• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

2.2 O TRABALHO

Na área da Educação Física muito pouco se tem estudado sobre as relações entre esporte e sociedade, isto pode ser constatado no levantamento sobre os estudos relativos ao esporte, (vide capítulo 4), pois estes se concentram nos estudos das modalidades específicas se distanciando da compreensão das relações sociais que se estabelecem com a prática esportiva.

Para dar conta deste estudo faz-se necessário recuperar a gênese social e identificar como estas relações foram constituídas pela e na sociedade partindo do aprofundamento na compreensão de como se deram na história da humanidade as primeiras relações sociais.

Friederich Engels (1952), no artigo O papel do trabalho na transformação do macaco

em homem, traz uma importante reflexão que nos leva a entender o trabalho humano como

precursor de todo o desenvolvimento sociocultural da humanidade, onde o trabalho é a condição básica e fundamental para toda vida humana, permitindo-nos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.

Nesta reflexão, Engels aponta o papel do possível primeiro instrumento de trabalho elaborado pelo primata ancestral humano e como este fato representou um salto para a humanidade.

No retratar do filme 2001 uma odisséia no espaço é possível perceber que nas mãos hábeis daquele primata o osso, proveniente dos restos de algum animal, se transforma num instrumento poderoso para a defesa do grupo e para a caça.

Marx e Engels, apoiando-se na antropologia e na história, afirmaram que os homens primitivos, ao surgirem na face da terra, foram os herdeiros da organização social dos primatas, seu antepassado biológico. (TONET; LESSA, 2008, p. 29)

De acordo com Engels, as funções para as quais nossos antepassados foram adaptando suas mãos com funções sumamente simples. Antes do primeiro machado ter sido construído, deve ter transcorrido um período de tempo tão longo que o período histórico por nós conhecido torna-se insignificante. Mas havia sido dado o passo decisivo: a mão era livre e podia agora adquirir cada vez mais destreza e habilidade, que era transmitida por herança e aumentava de geração em geração. Vemos que a mão não é apenas órgão do trabalho, é

produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação a novas funções, pelo aperfeiçoamento especial assim adquirido pelos músculos, ligamentos e ossos, foi que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição.

O domínio sobre a natureza ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir nos objetos propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros a sociedade. Os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram que dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe foi se transformando, enquanto os órgãos da boca aprendiam a pronunciar sons articulados.

A comparação com os animais mostra-nos que essa explicação da origem da linguagem com o trabalho e pelo trabalho é a única acertada. Junto com a palavra articulada, foram estes os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do primata foi-se transformando gradualmente em cérebro humano. Com o desenvolvimento do cérebro e dos sentidos, a clareza de consciência, a capacidade de abstração e de discernimento cada vez maiores, seu desenvolvimento começa a ser orientado pelo surgimento de um elemento que vem a partir do aparecimento do homem acabado: a sociedade.

Primeiro o trabalho, e depois dele e com ele a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi-se transformando gradualmente em cérebro humano - que, apesar de toda sua semelhança, supera-o consideravelmente em tamanho e em perfeição. E na medida em que se desenvolvia o cérebro, desenvolviam-se também seus Instrumentos mais Imediatos: os órgãos dos sentidos. Da mesma maneira que o desenvolvimento gradual da linguagem está necessariamente acompanhado do correspondente aperfeiçoamento do órgão do ouvido, assim também o desenvolvimento geral do cérebro está ligado ao aperfeiçoamento de todos os órgãos dos sentidos. (ENGELS, 1952)

Sérgio Lessa8 chama-nos a atenção que a história relatada no artigo de Engels, possivelmente não tenha ocorrido desta forma, ou num período de tempo possível de ser imaginado, mas se constitui numa primorosa reflexão baseada nos estudos antropológicos da época em que foi escrito. Não vamos nos ater a esta discussão de caráter antropológico, pois o que nos interessa é estabelecer o processo de construção da sociedade e poder identificar, neste processo, em que momento a sociedade entrou em contato, elaborou as primeiras formas de organização de atividades sociais coletivas e, em seguida, as que hoje chamamos de jogo.

8

Comunicação oral do professor Sérgio Lessa, da Universidade Federal de Alagoas, em curso sobre a Ontologia do ser social realizado pelo Grupo LEPEL/FACED/UFBA, em abril de 2008.

Segundo Karl Marx, a compreensão da história e do funcionamento da sociedade passa prioritariamente pela produção das condições materiais de existência. As relações humanas, os instrumentos e os produtos do trabalho são determinados pelos diversos estágios de desenvolvimento das atividades dos indivíduos.

A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende, antes de mais nada, da natureza dos meios de existência

a já encontrados e que eles precisam reproduzir. [...] A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. Os indivíduos são dependentes, portanto, das condições materiais da sua produção. (MARX, 1964, p. 11)

A compreensão do esporte como cultura social da humanidade só é possível se relacionado com o desenvolvimento da organização da sociedade como um todo. Isto nos remete a uma releitura sobre as formações econômicas pré-capitalistas que Marx se ocupou de compreender através de formações históricas específicas os elementos que levaram ao surgimento do capitalismo, enquanto sistema econômico, até chegarmos a este momento da história dos esportes no período compreendido entre os séculos XVII e XVIII, período base para compreendermos o processo de transformação que gerou o fenômeno esportivo da atualidade.