional objetiva, cuja violação ameaça igualmente o núcleo essencial desta mesma ordem, em sendo aquela de um Estado Democrático de Direito por resultante dos direitos e garantias por ela consagrados” (GUERRA FILHO, 2005, p. 12).

1.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

Não se pode falar de controle de constitucionalidade no Brasil-Colônia, mesmo porque, durante muitos séculos, a própria metrópole portuguesa não teve uma Constituição, haja vista o fato de se tratar, há época, de uma monarquia absolutista, prevalecendo, portanto, a vontade do rei. Vigiam em Portugal, cada uma a seu tempo, as Ordenações do Reino - Manuelinas, Alfonsinas e Filipinas -, assim denominadas de acordo com os monarcas que as fizeram editar.

Apesar de não ter sido contemplado conforme os modelos atuais, pode dizer-se que o controle de constitucionalidade foi implantado no Brasil pela Carta Política Imperial de 1824, uma vez que esta, sob influência do sistema francês, outorgou à Assembléia Geral do Império a atribuição de "fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las", bem como de "velar na guarda da Constituição" ( art.

15, n. 8° e 9° ). Contudo, ainda não havia nenhum controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, posto que o Poder Judiciário convivia numa atípica repartição dos Poderes, em que ao Poder Moderador, deferido ao monarca, era sublinhada a atribuição maior de dirimir qualquer controvérsia entre os Poderes.

Segundo José Afonso da Silva (1997), o sistema de controle judicial de constitucionalidade no Brasil teve início com a Constituição Republicana de 1891.

Tendo sofrido influência do sistema americano, esse diploma adotou o controle de constitucionalidade pelo método difuso, por via de exceção, o qual tem perdurado em todas as Constituições brasileiras posteriores, inclusive na atual. Por esse sistema, a lei declarada inconstitucional era tida como nula e os efeitos da sentença retroagiam à data de sua publicação. Tal postura, no entanto, foi sendo amainada ao longo do tempo até alcançar a formulação atual.

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A Constituição de 1934 inovou por ter erigido os cânones da supremacia e rigidez da Carta Federal e por apresentar traços do controle de constitucionalidade concentrado, ao dispor sobre a ação direta de inconstitucionalidade interventiva e emprestar efeito erga omnes às decisões do Supremo Tribunal Federal, já criado desde 1828. Estabeleceu também que ao Poder Judiciário seria atribuída a faculdade de fiscalizar a legitimidade constitucional dos atos públicos, conquanto que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do poder Público fosse feita mediante o voto da maioria absoluta dos membros dos tribunais, cabendo ao Senado Federal, entretanto, a competência para suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, no todo ou em parte.

A Carta de 1937 manteve apenas a cláusula de reserva, insculpida no seu art. 96. No entanto, criou um mecanismo apto a aniquilar, na prática, a fiscalização de constitucionalidade, ao prescrever, no parágrafo único daquele dispositivo que, “no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do parlamento; se este a confirmar por dois terços de voto em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal”. Com isso, ato do Presidente da República tinha o condão de submeter à apreciação do Poder Legislativo norma declarada inconstitucional, que, por decisão dessa Casa, poderia ter assegurada a sua vigência no ordenamento. O Judiciário, assim, ficou refém do Poder Executivo.

Sob a égide da Constituição de 1946, a Emenda Constitucional n.° 16, de 06/12/1965, manteve as inovações introduzidas pela Carta de 1934, adotando, porém, duas outras modalidades de controle: a ação direta de inconstitucionalidade contra lei em tese e a previsão de que lei viria a estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça dos Estados, para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato municipal, em conflito com a constituição estadual. Esta última inovação não prosperou tal como previsto, porém, a Constituição de 1969 instituiu a ação direta interventiva, que tinha por intuito a defesa dos princípios da constituição estadual, sendo legitimado para apresentá-la o Procurador-Geral de Justiça, e competente para o processo e julgamento o Tribunal de Justiça dos Estados.

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De acordo com Encarnacion Alfonso Lor, a Carta Constitucional de 1946

“restaurou a tradição do controle judicial de constitucionalidade no Direito brasileiro, disciplinando, adicionalmente ao julgamento dos recursos ordinários, o dos recursos extraordinários. De resto, foi mantido o sistema difuso, a exigência da maioria absoluta dos membros do Tribunal para a declaração de inconstitucionalidade, bem como a atribuição do Senado para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo” (LOR, 2009, p. 92).

A Constituição Federal de 1988 finalmente consolidou o controle de constitucionalidade dos atos e leis que ferissem os direitos e garantias constantes de sua redação. Adotando o instituto da ação direta de inconstitucionalidade, esse diploma também inovou ao criar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e por ampliar o rol dos legitimados a apresentá-las. Com isso, além de a Carta Política de 1988 dispor sobre o controle de constitucionalidade pelo método difuso, que já vinha previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro desde a Carta de 1891, também passou a regular instrumentos jurídicos a serem aplicados para a efetivação do controle de constitucionalidade pelo método concentrado, até então consideravelmente recente.

