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A transformação da natureza

No documento tese (páginas 178-200)

Todas as coisas são artificiais, pois a natureza é a arte de Deus.

Thomas Browne

Vimos na parte anterior os diferentes aspectos do conhecimento que, segundo Bacon, necessitavam ser reformados, e o contexto em que eles se colocavam. À luz dos elementos coletados até aqui, procuraremos nessa parte avançar a nossa tese demonstrando as concepções, propostas e justificativas elaboradas por Bacon para transformação da filosofia da natureza em tecnologia.

Ora, um dos elementos básicos na sua reforma do conhecimento é a reformulação da idéia da arte como transformação da natureza. A seu ver, a separação entre arte e natureza era um equívoco que limitava o avanço do empreendimento científico. Por isso reelabora as antigas concepções de arte e de natureza articulando algumas noções que emergiam no Renascimento, como a postulação humanista do homem como criador e a aspiração alquimista de transmutação das substâncias, e desenvolvendo justificativas teológicas e antropológicas para uma nova compreensão da natureza e do trabalho humano.

I - A arte como imitação da natureza

A idéia da arte como imitação tem uma longa tradição. Ela aparece em Hipócrates antes de ser retomada por diversos autores da Antigüidade clássica à Renascença. De acordo com esta visão todas as artes humanas - da música à legislação - são de alguma forma modeladas de acordo com a natureza. Ou seja, os homens tomam sua cultura da

natureza. Assim, a medicina, por exemplo, ao buscar tratar o doente, não estaria mais do que copiando da natureza suas medidas instintivas para aliviar seu sofrimento.

Esta idéia é retomada e desenvolvida em seus detalhes por Platão, Aristóteles, pelos estóicos e Sêneca, além de vários autores da Idade Média e da Renascença. Dependendo do contexto e das artes de que se trata, algumas nuanças se fazem necessárias. Música e pintura tentam representar a natureza com fins recreativos (Platão, Leis, X); medicina e agricultura imitam no sentido de assistir os processos naturais; artes mecânicas desenvolvem seus instrumentos observando estes processos e mesmo a filosofia deveria procurar o modelo para as leis justas na ordem da natureza.

De uma forma geral a concepção de imitação trazia consigo a percepão de uma adulteração. Os artefatos ou produtos da arte humana seriam cópias que visam a perfeição do modelo, mas que raramente a alcançam. Seja porque seriam simulacros 1 das idéias perfeitas como na tradição platônica, ou porque a semelhança entre a figuração do artefato e a forma natural é atenuada pela mediação da imaginação humana, como na tradição aristotélica.2 Enquanto a natureza possui em si o princípio de um movimento indefinido, as artes são movidas por princípios externos, e assim sendo não passariam de tentativas de imitar a espontaneidade do movimento natural (Rossi, 1966, 115). Assim, na perspectiva dos aristotélicos a ação do artista consiste apenas em mover as partes existentes daqui para lá. Mudança que não altera a substância das coisas nem cria novas formas.3 A nova figura criada pelo artista não

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Cópia da cópia (isto é, da natureza sensível) do mundo das idéias.

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Uma vez que os aristotélicos, de uma forma geral, concebem o efeito produzido naturalmente como semelhante em forma à causa, pois já estava contido potencialmente na causa, o artefato ou o efeito produzido pela arte humana é inferior porque a atualização da forma da causa no efeito deve ser mediada pelo pensamento e imaginação humanos.

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Segundo esta perspectiva, a natureza de algo dependeria basicamente de sua forma substancial e de sua potência, isto é, dos poderes ativos potenciais da forma. Assim, a figura produzida pelo artista (se não fosse algo que estivesse ‘em potência’, faltando apenas ser atualizada) é apenas algo acidental. Por outro lado, a forma artificial , uma vez que visada pelo seu produtor e não tendo como fim nenhum dos

passaria assim de uma nova disposição do mesmo material. “A arte nunca forma coisas verdadeiras, como uma verdadeira árvore, mas imitações da verdade, e, como alguém corretamente disse, verdadeiramente falsas”(Coimbrenses apud Des Chene, 1996, 241).

