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O recurso extraordinário à luz da Emenda Constitucional nº 45/2004

CAPÍTULO 2 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO: INSTRUMENTO DE

2.2. Conceito e função do recurso extraordinário no sistema vigente

2.2.3. O recurso extraordinário à luz da Emenda Constitucional nº 45/2004

O advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 não trouxe muita mudança ao dispositivo inserto no art. 102 da Constituição Federal. Foram apenas duas mudanças, sendo a constante do § 3º, relativa à introdução da repercussão geral, a mais significativa, sem dúvida.

Vejamos a redação atual do aludido dispositivo:

“Art. 102. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal [...]

§ 3º. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,

somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

A primeira forma de cabimento do recurso extraordinário refere-se às hipóteses de contrariedade à literalidade do texto normativo-constitucional ou à sua finalidade, por meio do processo de interpretação e de compreensão. Sendo assim, na aferição desse pressuposto, bastará ao órgão jurisdicional verificar se existe plausibilidade na alegação de contrariedade à Constituição.

Importa observar, ainda, que a contrariedade ao dispositivo constitucional deve ser direta e frontal, e não por via reflexa, ou seja, é o próprio texto constitucional que resultou violado, e não o direito ordinário. De acordo com Paulo Roberto Lyrio Pimenta, “a justificativa para tal restrição é que o STF, ao processar e julgar o recurso em estudo, realiza o controle difuso de constitucionalidade das leis, e não o de legalidade. Portanto, a ofensa deve atingir imediatamente o texto constitucional, sem necessidade de inserção da lei ordinária como elemento intermediário para se aferir a presença do pressuposto epigrafado”

(PIMENTA, 2010, p. 88). A exceção ocorre na situação em que o direito ordinário simplesmente repete o conteúdo do dispositivo constitucional, hipótese em que a violação do direito infraconstitucional configurará burla à Constituição, suscetível de ser combalida pela via do recurso extraordinário.

No que tange à segunda hipótese de interposição do recurso extraordinário, vale notar, em primeiro lugar, que a decisão que vier a declarar a

“constitucionalidade” não se enquadra nesse tipo legal. Em segundo lugar, o dispositivo deixa implícito que o recurso excepcional pode dar-se contra qualquer decisão jurisdicional – desde que de única ou última instância – que tiver declarado a inconstitucionalidade de lei, em controle difuso, seja qual for o tipo de inconstitucionalidade motivadora do respectivo provimento jurisdicional, inclusive a superveniente. Tratando-se de provimento oriundo de Tribunal, a decisão atacada não será o acórdão que houver declarado a inconstitucionalidade, proferido pelo Plenário ou Órgão Especial, e sim o do órgão fracionário, vinculado àquele.

Na terceira hipótese de cabimento, a expressão “lei ou ato de governo local” deve ser entendida como aquela que abrange leis oriundas dos Estados e

Municípios, bem como atos normativos elaborados pelas esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) que integram os respectivos entes.

A quarta hipótese foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que determinou o desmembramento do recurso especial, admitindo-se o extraordinário de decisão que julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Existe, portanto, uma semelhança com a hipótese anterior, no entanto, o direito preterido não é o veiculado pela Constituição, e sim por lei federal.

Para Walber de Moura Agra, ao discorrer sobre as mudanças advindas da Reforma do Judiciário, a norma inserta no art. 102, III, d, representou um grande paradoxo em relação às pretensões da Reforma do Judiciário, uma vez que trouxe prejuízo ao Supremo Tribunal Federal, que já se encontrava abarrotado de processos quando apenas desempenhava o controle das leis em face da Constituição Federal.

Afirma o aludido autor:

“O Supremo Tribunal Federal, que já estava abarrotado de processos, terá agravado esse problema e continuará a não desempenhar a contento sua função de guardião da Constituição, haja vista que concorrentemente, junto com o Superior Tribunal de Justiça, desempenham o papel de velar pela unidade sistêmica das normas infraconstitucionais. O excesso de atribuições ainda impede o STF de exercer efetiva proteção dos direitos fundamentais, que, além de serem deixados sem eficácia, são aviltados por normas infraconstitucionais. Ordinarizam-se as atribuições do Pretório Excelso, esquecendo-se de que sua história confunde-se com a história da República brasileira” (AGRA, 2005, p. 117).

Finalmente, a grande mudança que se fez presente, efetivamente, foi a inclusão do parágrafo 3º do art. 102 da CRFB, que traçou um perfil geral do instituto da repercussão geral, como preliminar do recurso extraordinário. Convém observar, no entanto, que não foi estabelecido um conceito objetivo acerca de

“repercussão geral”. Nesse particular, o legislador ordinário também preferiu seguir a mesma orientação, ao fazer menção ao instituto no parágrafo primeiro do art. 543-A do CPC, que reza: “para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.

A ausência de uma conceituação do que seja “repercussão geral” ficou, portanto, sob a competência discricionária da Suprema Corte, deixando claro, todavia, que se trata de matéria que vai além do interesse objeto da causa, transcendendo os interesses subjetivos existentes na demanda objeto do recurso extraordinário. Conforme se verá, a Lei nº 11.418/2006, que veio a regulamentar o instituto da repercussão geral, trouxe algumas respostas para as dúvidas até então surgidas a partir da EC nº 45/2004, contribuindo para dirimir uma série de dúvidas que ainda comprometiam a correta aplicação deste novel instituto.

2.2.4. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO COMO INSTRUMENTO DE