Outra novidade trazida pela Constituição atual foi a criação, através da Emenda Constitucional n.° 03/93, da Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo, que, além de ampliar o rol de instrumentos para o efetivo controle de constitucionalidade concentrado, também permitiu o surgimento de um valioso instituto jurídico que em muito contribuiria para a harmonização dos entendimentos emanados pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, o efeito vinculante, que mais tarde daria luz à introdução das súmulas vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro, através da Emenda Constitucional n.° 45/2004.

1.4. OS MÉTODOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO

No Direito Brasileiro, o sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos é de caráter sui generis, operando-se de duas maneiras: pelo método preventivo, em que aos Poderes Legislativo e Executivo é atribuído o dever de impedir o ingresso no ordenamento jurídico de normas incompatíveis com a Constituição; e pelo método repressivo, que se dará após a edição da lei ou

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dos atos normativos incompatíveis com a Constituição Federal. Neste último caso, o controle dar-se-á por meio de dois sistemas diferentes: o sistema de controle por via de exceção, também denominado de controle difuso de constitucionalidade; ou o sistema de controle direto, também chamado de controle concentrado de constitucionalidade.

Pelo primeiro, a parte interessada na discussão sobre a constitucionalidade de determinada lei aplicável ao caso concreto, deverá provocar o juiz ou o Tribunal, para que este declare no processo, incidentalmente, acerca da eficácia constitucional da indigitada norma. Observe que, a despeito de não configurar como objeto principal da ação, a decisão sobre a constitucionalidade da norma sob discussão tem como consequência a solução da lide, gerando efeitos ex tunc em relação às partes integrantes do processo.

Por outro lado, quando o caso concreto alcança a Suprema Corte Constitucional, através da interposição de recurso extraordinário, seus Ministros também poderão conhecer da questão incidental; neste caso, a declaração de inconstitucionalidade será encaminhada ao Senado Federal, a quem cumpre a faculdade de editar resolução suspensiva da execução, no todo ou em parte, do ato declarado inconstitucional pelo STF, em decisão definitiva, cujos efeitos incidirão para todos (erga omnes) e a partir da publicação da resolução senatorial (efeito ex nunc).

A decisão emitida por esses Tribunais que declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público só poderá ocorrer pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal, segundo o princípio da reserva do Plenário, sob pena de nulidade absoluta da decisão (art. 97 da Constituição Federal). Como exceção a essa regra, a nulidade será dispensável caso já exista decisão anterior de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal ou decisão plenária proferida pelo Tribunal a quo, considerando o ato contrário às normas constitucionais.

O controle difuso, ou por via de exceção, pode ainda se operar durante o Processo Legislativo, quando há flagrante inconstitucionalidade formal sobre o processo legislativo em trâmite, caso em que ao Poder Judiciário caberá a análise, em sede de mandado de segurança ajuizado por parlamentar, da regularidade na observância, por parte do Congresso Nacional, das normas constitucionais referentes ao processo legislativo.

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O controle de constitucionalidade pelo método concentrado tem por intuito invalidar uma lei ou ato normativo em tese, ou seja, sem a necessidade de análise de um caso concreto, haja vista que o objeto da ação será mesmo a norma cuja constitucionalidade é discutida. Sendo assim, o objetivo principal desse tipo de ação é a própria declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, que será exercido por competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, que tem por atribuição a guarda da Constituição Federal. Nesse caso, a declaração de inconstitucionalidade valerá para todos (efeito erga omnes) e terá, em regra, eficácia retroativa à data da decisão (efeito ex tunc), destituindo a lei ou ato normativo do Poder Público de qualquer eficácia jurídica, inclusive quanto aos atos pretéritos nele embasados.

Há cinco espécies de controle concentrado de constitucionalidade previstas na Constituição Federal vigente, quais sejam: a) a ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a); b) a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III); c) a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2°); d); a ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine) e; e) a ação de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1°).

Diferentemente do que ocorre no controle repressivo feito pela via de exceção, no qual as decisões, em regra, geram efeitos apenas entre as partes do processo, na doutrina brasileira sempre prevaleceu a tese de que as declarações emitidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade teriam efeito vinculante, mesmo quando a Constituição Federal não se mostrava expressa neste sentido.