Há, decerto, graduações na adulteração ou na perfeição da arte. Dependendo de como e do que se imita, isto é, dos critérios epistemológicos e ontológicos, as artes se encontrarão em diferentes níveis. Assim, Platão, concebendo as idéias como existindo na natureza (República, X, 597b), situa as artes miméticas abaixo das artes utilitárias, como a carpintaria, uma vez que estas últimas copiam idéias, e não simulacros.

A imitação efetivada pelas artes foi também vista como um preenchimento das intenções cósmicas da natureza.4 Neste caso, o que se imita é um movimento em direção a um fim (telos), como a atualização de uma qualidade potencial. Aqui a natureza é entendida como razão providencial governando o universo (princípio racional) e imitada pelas atividades humanas que seguem seus princípios racionais. De acordo com Aristóteles, bem como posteriormente para os estóicos, as ciências especulativas se incluiriam neste modelo. Assim, por exemplo, a adaptação dos meios aos fins seria um método lógico de operação que teria sido aprendido da natureza.5 Nesse sentido a natureza é vista, desde a antiguidade grega, ora como ideal, cuja realização ou restabelecimento cabe à arte, ora como norma cujos preceitos e indicações a arte deve seguir para alcançar suas finalidades (Rossi, 1966,115).

movimentos naturais da matéria, aparece apenas como resultado, e como tal não é propriamente deduzida da matéria (Des Chene, 1996, 246).

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Ou, como escreve o aristotélico Toletus, “imitam o que deveria ter pré-existido”. A natureza ‘deveria’ ter –nos dado vestimentas para o frio. Em vez disso ela nos deu a habilidade de imaginá-las e mãos para criá-las. Para Plotino as artes não apenas copiam as coisas visíveis mas são geradas a partir dos princípios que constituem a fonte da natureza (Cf. Eneiades, 5,8,I).

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Cf. Aristóteles, Física, II, 199. Ramus defende que sua arte é baseada no raciocínio natural e que seu método de dispositio ( dialectique) é baseado na natureza.Como observa Brandão (1997) em seu estudo sobre Alberti, a imitação da idéia ou de uma essência inteligível oculta sob a realidade sensível chega a servir de base para uma teoria anti-mimética da arte. Ou seja, a noção de mímeses chega a organizar

Contudo, há também uma certa reciprocidade na idéia de imitação, uma vez que a natureza é pensada e analisada muitas vezes em analogia à arte humana. Tanto a noção de que o trabalho da natureza tem uma finalidade quanto a idéia de que nela há um mecanismo semelhante ao relógio são imagens refletidas. É nesse sentido que Rosset (1989), por exemplo, considera antropomórfica a concepção aristotélica de natureza. Tal consideração é contestada, a nosso ver convenientemente, por Des Chene (1996), quando aponta a existência de uma relação simétrica, isto é quando mostra que uma vez que a perspectiva aristotélica não é mais antropomórfica no entendimento da natureza do que fisiomórfica no entendimento da arte.

Se a arte verdadeiramente imita a natureza, ainda onde ela deixara-nos desejando e forçara- nos a usar nosso intelecto, então, usar os artefatos como analogia é simplesmente usar uma parte familiar da natureza para se compreender uma parte não familiar (Des Chene,1996,243).

Seja como for o fato é que as analogias entre a arte e a natureza, e paralelamente a identificação de Deus como artífice, foram crescendo à medida que a ciência foi se tornando menos espiritualista e que o mecanicismo se impos como modelo para interpretação da natureza, reduzindo tudo a matéria e movimento. Nessa direção se recorreu progressivamente à máquina para entender o corpo humano; ao relógio para entender o cosmos; ao fluir das águas para se entender o espírito e à ausência de atrito o movimento contínuo.6

proposições artísticas antagônicas (196) ao identificar, como no Maneirismo ou no Barroco, a liberdade fantástica com a imitação da idéia.

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Antes de avançarmos na caracterização de diferentes concepções de natureza e diferentes modos de imitação e transformação, vale uma ressalva de caráter sócio-histórico. Essa apresentação de noções subseqüentes oculta uma rede de conexões com diferentes condições sócio-históricas e seus respectivos sistemas tecnológicos. A semelhança entre capacidades de controle e manipulação da natureza das sociedades antigas, medievais e renascentistas explica como boa parte destas noções perduraram e persistem em nossa cultura. Assim, como observa Close, “parte das razões por que os antigos lugares comuns sobreviveram até além da renascença - tirando o importante fato de que eles formaram a herança ideológica clássica - é que as condições culturais e tecnológicas nas quais eles eram relevantes na antiguidade permaneceram, até a metade dos século XVIII, pouco alteradas em aspectos fundamentais” (1969,482).

