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AO FEUDAL

A educação física guerreira perpassa toda a idade média, alta e baixa sempre relacionada com o fazer das classes dominantes incorporadas à educação romana e dos bárbaros.

Os filhos dos nobres bárbaros eram “[...] adestrados na caça e na equitação, segundo o costume dos Francos: Francorum [...] e era essa a parte mais característica da educação guerreira”. (MANACORDA, 1986, p. 138)

Essa formação guerreira perde força na educação cristã e a educação no império romano, apesar das pressões na baixa idade média exercidas por bárbaros, húngaros e eslavos no leste e por árabes ao sul permanece como sendo a principal fonte de instrução destes nobres. (MANACORDA, 1986, p. 140)

Após a queda do Império Romano e do modo de produção escravista, as práticas de atividades físicas sofreram enorme decadência. Segundo Langlade e Langlade (1970 apud SOUZA, 2003, p. 1), até 1800 as formas comuns de exercício físico eram os jogos populares, as danças folclóricas e regionais e o atletismo.

Durante a Idade Média verificou-se uma acentuada diferenciação entre as atividades das classes altas e baixas. Enquanto os nobres se dedicavam a desenvolver suas aptidões guerreiras em torneios e combates, além de praticar a equitação e a caça, o povo tinha grande

apego aos jogos de bola com destaque ao jogo que conhecemos hoje como futebol, que nesta época era praticado sob extrema violência.

A tirania dos senhores feudais e dos religiosos predominavam neste período e ditavam as normas de convívio social com perseguições a tudo que eles consideravam como prejudiciais à ordem vigente, como pode ser analisado pelas observações de Lorenzini e outros autores (2005).

Para eles (LORENZINI, et al.,2005, p. 2):

A Idade Média foi fortemente marcada pela sociedade feudal, pelo imperialismo, pela soberania dos papados, pelos sistemas corporativistas da indústria e do comércio, a sociedade sofreu as marcas da canalização dos bens de produção para determinados proprietários, grandes concentradores de riquezas oriundas principalmente do trabalho escravo. A Escola era destinada à elite, sendo que nas universidades medievais, os estudantes eram considerados perfeitos quando afastados de toda atividade recreativa ou divertida.

A luta pelos ideais religiosos desse período gerou a proibição de exercícios físicos e das atividades recreativas e de lazer que levou a juventude aos vícios, aos jogos de azar e à bebida. A tirania religiosa elegeu a fé, a intelectualidade, a disciplina, a moral, contrapondo-se à procura do prazer e do espetáculo das exibições corporais artísticas.

Nos anos 1000, a educação guerreira torna-se educação cavalheiresca assumindo também os aspectos intelectuais dos clerici, revestindo de gentilezas os seus costumes assim descritos por Manacorda (1986, p. 159):

Além da evidente aculturação espontânea e também institucionalizada, ao modo de vida dos castelos e das cortes, a preparação para a técnica da guerra e da política se efetua, segundo a tradição, após os primeiros cuidados da mãe e da nutriz, em geral sob a direção de um adulto que agrupa os meninos nobres e os treina em jogos de valentia, com bolas ou varas e com exercícios como arremesso de pedra, o primeiro manejo de armas e o cavalgar.

Na adolescência, esses jovens tornavam-se “pajem ou escudeiro” de algum cavaleiro e este transformava-se em seus mestres até que essa educação cavalheiresca fosse completada e eles pudessem, numa cerimônia solene, ser proclamados cavaleiros. (MANACORDA, 1986, p. 159)

Em outra passagem faz referência à educação do próprio rei com uma citação de Afonso, o sábio (1256):

A honra, portanto, o comportamento moralmente correto, mais ainda que a força, é a glória do cavaleiro [...] “O rei deve ser muito solícito na aprendizagem das ciências, porque graças a elas compreenderá as coisas em profundidade, e sabendo ler, agirá melhor, terá mais consciência de suas fraquezas e saberá melhor dominá-las (Lei XVI); [...] além disso, entenderá os exemplos da história. Junto à instrução intelectual, o rei terá que cuidar de sua educação física, especialmente a caça. (MANACORDA, 1986, p. 160)

Dessa forma, fica evidente a importância da caça na formação do nobre e do guerreiro mas, para completar esta educação “intelectual e física”, são salientadas as boas maneiras à mesa, “evitando pegar os alimentos com todos os cinco dedos ou limpar a boca na tolha”. (MANACORDA, 1986, p. 161)

Segundo Soares (1998, p. 23), as práticas corporais eram realizadas, nas feiras e nos circos, por palhaços, acrobatas gigantes e anões e despertavam naqueles que as assistiam uma série de sentimentos ambíguos de encantamento e medo.