Com efeito, a própria noção contida na expressão "eficácia erga omnes" nos faz remeter à idéia de que sempre houve uma vinculação entre as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e aquelas que seriam proferidas pelos tribunais inferiores e pelas autoridades do Poder Público, sobretudo porque esse tipo de controle visa precisamente atingir o efeito imediato de retirar a aplicabilidade da lei do ordenamento jurídico vigente. Se não fosse assim, seria praticamente inútil a previsão constitucional dessa espécie de ação. Conforme nos relata Alexandre de Moraes:

"uma vez proferida a decisão pelo STF, haverá uma vinculação obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder

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Executivo e do Poder Judiciário, que deverão pautar o exercício de suas funções na interpretação constitucional dada pela Corte Suprema" (2001, p. 601).

Apesar desse entendimento, o efeito vinculante propriamente dito só viria a ser expressamente definido na Constituição Federal a partir da Emenda Constitucional n.° 03/93, que o estabeleceu para as declarações emitidas em sede de ação declaratória de constitucionalidade. Outros instrumentos normativos vieram, posteriormente, outorgar eficácia vinculante às ações diretas de inconstitucionalidade, muito embora inúmeras dúvidas ainda existissem acerca da sua efetiva aplicabilidade.

Relegando-se a análise das peculiaridades que envolvem cada uma dessas ações, sobretudo por não se adequar ao escopo deste trabalho, cabe-nos asseverar que, a despeito dos mecanismos até então existentes de controle de constitucionalidade, os métodos difuso e concentrado nunca puderam ser vistos como mecanismos que se completavam em si mesmos, mas, ao contrário, necessitavam de instrumentos para uma maior articulação entre si, de forma a permitir a harmonização de entendimentos e a efetiva igualdade jurídica aos jurisdicionados. Ao mesmo tempo, na seara do controle difuso ou por via de exceção, é possível observar, ao longo dos tempos, que o número de recursos extraordinários que vêm alcançando diariamente a Corte Suprema é gigantesco, a ponto de comprometer a celeridade da prestação judicial. Tais situações decorriam, sobretudo, em razão da ausência de mecanismos que permitissem que as decisões anteriores já emitidas pelo STF em sede de recurso extraordinário, fossem obrigatoriamente cumpridas pelos Juízos a quo, e também pelos demais Órgãos do Poder Público, sem que houvesse a necessidade de levá-los, caso a caso, à chancela do Senado Federal. A Emenda Constitucional nº 45/2004, em boa hora, veio resolver algumas dessas questões, que, mais tarde, seriam regulamentadas por leis específicas, ao introduzir a súmula vinculante e o requisito da repercussão geral para apreciação dos recursos extraordinários pelo Supremo Tribunal Federal.

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1.5. MUDANÇAS INTRODUZIDAS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004

Dentre as mudanças advindas da introdução da Emenda Constitucional nº 45/2004, podemos afirmar que a maior delas foi a incorporação em nosso sistema jurídico da súmula vinculante e do requisito da repercussão geral para apreciação dos recursos extraordinários pelo Supremo Tribunal Federal.

Esses institutos, que, em verdade, já despontavam como medidas necessárias para uma maior articulação entre os atuais sistemas de controle de constitucionalidade, tiveram por escopo ideológico dar efetividade à temática do acesso à Justiça, já consagrado na atual Carta Constitucional de 1988 como princípio fundamental.

Como se sabe, o acesso à justiça não se esgota no simples ingresso ao Judiciário. Com efeito, o acesso à justiça é também direito de acesso a uma justiça adequadamente organizada, e o acesso a ela deve ser assegurado através de instrumentos processuais aptos à efetiva realização do direito, dentro de um lapso temporal razoável, a fim de garantir a pronta e efetiva resposta às demandas que lhe são apresentadas.

Conforme lição de Horácio Wanderlei Rodrigues, na obra de Wambier [et al], “[...] adotando-se uma visão instrumentalista do direito processual, pode-se afirmar que todas as suas normas devem ser criadas, interpretadas e aplicadas sob o prisma da efetividade e do acesso à justiça, para que a jurisdição possa atingir seus escopos dentro do Estado contemporâneo” (WAMBIER et al., 2005, p. 284).

De forma direta, a questão da duração do processo aparece na Emenda Constitucional nº 45/2004, já em seu início, quando introduz um novo inciso no art. 5º da CRFB, com o seguinte conteúdo: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Esse dispositivo contém duas normas, pois garante, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo de um lado; e os meios que garantam a celeridade processual, de outro. Por seu turno, ambas possuem duplo direcionamento: estabelecem direitos fundamentais que podem ser exigidos por qualquer cidadão; e contêm uma ordem dirigida ao Poder Público, a fim de

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garantir o direito à prestação jurisdicional em um prazo razoável, criando os meios necessários para que isso efetivamente ocorra.

