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Bacon e a magia natural

No documento tese (páginas 160-177)

Que seja restaurada à magia, que tem sido há muito usada num mau sentido, o seu antigo e honrável significado… como ciência que aplica o conhecimento das formas ocultas para produção de operações maravilhosas; unindo (como se diz) ativos e passivos, aciona os trabalhos da natureza.

F. Bacon

Uma vez que se entende a magia como uma forma de conhecimento que intervém no mundo a fim de dominar e transformar a realidade de acordo com nossas necessidades e vontades, não se poderá deixar de ver nela o fundamento da perspectiva tecnológica projetada por Bacon.1 Entretanto, a magia não costuma significar apenas

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Embora seja bastante comum a referência à dimensão faústica da tecnologia, poucos estudos, entretanto, têm sido dedicado às suas origens e aspectos mágicos. Com algumas exceções (como Thorndike, e, em menor escala, Munford e Gehlen), a maioria dos importantes estudos gerais sobre a filosofa da técnica, como os de Mitchan, Elluil, Ortega e Gasset, quase nada tratam do assunto. Uma possível explicação para isto parece-nos estar na aceitação geral da tese de Malinovisky, de que a magia está diretamente relacionada com a ausência de controle da natureza e, reciprocamente, não haveria magia onde a tecnologia se desenvolveu. Esta posição é fundamentada em estudos etnográficos que revelavam que a magia prevalece onde ou quando o controle da situação é fraco, como numa pesca ou numa plantação ameaçada por fatores extraordinários, como temporais e pragas, que independem de nossas vontades, esforços e possibilidades. Assim, por exemplo, os perigos da navegação tornam marinheiros supersticiosos e geram um grande número de rituais de precaução para assegurar bom tempo e viagem bem-sucedida. Nesse sentido, o controle tecnológico desses fatores tornaria supérfluo o recurso à magia. As interpretações anti-funcionalistas dos rituais mágicos desenvolvidas por Suzan Langer em sua

Filosofia em nova chave, colocam, a nosso ver, sérias restrições ao ponto de vista de Malinowsky. Ela nos

leva a reconhecer a expressividade e a ludicidade que acompanham manifestações mágicas que, a nosso ver, possibilitam uma melhor compreensão da permanência destas manifestações em vários ramos do desenvolvimento tecnológico contemporâneo. Outras restrições podem ser tiradas da análise histórica de Keith Thomas sobre a Inglaterra dos séculos XVI e XVII. Segundo ele, “o declínio da magia foi acompanhado pelo crescimento das ciências sociais e naturais, que ajudaram os homens a entender o ambiente, e de uma série de auxílios técnicos – dos seguros aos métodos de combate a incêndios- com os quais puderam aumentar o controle sobre este ambiente. No entanto, quanto mais examinamos essa imagem de Malinowsky da magia cedendo seu lugar à tecnologia, menos convincente ela parece... Na Inglaterra a magia perdeu seu apelo antes que as soluções técnicas houvessem sido criadas para substituí- las. Foi o abandono da magia que possibilitou a erupção da tecnologia, e não o contrário”(Thomas,1991, 534-535). Assim, para este historiador inglês, os fatores intelectuais e religiosos teriam sido responsáveis pelo desencantamento do mundo - concepção de que o universo é ordenado e racional e que se pode prever os efeitos pelo conhecimento das causas. “A religious belief in order was a necessary prior assumption upon which the subsequent work of the natural scientist was to be founded. It was a favourable mental environment which made possible the triumph of technology”(ibidem, 657).

isto. Suas diferentes versões, astrolólogicas, negromanticas2 e alquímicas são dificilmente dissociáveis de perspectivas místicas, que no Renascimento estiveram vinculadas ao neoplatonimo, orfismo, zoroastrismo, hermetismo e à cabala.3 O estudo intelectual da magia não foi uma inovação renascentista. Ele vinha de longe e era inteiramente compatível com a cosmologia tradicional. No entanto, a grande difusão do neoplatonismo, a partir das obras dos florentinos Marsino Ficino e Pico de Mirândola que são disseminadas para o norte da Europa através de Agrippa e Paracelso, alimentou esta perspectiva mágica, apagando a diferença aristotélica entre espírito e matéria, e ressaltando a influência da imaginação sobre o corpo e da mente, palavras e encantamentos sobre objetos físicos. O cosmo é então concebido como uma unidade orgânica, em que cada parte mantinha uma relação congenial com as demais, numa hierarquia de espíritos em que se manifestavam todos os tipos de influências. Como veremos nesta seção, Bacon, embora se aproprie de algumas categorias e teorias

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Que é como Agrippa entendia, em contraposição às magias natural e celeste, as magias religiosas, e que outros trataram como demoníacas. A magia celeste supunha, além do conhecimento, um controle das influências exercidas pelos astros, e portanto difere da astrologia que visava mais a previsão de condições (de comportamentos e saúde de pessoas, destino de povos e reinos, estações e colheitas) do que a transformação da realidade.