Uma vez que se toma imitação no sentido amplo de seguir os princípios, ou se, por outro lado, que se concebe o homem como fazendo parte da physis, ou ainda como todos fazendo parte, de maneira orgânica, do mesmo espírito universal, parece não haver razões para se pensar a ordem da natureza e a da arte como cindidas. Pois desses pontos de vista a arte humana é umbilicalmente ligada à natureza e não há corte ou descontinuidade entre forças da natureza e forças da civilização, mas, sim, uma constante interação. Todavia, numa outra perspectiva, como a dos sofistas, a convencionalidade do mundo humano justificaria uma dicontomia entre natureza e civilização. A percepção de que a cultura se sobrepõe a seus instintos e a constatação de que a espécie humana difere das outras, uma vez que ela pode mudar o curso natural das coisas reforçavam tal dicontomia. Dessa forma, se poderia sintetizar, a grosso modo, a separação entre arte e natureza como uma tensão entre o reconhecimento de sua liberdade (indeterminação) e seu poder criativo, razão, que lhe garantiria um lugar único no mundo natural, por um lado, e, por outro, o reconhecimento de que sua arte segue a natureza, seja imitando-a, assistindo-a ou utilizando seu material.

Conquanto o trabalho de Deus no reino da natureza é visto como distinto do trabalho dos homens, a arte é tida como essencialmente distinta da natureza e, de maneira correlata, o objeto da arte é concebido como essencialmente distinto do objeto da ciência (filosofia natural). Conforme se viu no primeiro capítulo, a ciência era concebida como um conhecimento de um tipo especial - conhecimento do que é certo e eterno – enquanto a arte era vista como compartilhando o destino incerto de todas as coisas materiais. As entidades da physis possuem dentro delas mesmas a fonte (arche) de sua emergência, enquanto que os produtos da técnica derivam de fontes que não

estão essencialmente neles. Dessa forma, a analogia entre fenômenos naturais e técnicos deveria ter como ressalva a diferença essencial da auto-produção da natureza.

II - Diferentes sentidos da imitação e da intervenção na natureza

Falamos a pouco que as diferentes artes imitam a natureza em diferentes sentidos e aspectos. De uma forma geral, enquanto as chamadas artes miméticas 7 buscam representar a natureza, imitando sua aparência (pintura e escultura), simulando as emoções humanas (música e dança) ou reapresentando atos e paixões humanas (drama), outras visam reproduzir seus objetos, fenômenos e efeitos. Um casaco de pele, por exemplo, é feito não em semelhança ao formato da pele animal mas em semelhança à sua função de esquentá-lo. De maneira semelhante, diversos artefatos visam suplementar extrinsecamente nossos órgãos.

Uma boa forma de se perceber suas diferenças é ressaltar seus distintos objetivos. A imitação como contemplação busca em geral o prazer estético ou uma comunhão religiosa. O sentido geral da filosofia clássica e medieval tem este perfil. Quando se pretende imitar os raios e trovões, o que se tem em mente é a reprodução de seus efeitos. A imitação dos efeitos tem geralmente o objetivo de ampliar os recursos da natureza para melhor desfrutá-la. Os efeitos naturais reproduzidos podem ser usufruídos de infinitas maneiras. De certa forma, quase todas atividades técnicas têm este sentido e, ao longo da história, elas quase sempre tiveram uma dimensão mágica.8 A produção de efeitos envolvendo mutação da matéria natural, como fundição de metais e enxertos nas plantas, sempre foi o interesse central da alquimia, que como vimos, teve um papel

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Embora lugar comum na Antiguidade, essa discussão das artes miméticas aparecerá com maior destaque na Renascença.