Nesse contexto, a introdução da súmula vinculante e da repercussão geral foram fundamentais para a garantia de uma rápida e eficiente prestação jurisdicional, uma vez que tais institutos passaram a servir de verdadeiros filtros para as questões trazidas à Corte Suprema, seja através do controle concentrado, seja, sobretudo, através das vias de exceção (controle difuso), cujo instrumento principal de condução é o recurso extraordinário.

O instituto da súmula vinculante veio como um coroamento da longa busca pela obtenção do efeito vinculante nas decisões concentradas de controle de constitucionalidade no Brasil, que antes era apenas atribuído às decisões proferidas pelo STF nas ações declaratórias de constitucionalidade, sendo agora também atribuído às decisões proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade, mediante a nova redação dada ao § 2º do art. 12 da CRFB.

Com efeito, sempre se buscou no Direito brasileiro a vinculação das decisões do Supremo Tribunal Federal (e, em alguns casos, dos Tribunais Superiores) às decisões dos tribunais inferiores, com vistas ao tratamento igualitário dos jurisdicionados e, por conseguinte, à segurança e previsibilidade das decisões judiciais.

A súmula vinculante em si veio expressamente prevista no art. 103-A do Texto Constitucional, in verbis:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.

A ampliação da abrangência do efeito vinculante e a criação da súmula são importantes instrumentos da uniformização da interpretação constitucional, sem a qual não há possibilidade de se falar em segurança jurídica nem em tratamento isonômico dos cidadãos brasileiros. Visa, expressamente, eliminar a insegurança jurídica e a multiplicação de processos sobre questão idêntica.

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Tenha-se, por exemplo, o caso citado por Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel G. Medina, quando tratam da incompatibilidade averiguada entre os controle difuso e concentrado de constitucionalidade:

"No método de controle 'difuso' de constitucionalidade [...]

todos os órgãos judiciários, inferiores e superiores, federais ou estaduais, têm [...] o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais aos casos concretos submetidos a seu julgamento. Experimentemos então imaginar [...] a introdução deste método 'difuso' de controle nos sistemas jurídicos [...]

denominados de 'civil law', ou seja, de derivação romanística, em que não existe o princípio, típico dos sistemas de 'commow law', do 'stare decisis'. Pois bem, a introdução, nos sistemas de 'civil law', do método 'americano' de controle, levaria à consequência de que uma mesma lei ou disposição de lei poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional, por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada em contraste com a Constituição, por outros. [...]

Poderiam, certamente, formar-se verdadeiros 'contrastes de tendências' entre órgãos judiciários de tipo diverso [...], ou entre órgãos judiciários de diverso grau [...]. A consequência, extremamente perigosa, de tudo isto, poderia ser uma grave situação de conflito entre órgãos e de incerteza do direito, situação perniciosa quer para os indivíduos como para a coletividade e o Estado" (WAMBIER, 2005, p. 109).

O Brasil, já em muitos aspectos, pode-se dizer que tem um sistema "misto"

de inspiração romano-germânica e anglo-saxônica, sobretudo pelas inovações introduzidas pela Reforma do Judiciário, que em muito se assemelham ao modelo norte-americano, afastando-se em essência do nosso modelo original. Essa mudança tem sua causa principal na necessidade de se garantir a preservação dos princípios da legalidade e da isonomia, verdadeiros pilares da civilização moderna, que visam garantir que se considerem adequadas soluções que tendam a evitar a ocorrência de discrepâncias nas decisões judiciais.

Com efeito, um dos aspectos dos sistemas jurídicos que sempre preocupou os estudiosos foi a insegurança que gera nos jurisdicionados o fato de pessoas em situações absolutamente idênticas sofrerem efeitos de decisões completamente diferentes. No âmbito do controle de constitucionalidade difuso, por exemplo, quando o tribunal inferior decidia de forma distinta ao entendimento da Corte Suprema, era comum que a parte que se sentisse prejudicada tivesse que recorrer a esse órgão, através de recurso extraordinário, para obter a decisão almejada,

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despendendo enormes recursos para tal fim, tanto de sua parte, como da própria máquina judiciária. Essa situação, com certeza, não poderia continuar a ser admitida, posto que ao STF sempre foi outorgada a competência para decidir, em última análise, sobre a constitucionalidade das leis.