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O Corpus Hermeticum, traduzido por Ficino, tivera grande importância e celebridade no Renascimento. Trata-se de uma doutrina de salvação que envolve complexas teorias cosmológicas e antropológicas, com passagens semelhantes a narrativas bíblicas e elementos pagãos e esotéricos. Supostamente, seu autor teria sido Hermes Trimegisto (3 vezes grande), um profeta pagão tão antigo e importante como Moisés. Sua autoridade, que hoje em dia, é inteiramente contestada (consideram-se estes escritos como uma invenção dos séculos II e III d.c.), legitimava e impulsionava a perspectiva mágica, que tinha como princípio fundamental o paralelismo entre macrocosmos e microcosmos, a simpatia cósmica e a concepção do universo como um ser vivo. Os renascentistas julgaram também ser Zoroastro um profeta antigo e o autor dos Oráculos Caldeus, que conjugavam elementos mágicos, semelhantes ao Corpus

Hermeticum, com uma mensagem revelada. Já o orfismo era a única corrente mística que tinha clara

ligação com o que hoje se reconhece como suas verdadeiras origens históricas. Isto é, ainda que sua importante versão renascentista seja repleta de interpolações helenistas e medievais, ele remete ao poeta místico da Trácia, e às fontes originárias da doutrina de metempsicose que influenciou Pitágoras e Platão. No renascimento são sobretudo os hinos órficos que são difundidos e imaginados por muitos como tendo poderes de influenciar os astros. Bacon desenvolve uma interpretação idiossincrática do mito de Orfeu, que encarnaria o objetivo último da própria ciência: a imortalidade. Já o cabalismo é derivado da mística hebraica, cujas raízes estão mergulhadas nas antigas especulações gramatológicas e numerológicas e na literatura hecalótica. A arte cabalística levaria, segundo seus divulgadores renascentistas, como Reuchlin e Pico de Mirândola, o conhecedor de seus símbolos ao mundo supra-sensível do qual dependem as coisas sensíveis, colocando-o em condições de operar coisas maravilhosas.

mágicas, criticará seus aspectos místicos e ocultistas, tentando resgatar sua dimensão operativa em novas bases.

Embora ainda pareça estranho aos leitores menos familiarizados com as origens históricas da ciência moderna, hoje em dia se reconhece a magia e alquimia como um de seus ingredientes fundamentais. De Copérnico a Newton, passando por Boyle, Descartes, Gassendi, a maioria absoluta dos cientistas modernos mostrou não apenas interesse, mas convicção sobre temas que os atuais manuais científicos em geral preferem deixar de lado por serem embaraçosos, como sortilégios, simpatias e bruxarias.4

Contudo, se hoje reconhecemos que as origens da ciência moderna são inteiramente entremeadas com categorias e perspectivas mágicas, não há como negar também que nos séculos dezesseis e dezessete houve uma crescente tentativa de separação de suas práticas e pressupostos.5 Já Shakespeare notara, não sem ironia, que “dizem que os milagres acabaram e temos as nossas pessoas filosóficas para fazer modernas e familiares as coisas sobrenaturais e sem causa”.6 Além dos traços e princípios mágicos que vieram a ser absorvidos e incorporados à ciência moderna (ao menos à sua vertente tecnológica, são fundamentais a inclinação experimental e a

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Bacon, assim como Locke algumas décadas depois, acreditava, por exemplo, que um ferimento causado por uma arma seria curado, ou ao menos teria a hemorragia estancada, se se levasse à tal arma um lenço com sangue da ferida (Thomas, 1991, cap.5). Ou seja, nem sequer os que criticavam as práticas ocultistas compartilhavam da mesma clivagem que contemporaneamente se faz entre ciências e pseudociências.

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“As experiências alquimistas secretas de sir Isaac Newton são um lembrete de que a mudança não aconteceu da noite para o dia. Porém, os virtuosistas que se dedicavam à alquimia ou à magia começaram a parecer cada vez mais excêntricos aos olhos de seus colegas cientistas, e a vitalidade intelectual desapareceu das páginas dos guias mágicos que continuavam a ser publicados, dirigidos ao público de mais baixo nível” (Thomas,1991, 525). Mas isto ocorreu principalmente depois da metade do século XVII. Corrigindo uma interpretação de Yates sobre a importância da redatação que em 1614 Issac Casaubon fizera do Corpus hermeticum, tirando em parte a autoridade de sua antiguidade, Debus observa como a influência do hermetismo persiste crescente nas décadas seguintes. “The first half of the seventh century saw an increased interest in the occult approach to nature which parallels the contemporary rise of mechanical philosophy, The real collapse of the Renaissance magical science only occurs in the period after 1660. Until then it remained a positive force stimulating some scientists to a new observational approach to nature”(Debus, 1965, 78).

crença na possibilidade de transmutação da natureza), outras características menos conciliáveis da tradição mágica e alquímica foram importantes contrapontos na construção do novo ideal de ciência.