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Não necessariamente religiosa ou sobrenatural. A dimensão mágica se encontra basicamente na noção de que a vontade humana ( desejos, palavras, atos) interfere na natureza das coisas.

central na discussão da relação moderna entre arte e natureza. A imitação pode também ter objetivos didáticos e investigatórios. Desde o Renascimento a reprodução da natureza em museus e laboratórios tem exercido grande fascínio sobre a cultura. Essas demonstrações tratavam-se, inicialmente, de espetáculos para entretenimento da corte e dos patronos em potencial.9 Entretanto, como forma de investigação, ela será um dos pilares da ciência experimental e da tecnologia moderna. Obviamente estes objetivos se misturam e se superpõem. Na maior parte dos casos não há como separar os objetivos investigatórios ou pedagógicos da dimensão contemplativa ou técnica de obtenção de efeitos.

A idéia de que a arte humana é dependente e auxiliar da natureza é um lugar comum na tradição filosófica desde a antigüidade. Dependente porque, além de imitar as funções, processos e aparência do mundo natural, a arte toma suas leis e princípios da natureza, além de fazer uso de seu material.

A arte humana é vista como auxiliar da natureza, na medida em que coopera com o processo natural, ajudando-o a manter seu desenvolvimento normal, bem como preenchendo suas deficiências no que diz respeito ao estado natural do homem e seu ambiente. Como toda educação, a retórica e própria filosofia, e têm o claro sentido de desenvolver algo (o espírito, a moral ou a cultura humana) para além do que se encontra em seu estado natural (selvagem), e também o corpo humano deve ser assistido através da ginástica e da medicina. Quando os homens (seu corpo e alma) são vistos como natureza, como na antiguidade grega, a arte de seu aprimoramento físico e mental é vista como assistência à natureza. Este parece ser o sentido em que Aristóteles (Parte dos Animais: 687a-687b) e Cícero (De Finibus Bonorum et Malorum, IV,16,19 e 33;

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“In the age of the masque, science and stagecraft were closely linked. Scientific know-how was brought into the theatre, as in Greek times, to produce Deus ex machina effects”(Fidlen, 1996,13).

Das Leis, I, 26) falam que a natureza tem dado aos homens mãos e inteligência para que eles possam desenvolver artefatos e assim superar suas desvantagens naturais, tais como a nudez ou a falta de armas. Assim, a construção de casas, a produção de vestimentas ou a satisfação de outras necessidades humanas são também formas de preenchê-la.

Na visão aristotélica o homem podia usar os produtos da natureza para seus próprios fins, como, por exemplo, o trabalho do carpinteiro que faz a cama de uma árvore. Mas não se concebe o homem como capaz de participar ou assistir a natureza na realização de um determinado fim “natural” (Schmitt , 1975, 547).

O material da produção artística tem, segundo este ponto de vista, sua substância já completa antes do artesão ou do artista vir a modulá-lo, não havendo, portanto, transformação da substância. De acordo com esta perspectiva, as formas dos artefatos se sobrepõem a um ser já perfeito e absoluto, e a arte não faz mais do que modular o que já existe, juntando e rearranjando diferentes matérias.10 Uma vez que não adiciona ou remove os poderes da natureza, a arte não altera sua substância. É nesse sentido que os aristotélicos afirmavam que a arte não efetiva produtos, apenas tempera a natureza. “Os autômatos não são movidos por suas formas nem pela arte, mas pela natureza” (Coimbrenses apud Des Chene, 244).

Estas categorias dificultavam, deixando no limbo, inventos como os de Arquimedes. Sua bomba-parafuso para fazer a água subir ou suas lentes que concentravam raios solares gerando fogo tiveram que ser agrupadas juntamente com atividades que interferiam na natureza auxiliando-a a realizar seu telos.

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Assim, ao esculpir a madeira ou uma pedra de mármore para fazer uma estátua, o escultor não estaria fazendo mais do que retirar partes, sem acrescentar com isso nenhuma nova forma substancial às partes que restaram.

A agricultura e a medicina são as referências clássicas mais freqüentes da arte interferindo, como cooperação ou auxílio, no curso natural. Em diversas passagens do corpus hipocrático, como por exemplo em Da dieta (I, VI, 25), a natureza é vista como o primeiro fator na restauração da saúde, processo no qual a arte deve observar pacientemente, tanto para um correto diagnóstico quanto para o reforço das tendências de restabelecimento da saúde.