Sendo assim, além de se constituírem em instrumentos para a efetividade da isonomia de tratamento e de garantia da segurança jurídica, a súmula e o efeito vinculante também se constituem em instrumentos poderosos de agilização das demandas cujo desfecho, em última instância, dependa de uma manifestação do STF relativamente à validade, à interpretação e à eficácia de determinadas normas. Isso ocorre quando cumpre o seu objetivo de evitar a multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Conforme destaca Horácio Wanderlei Rodrigues, “ao ser editada a súmula, reconhecido (ou não) estará o direito de todas as pessoas que se encontrarem em idêntica situação. Esse fato reduz o tempo do processo de duas formas: a) ao generalizar a mesma decisão para todos os processos que tenham objeto idêntico, reduz imensamente o tempo que os demais processos levariam para serem decididos, se seguido o procedimento tradicional, com a utilização de todos os recursos cabíveis; e b) ao generalizar a decisão, reduz o número de processos, quer seja pelo término antecipado dos processos em andamento, quer seja pela redução de processos a serem ajuizados; nessa situação, o tempo que deixará de ser gasto nos processos, cujo conteúdo foi objeto da súmula, poderá ser destinado aos demais processos” (WAMBIER et al, 2005, p. 291-292).

Essa nova figuração do sistema jurisprudencial brasileiro, introduzida pela Reforma do Judiciário, em muito se coaduna com as perspectivas lançadas pela doutrina já durante as discussões a respeito da introdução da súmula vinculante:

"É impossível sustentar que processos dessa natureza devam prosseguir congestionando o Judiciário e percorrendo suas diversas instâncias na sucessão, quase interminável, dos recursos colocados à disposição das partes pela legislação processual. Nenhum progresso para a ciência jurídica resultará do julgamento desses feitos. Eles nada mais são do que uma reprodução de peças padronizadas. [...] É inútil e custoso manter a máquina judiciária ocupada com questões que já não oferecem relevo ou dificuldade. Mais que isso, tal atitude desvia atenção e recursos do Judiciário, os quais deveriam estar melhor aplicados nas questões que têm maior atualidade e

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demandam reflexão e atividade criativa por parte dos magistrados" (WAMBIER et al, 2005, p. 121).

A repercussão geral a que se refere a Emenda Constitucional nº 45/2004 visa exatamente a redução desse volume de processos a serem apreciados pelo Pretório Excelso. Aliado à súmula vinculante, a repercussão geral passou a servir de poderoso instrumento ao controle difuso de constitucionalidade para a diminuição das demandas levadas ao Supremo Tribunal Federal através dos recursos extraordinários. O novel instituto vem, assim, disciplinado no §3º do art.

102 da CRFB:

“Art. 102. [...]

parágrafo 3º. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

Estabeleceu-se, com isso, um novo pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário, restringindo-se o acesso do jurisdicionado ao controle difuso de constitucionalidade das leis, exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Conforme destacado por Paulo Roberto Lyrio Pimenta, o novo mecanismo, entretanto, suscita algumas questões. “Em primeiro lugar, é constitucional a restrição ao controle difuso, com seda na Constituição, operada pelo novo mecanismo? Segundo, qual o significado da ‘repercussão geral’? O adjetivo

‘geral’ refere-se aí às hipóteses de demandas cujos resultados possam alcançar um grupo de sujeitos, ou às situações em que o efeito da decisão poderá gerar sério gravame financeiro ao erário, atingindo a coletividade por via reflexa? A repercussão, em outras palavras, é da tese jurídica em debate, do efeito da decisão, ou do bem jurídico objeto do provimento jurisdicional?” (PIMENTA, 2010, p.

43).

Tais questões foram parcialmente solucionadas com a edição da Lei nº 11.418/2006, a qual regulamentou o instituto. Eventuais problemáticas, no entanto, serão resolvidas, gradativamente, pela jurisprudência do STF, à medida que o mecanismo for sendo aplicado pela Corte. De qualquer sorte, se por um lado a inovação representa uma tentativa de redução da sobrecarga de processos em tramitação nesse Tribunal, dando maior celeridade à sua atuação, de outro

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constitui séria limitação ao controle difuso de constitucionalidade das leis, e, por conseguinte, ao acesso à Justiça.

Essas e outras questões serão focadas ao longo do presente trabalho, que terá por escopo demonstrar as vantagens e desvantagens da introdução do instituto da repercussão geral no sistema de controle de constitucionalidade difuso, bem como as conseqüentes mudanças impingidas ao recurso extraordinário, o qual, conforme se verá, passou a exercer novo papel no controle de constitucionalidade, servindo, por via indireta, como importante instrumento para a concretização do controle abstrato de constitucionalidade. Segue-se, então, à análise desse relevante recurso.

CAPÍTULO 2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO:

INSTRUMENTO DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1. RECURSOS ORDINÁRIOS E EXTRAORDINÁRIOS

A doutrina costuma classificar os recursos em ordinários e extraordinários.

Em Portugal, ordinários são os recursos interpostos contra decisões não transitadas em julgado. Os extraordinários pressupõem o trânsito em julgado da decisão. São ordinários (e apreciados por órgão hierarquicamente superior) a apelação, a revista e o agravo; e extraordinários (apreciados pelo mesmo órgão prolator da decisão impugnada) a revisão e a oposição de terceiros.