Vimos, na seção anterior, como o processo de publicidade - abertura como valor e imprensa como meio - reforçava a crítica que alguns técnicos já faziam aos aspectos esotéricos das artes ocultas. Outras importantes transformações se sucederam dentro da própria tradição mágica. A naturalização da magia fora uma das principais estratégias de legitimação da mesma e marcara uma tendência comum na Renascença. A própria distinção entre magia natural e magia negra, presente em Ficino, e as críticas de Pico à astrologia podem ser vistas como parte desta estratégia. Assim, paralelamente ao crescimento daquela literatura de revelação dos segredos, magos-filósofos renascentistas se esforçaram para mostrar que a magia era conciliável com a religião e, portanto, não tinha razão de ser perseguida, como vinha sendo no mundo cristão medieval.7 A redescoberta e a tradução de textos antigos reafirmavam esta ligação, e sua ampla divulgação ao longo do Renascimento reforçava esta defesa conciliatória. Essa é uma das principais razões de, após o humanismo, terem diminuído as objeções à magia, que deixava de ser vista como algo externo à teologia cristã, e passava a ser encarada como interna e enriquecedora, pois detentora de uma tradição esquecida, ou

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Shakespeare. All’s well tant ends well, II, iii apud Thomas, 1991,460.

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A bula papal que oficialmente condena a magia é de 1317, mas já antes disso os magos são perseguidos na cultura medieval, pois aparecem como subversores da ordem divina, como alguém que pretende atuar por debaixo da ordem racional em contato com potências demoníacas. A teologia medieval afirmava que qualquer atividade mágica, por mais benéfica que fosse a sua intenção, envolvia necessariamente um pacto tácito com o Diabo e deveria, portanto, ser punida. Somente uma valorização radicalmente distinta do significado do homem no mundo e dos deveres que este passa a assumir frente à realidade natural poderia permitir que se considerasse a magia como uma ciência válida e digna. O que ajuda a entender por que a ampla difusão da magia no renascimento esteja estreitamente vinculada ao questionamento das estruturas da harmonia divina com que se representava o cosmos. (Garin, 1954, 158-9; Rossi,1974,68). Por outro lado, a perseguição de que os magos eram alvo explica ao menos em parte a utilização do estilo esotérico (Strauss, 1989).

cultivada separadamente da cristianidade, mas não antagônica.8 Uma das argumentações recorrentes é a de que a magia não operava milagres, mas agia de acordo com a ordem natural, divina. Isto é, defendia-se que nenhuma força ou poder criativo humano é capaz de romper os nexos causais que regulam a realidade natural, sendo tão somente capaz de atuação nas potencialidades naturais, tornando-as mais adequadas aos interesses humanos, mas que sendo alguns aspectos desta ordem natural ocultos, ou seja, desconhecidos, assemelhava-se a atos milagrosos.9

Usando objetos naturais, a magia natural captura os poderes dos corpos celestes para trazer boas formas. Este meio de ação deve seguramente ser admitido por aqueles que usam seus talentos legitimamente, como na medicina ou na agricultura... [A magia natural] coloca materiais naturais numa correta relação com as causas naturais (Ficino apud Copenhaver, 1990, 280).10

Houve, é certo, reações daqueles que pretendiam preservar o lado oculto dos estranhos fenômenos naturais.11 Principalmente nos meios populares, curandeiros e

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Rossi ( 1989) discute as principais teses (entre elas a de Thorndike) sobre o declínio da magia nos inícios da idade moderna, confrontando em especial a explicação que vincula a derrota da astrologia a substituição do sistema aristotélico pelo copernicano. Sua tese de 1954 continua sendo, juntamente com as obras de Yates e Debus, a fonte básica para discussão da herança e condenação da magia por Bacon.

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“A magia natural é portanto aquela que, havendo contemplado a força de todas as coisas naturais e celestes e considerado com cuidado sua ordem, torna públicos os poderes secretos e ocultos da natureza unindo as coisas inferiores com as superiores...por meio de uma aplicação intercambiável daquelas; de tal forma que muitas vezes nascem daí estupendos milagres causados não tanto pela arte quanto pela natureza sobre a qual se ministra esta arte. É por isto que os magos, como diligentíssimos exploradores da natureza, quando aquelas coisas já preparadas por ela, aplicando o ativo ao passivo e enfrentando o tempo que a natureza impõe, produzem efeitos que o vulgo considera como milagres mas que na realidade são obras naturais como as que não intervêm mais do que a mera antecipação do tempo.... portanto se enganam os que situam [as operações da magia] além da natureza ou contra ela, quando normalmente provêm da natureza e são feitas de acordo com ela” (Agrippa apud Henry “Magic and science in the sixteenth and seventeenth centuries” In: Olby et Alli,1996, 589). The Vanitate, da onde esta passagem é extraída, fora um dos textos mágicos mais difundidos na época de Bacon. Sua tradução para o inglês data de 1569, e seu autor será citado por Fausto (Marlowe,1604) como sábio a quem toda a Europa honra. Vale a pena cotejar esta passagem citada com a de Bacon que serve de epígrafe a esta seção.