Na Idade Média os exercícios físicos foram a base da preparação militar dos soldados, que durante os séculos XI, XII e XIII lutaram nas Cruzadas empreendidas pela igreja. Entre os nobres eram valorizadas a esgrima e a equitação como requisitos para a participação nas Justas e Torneios, jogos que tinham como objetivo “enobrecer o homem e fazê-lo forte e apto”. (RAMOS, J., 1982, p. 23)

Há ainda registros de outras atividades praticadas neste período como o manejo do arco e flecha, a luta, a escalada, a marcha, a corrida, o salto, a caça, a pesca, jogos simples e de pelota, um tipo de futebol, e os jogos de raqueta. (SOUZA, 2003, p. 2)

Do ponto de vista mais geral da história econômica e social, estes fatos precedem o primeiro desenvolvimento de uma burguesia urbana com as suas comunas e corporações de artes e ofícios, e isto traz para a sociedade em geral a necessidade de uma formação cada vez mais diferenciada, o que marca um período onde surgem novos modos de produção, em que a relação entre ciência e a operação manual é mais desenvolvida e a especialização é mais avançada. Assim, a educação guerreira fica cada vez mais distante. (MANACORDA, 1986, p. 161)

Também fica clara nesta citação a modificação econômica que se apresenta pela transformação do modo de produção, onde a comercialização de produtos toma forma, permitindo-nos afirmar que esta tenha sido a primeira evidência citada no livro que marca a transição entre o feudalismo e o capitalismo que só vai de fato assumir o seu papel de domínio na sociedade, séculos mais tarde.

Desde a tenra idade aprenda a amar os livros, de modo que, se ele gostar das letras, poderá tornar-se um clérigo ou, ficando leigo, ser mais culto e tornar- se juiz, médico, doutor, escrivão ou poeta. Mas, se a criança está destinada à vida das armar, aprenda a guiar os cavalos com os carros e com as mãos (MANACORDA, 1986, p. 169)

Delineia-se assim um quadro de carreiras sociais e educativas, ao clérigo o estudo das Sagradas Escrituras, ao leigo “que deve amar os livros e preparar-se para as profissões liberais”, e a vida das armas “o miles ou cavaleiro que deve exercitar-se com os filhos de Carlos Magno”. (MANACORDA, 1986, p. 169)

Segundo Manacorda (1986), aqui aparecem as duas classes dominantes compostas pelos nobres e pelo clero e a mais nova classe burguesa que está aqui definida a preparar-se para as profissões liberais a partir dos ensinos dos mestres contratados, assalariados, para este fim.

A educação cavalheiresca, ministrada pelos novos mestres, profissionais assalariados, destinava-se à preparação para o exercício do poder, ou melhor, para aquele aspecto do poder que é o fazer das classes dominantes, a guerra. Esta educação envolvia uma série de sete habilidades, assim descritas por Manacorda (1986, p. 190): “[...] nadar, cavalgar, lançar o dardo, esgrimir, caçar, compor versos e jogar xadrez”. Ao desenvolvimento da ciência e das técnicas de guerra seria acrescentada a arte do atirar com arma de pólvora. A educação cavalheiresca envolvia cada vez mais outros ensinamentos, assim citados por Manacorda (1986, p. 191):

As estas artes bélicas juntam-se, com uma importância cada vez maior com a evolução e o aperfeiçoamento da civilização, as artes da corte, como a política, a diplomacia, o cerimonial, as leis, e as diversões culturais, como dançar, tocar um instrumento, além de jogar xadrez e compor versos.

Mas esta ampliação escondia por trás todo o desprezo, que é essencialmente característica aristocrática e guerreira que, segundo Manacorda (1986), lembra-nos o desprezo pela cultura e pela escola disseminada em toda a história da educação e que, para os romanos, nada deveria ser aprendido sentado e cita ainda uma passagem de Teodorico [...]