A alquimia tem um papel central na transformação da idéia de imitação numa intervenção, pois nela, como em várias versões da ciência moderna por ela influenciadas, a arte ajuda a natureza, acelerando e facilitando processos que de outra forma levariam muito tempo. Mircea Eliade, por exemplo, mostra, em Ferreiros e Alquimistas, como a mineração e a metalurgia sempre estiveram ligadas com a busca alquímica de transmutação da matéria (metais) e que os trabalhos de mineração e de fundição costumavam ser concebidos como uma atividade auxiliar ao processo natural. De acordo com Schmitt (1976), Magia naturalis de Giambatiista della Porta foi um marco no desenvolvimento da ciência como empreendimento produtivo por ter difundido uma visão da arte como produtiva, integrando a estrutura básica das formas, elementos e substâncias. Nessa perspectiva, comum a vários alquimistas, o homem, capaz de várias habilidades, pode contribuir de maneira significante para a realização da natureza, tornando-se um ativo participante. Para além de ‘ajudar a natureza’, a arte é vista ali como tendo o poder de transformar metais e outras matérias, como areia em vidro e desenvolvendo novos frutos. Enxertos e cruzamentos de espécies são experiências que demonstrariam a possibilidade da transmutação entre as espécies bem como a equivalência dos produtos artificiais e naturais. 11

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Webster (1976) mostra um grande desenvolvimento das técnicas agrícolas e de enxertos na Inglaterra dos séculos XVI e XVII (cf. Bacon Sylva Sylvarum V, 45).

Vidro é feito do pó de pedras; do pó do súlfur bem purificado se tem o poder do fogo. Também o ouro pode ser feito. Pela arte a matéria é preparada, pela arte a chama é criada, pela arte as influências celestes observadas. Logo o ouro pode ser feito, se a diligência for aplicada. (...) a arte pode realmente amoldar a coisa natural e o ouro verdadeiro e natural pode ser produzido (Case apud Schmitt.1976, 552).

Contudo, ainda que os alquimistas tenham dado os primeiros e decisivos passos na reformulação da noção de intervenção (arte) humana, a perspectiva magica renascentista de transformação da natureza permaneceu quase sempre conjugada com noções aristotélicas de substância, formas, lugares naturais, que tornava mais difícil sua rearticulação em novas bases, como a redução desses poderes e potenciais a mecanismos naturais.12 Além do que, os poderes transmutacionais a que os alquimistas

se referem eram, conforme maldizia Bacon, ocultos e mágicos, no sentido que vinculados a rituais, sinais e palavras, cuja simbologia era reservada aos iniciados.13 Ou

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A interpretação desta conjugação é algo polêmica. Há estudiosos, como Newman (“Alchemical and Baconian views on the art-nature division” In: Debus & Walton 1998, p.81-90),.que advogam uma radical oposição à concepção aristotélica da relação entre natureza e arte. Newman acredita que a indistinção baconiana entre natureza e arte eficiente já se encontrava plenamente nos escritos alquímicos da alta Idade Média. Para tanto, ele elenca uma série de obras, como o Livro de Hermes e Correctio Fatuorum, em que alquimistas se defendem e contra-atacam a condenação de aristotélicos que, como Avicena, criticavam a possibilidade de produzir elementos artificiais idênticos aos naturais. “Green salt, vitriol, tutia, and salt ammoniac are both artificial and natural. But the artificial are even better than the natural, which anyone who knows about minerals does not contradict. The natural wild tree and the artificially grafted one are both trees...” De fato, esta e outras passagens revelam uma concepção na qual o poder humano de interferência na natureza vai muito além do admitido pela tradição, além de postular que os produtos desta interferência (artefatos) se igualam e mesmo superam os produtos da natureza. Assim, o poder da arte não seria apenas o de ajudar a natureza a alcançar seu fim, mas também o de ultrapassá-lo. Entretanto, as mesmas citações terminam por invalidar o argumento, uma vez que, se não contradizem, ao menos, revelam uma ambivalência que pouco tem a ver com a formalização e a articulação que posteriormente alcançará a obra de Bacon.: “.. nor does art make all these things; rather it helps nature to make them. Therefore the assistance of this art does not alter the natures of things. Hence the works of man can be both natural with regard to essence and articial with regard to mode of production (pseudo Geber apud Newman, 1998, 86) (grifo nosso);“In our work, art is nothing but an aid to nature […] if this prime matter of the glass were not hidden in the cinders, art would by no means be able to make glass

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