No direito pátrio, a doutrina buscou fundamento em outros critérios para proceder à referida classificação que tem por base amplitude e o objetivo da impugnação.

Para Nelson Luiz Pinto (1999), a distinção entre os dois recursos encontra- se em seus respectivos objetos. Assim, o recurso extraordinário seria aquele que tem por escopo imediato a proteção do direito objetivo (incidentalmente protegendo o direito subjetivo), ao contrário do ordinário, que visa diretamente à prestação jurisdicional relativa à tutela dos interesses das partes em litígio, tendo como objeto o direito subjetivo.

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Na doutrina do argentino Aldo Bacre, citado por Osmar Mendes Paixão Côrtes (WAMBIER et al, 2005), também é possível observar clara distinção entre ambos os recursos: enquanto os recursos ordinários caracterizam-se por possibilitarem o reexame de questões de fato e de direito, de forma ampla, e por objetivarem satisfazer o interesse subjetivo dos litigantes, ou seja, a justiça no caso concreto; os extraordinários, por outro lado, são os recursos destinados aos Tribunais superiores, com caráter excepcional e restritivo, por meio dos quais se objetiva, em geral, assegurar a uniforme aplicação da Constituição nacional ou provincial (controle de constitucionalidade), ou da lei (controle de legalidade).

Tratando do assunto, Paulo Roberto Lyrio Pimenta discorre:

“O recurso extraordinário enquadra-se na classe dos ‘recursos excepcionais’, também denominados de ‘recursos de direito estrito’, podendo ser diferenciado dos ‘recursos ordinários’

(comuns, normais), que apresentam uma forma menos rigorosa, são dirigidos a Tribunais locais ou regionais, não apresentam pressupostos de admissibilidade mais rigorosos, comportam discussão de matéria de fato e de direito, bastando a mera sucumbência para configurar o interesse em recorrer.

Os recursos excepcionais contêm determinados caracteres, a saber: a) exigem o prévio esgotamento das instâncias ordinárias; b) não se destinam diretamente à correção da suposta injustiça da decisão; c) não comportam apreciação da matéria de fato; d) apresentam sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido; e) os pressupostos de admissibilidade são regulados pela Constituição, e não pela lei infraconstitucional; f) é provisória a execução realizada na pendência do recurso; g) necessidade de prequestionamento da matéria constitucional” (PIMENTA, 2010, p. 82-83).

2.2. CONCEITO E FUNÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO SISTEMA VIGENTE

O recurso extraordinário está inserto no controle de constitucionalidade repressivo difuso, caracterizado pela possibilidade de qualquer juiz ou tribunal, analisando uma lide concreta, verificar e declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, prejudicial ao exame do mérito.

Diferentemente do que ocorre no controle concentrado de constitucionalidade, o que se busca no controle difuso não é a declaração de

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inconstitucionalidade da lei em tese, mas a prévia decisão de um impasse constitucional, indispensável para o julgamento do mérito no caso concreto.

O recurso extraordinário só pode ser interposto contra determinada decisão judicial contra a qual já tiverem sido esgotados todos os meios ordinários de impugnação. O fundamento da exigência é que o Supremo Tribunal Federal, ao processar e julgar um recurso desta natureza, atua como órgão de cúpula do Poder Judiciário, devendo manifestar-se apenas sobre questões de grande relevância nacional, tais como as questões constitucionais.

Além disso, o instituto não tem por escopo revisar decisões judiciais, eis que se trata de um remédio que permite ao STF cumprir a sua missão de guardião da Constituição, garantindo, por via reflexa, o direito subjetivo da parte recorrente, conferido por norma constitucional. Sendo assim, o recurso extraordinário tem cognição limitada às questões de direito, relacionadas à eficácia, vigência ou aplicação da Constituição. É pacífica, inclusive, a posição do STF sobre o tema, consoante demonstra o enunciado da Súmula 279: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Sobre o assunto, discorre Eduardo de Avelar Lamy, ao tratar da distinção entre os recursos ordinários e os extraordinários:

“Os ordinários são colocados à disposição das partes com a finalidade de dar-lhes um mecanismo de controle irrestrito das decisões judiciais, capaz de propiciar uma revisão ilimitada e incondicionada por parte do órgão ‘ad quem’. Objetiva-se, pois, permitir que os fundamentos de fato e direito utilizados pelas partes e objeto de análise do órgão ‘a quo’ sejam novamente apreciados. Assim, as partes terão o direito de se insurgir, via recursos ordinários, sem pré que se sentirem prejudicadas por uma decisão judicial, e, conseqüentemente, terão o direito de obter nova análise a respeito da mesma.