[...] que exortava os seus godos às disciplinas marciais [...] as caçadas, os jogos de armas, as cavalgadas opõem-se quase sempre aos livros e aponta como única exceção o ginásio grego. O cavaleiro sempre se opôs ao padre e ao doutor, embora um e outro, em medidas diferentes pudessem pertencer às classes dominantes. (MANACORDA, 1986, p. 192)

A aprendizagem da arte da guerra terá suas manifestações nos torneios cavalheirescos até 1559, quando Henrique II de Valois morreu por um ferimento na cabeça durante um torneio. É uma data que marca o fim da tradicional educação do cavaleiro, não somente por causa desse acidente mortal, mas também porque muitas outras coisas já tinham acontecido, a começar pela invenção das armas de fogo. (MANACORDA, 1986, p. 192)

Manacorda (1986) esclarece que este é um período marcado pelas dificuldades que o homem encontra na luta pela própria elevação cultural, mas nesta época já se falava em uma instrução útil também para as classes subalternas como também para os produtores. Foram os movimentos populares heréticos que promoveram a difusão da instrução e tinham por objetivo que cada um pudesse “ler e interpretar a Bíblia sem a mediação do clero”. (MANACORDA, 1986, p. 194)

Segundo o autor, as iniciativas mais avançadas de novos modelos de instrução popular são devidas aos povos que se rebelaram contra a Igreja de Roma.

A esta exigência de instrução e de democracia respondem especialmente os movimentos heréticos e reformadores que, nas instancias religiosas, levantaram questões sociais muito concretas.

São expressões típicas destas exigências populares as reivindicações apresentadas na Alemanha pela ala mais radical do movimento, durante as lutas pela Reforma e, em particular, durante a guerra dos camponeses que acabou na violenta repressão de 1525. As cidades, nas quais o povo simples dos pequenos artesãos e dos pobres se associou ao campesinato, projetaram corajosamente um sistema de instrução popular. (MANACORDA, 1986, p. 195)

Os anos 500, portanto, ficam marcados pelas lutas das classes populares, pelo acesso à educação, e por uma educação que formasse as crianças tanto no trabalho manual produtivo quanto no trabalho intelectual, e acentuam-se as críticas à escola tradicional e à atitude humanística transparece na evocação da escola antiga.

Já a educação do físico, segundo Souza (2003, p. 2):

O exercício físico na Idade Moderna, considerada simbolicamente a partir de 1453, quando da tomada de Constantinopla pelos turcos, passou a ser altamente valorizado como agente de educação. Vários estudiosos da época, entre eles inúmeros pedagogos, contribuíram para a evolução do conhecimento da Educação Física com a publicação de obras relacionadas à pedagogia, à fisiologia e à técnica. A partir daí surgiu um grande movimento de sistematização da Ginástica.

A denominação Ginástica, inicialmente utilizada como referência a todo tipo de atividade física sistematizada, cujos conteúdos variavam desde as atividades necessárias à sobrevivência, aos jogos, ao atletismo, às lutas, à preparação de soldados, adquiriu, a partir do século XVII, com o surgimento das escolas e movimentos ginásticos acima descritos, uma conotação mais ligada à prática do exercício físico. (SOUZA, 2003, p. 2)

No Renascimento continuaram a ser cultivadas as mesmas atividades desportivas. Não obstante, houve um abrandamento na violência dos torneios, em consonância com as novas concepções humanistas.

Este período retomou os ideais clássicos da Antigüidade re-significando a ginástica, a qual passou a ser compreendida como exercícios físicos em geral tais como corridas, lançamentos, saltos, lutas, denominados de exercícios atléticos ou desportos. (LORENZINI et al., 2005, p. 3)

O período renascentista marca uma transição entre o Feudalismo e o Capitalismo evidenciado por tentativas de organização comunitária humanista recuperando a dignidade e o valor da vida humana.

Segundo Lorenzini e outros autores (2005), esta população conquistou um espaço de liberdade e de tempo livre que marcaram o início da decadência e da servidão. A “ginástica prática” continua utilizada como exibição corporal com conotação de diversão, espetáculo, entretenimento, arte.

De acordo com Soares (1994, p. 64), a partir desta época, a Ginástica passou a desempenhar importantes funções na sociedade industrial, assim descrito:

[...] apresentando-se como capaz de corrigir vícios posturais oriundos das atitudes adotadas no trabalho, demonstrando assim, as suas vinculações com a medicina e, desse modo, conquistando status. Com a Idade Moderna e a sociedade capitalista ocorreu uma profunda mudança no sistema de vida dos povos, iniciado na comunidade européia e estendido a todos os continentes da Terra, deslocando populações dos campos para as cidades, da agricultura de subsistência para a indústria. (LORENZINI et al., 2005, p. 3)

É neste período renascentista que as atividades corporais assumem de fato um valor educacional e são introduzidas como atividade escolar. A estas atividades são incorporadas exercícios de equitação, corridas, saltos, esgrima, jogos com bolas, e mais tarde os esportes, até então discriminados pela sociedade pela violência empregada em sua prática. É o que veremos a seguir.

3.6 A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO: A HISTÓRIA DA