Atendem, portanto, ditos recursos, uma das principais razões que levam os ordenamentos jurídicos a prescrever a previsão de impugnação das decisões, qual seja, a personalidade humana e a inescondível circunstância de não se conformar com julgamentos desfavoráveis.

Já os recursos extraordinários não se prestam à satisfação de um interesse pessoal do recorrente. Sua função é com a correta interpretação e aplicação da lei, seja constitucional ou infraconstitucional. Não há relevância eventual prejuízo ocasionado às partes. Para tal hipótese, os recursos que elas dispõem são outros (ordinários)” (WAMBIER et al, 2005, p.

182-183).

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2.2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Alguns autores ligam a origem do recurso extraordinário à suplicação, do antigo direito português e, imediatamente, à revista, cabível para o então Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, nas hipóteses de nulidade ou injustiça.

No entanto, é consenso que o recurso extraordinário é um instituto do direito saxônica, ligado diretamente ao writ of error, que nasceu na Inglaterra, com a finalidade de corrigir erros de direito em favor da parte prejudicada, tendo passado às colônias inglesas, dentre as quais os Estados Unidos da América.

Em nosso ordenamento, o instituto ingressou com a proclamação da República, sendo previsto, inicialmente, no Decreto 848, de 24 de outubro de 1890, art. 9º, parágrafo único, posteriormente acolhido pelo art. 59, § 1º, da Constituição de 1891. Com a edição do primeiro Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, adquiriu a denominação “recurso extraordinário”, incorporada à legislação processual posterior. Todas as Cartas do período republicano mantiveram a existência desse remédio jurídico, que ganhou um novo perfil com o advento do texto atualmente em vigor.

Isso porque, antes de 1988, tal recurso tinha por finalidade assegurar a inteireza positiva, a validade, a autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição e das leis federais. Com a promulgação da Carta de 1988, o recurso extraordinário passou a ficar destinado apenas para a apreciação de questões constitucionais, enquanto as demais restaram entregues ao âmbito de cabimento do Recurso Especial (CRFB, art. 105, III), instrumento criado com o propósito de assegurar a uniformidade da interpretação da legislação federal infraconstitucional.

Tal contexto, no entanto, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que inseriu um novo dispositivo no art. 102, III, da CRFB, transferindo para o âmbito do recurso extraordinário matéria de interpretação de lei federal, anteriormente inserida na esfera do recurso especial.

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2.2.2. PRESSUPOSTOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Por se tratar de um recurso excepcional, os pressupostos para admissibilidade do recurso extraordinário são veiculados pela Constituição Federal, e não pelo Código de Processo Civil, que regula apenas a parte procedimental (prazo, preparo, modo de interposição etc.). De tal peculiaridade decorre a impossibilidade de aplicação da fungibilidade recursal em matéria de recurso extraordinário.

Dentre as características desse recurso, está a impossibilidade de concessão do efeito suspensivo, permitindo a execução do julgado impugnado, que se fará em caráter provisório. Entretanto, para evitar que se cause dano irreparável, admite-se a concessão de medida cautelar inominada para suspender a execução do provimento hostilizado por meio de recurso extraordinário, que poderá ser requerida perante o Presidente do Tribunal a quo ou o Ministro Relator do recurso, dependendo da situação.

No processamento do recurso extraordinário ocorre uma cisão entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito, de forma diferenciada, distribuída entre o Tribunal a quo e o ad quem. A interposição do recurso ocorre perante o presidente ou vice-presidente do Tribunal recorrido, a quem compete o exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso, exceto o da repercussão geral, que é exclusivo do Pretório Excelso. Se for admitido, tal exame não vincula o STF, que poderá ou não conhecer do recurso extraordinário.

A admissibilidade do recurso extraordinário pressupõe três requisitos. São eles:

1. O julgamento da causa, em última ou única instância;

2. A existência de questão federal constitucional, isto é, uma controvérsia em torno da aplicação da Constituição Federal;

3. A demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso.

O primeiro desses requisitos é, em verdade, um pressuposto comum a todas as hipóteses de cabimento desse recurso, por meio do qual se exige que a decisão impugnada seja oriunda de um Tribunal Superior ou de juízo, singular ou colegiado, que funcione como única instância, como por exemplo, as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Convém observar que a

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decisão deve versar sobre o mérito da causa, razão pela qual não se admite o recurso extraordinário de sentenças que extinguem o processo sem resolução do mérito, bem como das proferidas no âmbito da jurisdição voluntária.

Quanto à segunda hipótese de cabimento do recurso extraordinário, leciona Humberto Theodoro Júnior:

“A questão aplicável pela via do recurso extraordinário somente pode ser uma ‘questão de direito’, isto é, um ponto controvertido que envolva diretamente a interpretação e aplicação da lei. Se o que se debate são os fatos (e sua veracidade), tem-se que a ‘questão de fato’ que é prejudicial à questão de direito e que não pode ser renovada por meio do extraordinário. A questão federal, para justificar o cabimento do recurso extraordinário, não exige prévia suscitação pela parte, mas deve já figurar no decisório recorrido, isto é, deve ter sido anteriormente enfrentada pelo tribunal a quo. Nesse sentido, fala-se em prequestionamento como requisito de admissibilidade do extraordinário. É, aliás, o que se extrai da regra constitucional que exige, para ser conhecido esse recurso, verse ele sobre ‘causa decidida’, na instância de origem”

(THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 724).

A despeito do requisito do “prequestionamento” ter desaparecido dos textos constitucionais a partir da Carta de 1967, é inquestionável o requisito do prequestionamento da matéria constitucional, para admissibilidade do recurso extraordinário, sobretudo porque, atualmente, já existem diversas súmulas do próprio STF regulando esse tema, dentre elas a Súmula 356, que versa: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

O requisito da repercussão geral, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, foi regulamentado pela Lei nº 11.418/2006, que confirmou seu caráter de requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, ao inserir o art. 543-A no CPC, prescrevendo que “o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo”.

Tal instituto tem por escopo autorizar o STF a não conhecer do recurso extraordinário se, preliminarmente, entender que não restou demonstrada a repercussão geral das questões sobre que versa o apelo extremo.

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De acordo com Humberto Theodoro Júnior (p. 725), “foi, sem dúvida, a necessidade de controlar e reduzir o sempre crescente e intolerável volume de recursos da espécie que passou a assoberbar o Supremo Tribunal Federal a ponto de comprometer o bom desempenho de sua missão de Corte Constitucional, que inspirou e justificou a reforma operada pela EC nº 45”.

A análise desse instituto, no entanto, será efetuada em capítulo à parte, quando discorreremos sobre a importância de sua introdução no controle de constitucionalidade, as mudanças promovidas, sobretudo, no que tange ao modelo difuso, a nova roupagem atribuída ao recurso extraordinário, e os posicionamentos daqueles que ainda questionam a sua necessidade.

Por ora, passemos à análise das demais transformações promovidas no recurso extraordinário pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

2.2.3. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004

O advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 não trouxe muita mudança ao dispositivo inserto no art. 102 da Constituição Federal. Foram apenas duas mudanças, sendo a constante do § 3º, relativa à introdução da repercussão geral, a mais significativa, sem dúvida.

Vejamos a redação atual do aludido dispositivo:

“Art. 102. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal [...]

§ 3º. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,

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somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

A primeira forma de cabimento do recurso extraordinário refere-se às hipóteses de contrariedade à literalidade do texto normativo-constitucional ou à sua finalidade, por meio do processo de interpretação e de compreensão. Sendo assim, na aferição desse pressuposto, bastará ao órgão jurisdicional verificar se existe plausibilidade na alegação de contrariedade à Constituição.

Importa observar, ainda, que a contrariedade ao dispositivo constitucional deve ser direta e frontal, e não por via reflexa, ou seja, é o próprio texto constitucional que resultou violado, e não o direito ordinário. De acordo com Paulo Roberto Lyrio Pimenta, “a justificativa para tal restrição é que o STF, ao processar e julgar o recurso em estudo, realiza o controle difuso de constitucionalidade das leis, e não o de legalidade. Portanto, a ofensa deve atingir imediatamente o texto constitucional, sem necessidade de inserção da lei ordinária como elemento intermediário para se aferir a presença do pressuposto epigrafado”

(PIMENTA, 2010, p. 88). A exceção ocorre na situação em que o direito ordinário simplesmente repete o conteúdo do dispositivo constitucional, hipótese em que a violação do direito infraconstitucional configurará burla à Constituição, suscetível de ser combalida pela via do recurso extraordinário.

No que tange à segunda hipótese de interposição do recurso extraordinário, vale notar, em primeiro lugar, que a decisão que vier a declarar a

“constitucionalidade” não se enquadra nesse tipo legal. Em segundo lugar, o dispositivo deixa implícito que o recurso excepcional pode dar-se contra qualquer decisão jurisdicional – desde que de única ou última instância – que tiver declarado a inconstitucionalidade de lei, em controle difuso, seja qual for o tipo de inconstitucionalidade motivadora do respectivo provimento jurisdicional, inclusive a superveniente. Tratando-se de provimento oriundo de Tribunal, a decisão atacada não será o acórdão que houver declarado a inconstitucionalidade, proferido pelo Plenário ou Órgão Especial, e sim o do órgão fracionário, vinculado àquele.

Na terceira hipótese de cabimento, a expressão “lei ou ato de governo local” deve ser entendida como aquela que abrange leis oriundas dos Estados e

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