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(Copenhaver, B. “Natural magic, hermetism, and occultism in early modern science” In: Lindeberg & Westman, 1990, 261-301)

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Lemnius, autor do muito conhecido na época Occculta naturae miracula (Secretos milagres da natureza, 1559), estava entre os que lutavam por preservar a característica milagrosa de tais eventos: “there are many hidden and secret things in nature, of an hidden and unknown effect, that it would be indiscreet to attempt to declare the reason and cause of such things. Such phenomena, which we cannot attain to by the reason and judgement of the mind, we cast ... into the hidden essence and secret properties, and by such refuge we do escape and deliver ourselves out of that labyrinth” (apud Eanon, 1994, 274). O Fausto de Marlowe representava o mesmo impulso: “Your words have won me at last to practice magic and concealed arts. Yet not your words only, but mine own fantasy, That will receive no

feiticeiras tiveram uma penetração que persistiu bem mais longamente, pois, além de intelectual e economicamente mais acessíveis, estas confluíam em muitos casos com questões sóciopolíticas e religiosas. Em muitas regiões da Europa, movimentos heréticos, cosmologias fantásticas como a do moleiro retratado em O Queijo e os vermes,12 e bruxarias expressavam conflitos com a Igreja, com a estrutura social e o saber oficial. Na Inglaterra, no entanto, a relativa independência frente à Igreja Romana (nem a Inquisição, nem o Direito Romano ali se impuseram) permitiu um convívio menos intolerante com tais práticas, ao mesmo tempo que tornaram sua Igreja menos afeita às vestimentas e aos rituais mágicos católicos.13 O protestantismo, ao denunciar a transubstancialização na missa católica, contribuíra com a oposição às magias e encantamentos, embora estimulasse o espírito de profecia, pela abolição dos intermediários entre o homem e a divindade. (Hill, 1987,101).14 Bacon, no entanto, afirma nos Ensaios, que as profecias não devem ser levadas a sério.

A minha opinião é que todas as profecias devem ser desprezadas, e não servem senão para contos de Inverno ao conto da lareira... O que lhes deu graça e crédito consiste em três coisas. Primeiro porque são relembradas quando acertam e ficam esquecidas quando erram ... A segunda é que as conjecturas prováveis ou as tradições obscuras muitas vezes se transformam em profecias, porque a natureza humana, que ambiciona a adivinhação, pensa que não há perigo em predizer o que de fato se limita a deduzir... A terceira e última, que é a mais importante, é que quase todas as predições, sendo infinitas em número, foram object for my head but ruminates on negromantic skill. Philosophy is odious and obscure, both Law and Physic are for petty wits, divinity is basest of the three, Unpleasant, harsh, contemptible, and vile. ‘Tis magic, magic that hath ravished me!” Doctor Faustus, cena I,103-110.

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Mennocchio de Fluori, descreve, no início de seu processo inquisitorial, em 1584, a situação de sua região (Montereale, Itália). ”Tudo pertence à Igreja e aos padres. Eles arruínam os pobres”. ´(Ginsburg, C. 1987, 63;. Ver também Thomas, 1991, capítulo 17: “As Bruxas e seu meio”).

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A Inglaterra fora, de acordo com Thomas (1991), um terreno menos fértil para a expansão destas idéias do que outros reinados europeus. Ali a especulação mágica esotérica foi basicamente derivada de textos e influências do continente, mas sem acrescentar muitas contribuições próprias.

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Mas, a curto prazo, “a reforma acabou com boa parte da magia da religião, deixando que astrólogos e curandeiros preenchessem grande parte do vácuo” (Thomas, 1991, 519). “Na missa, no poder curativo dos santos e das relíquias e no exorcismo dos possuídos, a Igreja católica tinha um repertório mágico com o qual a igreja inglesa dos séculos XVI e XVII não poderia esperar competir. Mas isso não fazia com que o catolicismo fosse mais compreensivo com as atividades do bruxo aldeão; a contrário, precisamente por ter a sua própria magia, a Igreja não via com bons olhos a magia alheia” (ibidem, 230). “O fim da crença na transubstancialização, o abandono das vestes católicas e a abolição do celibato clerical foram diminuindo, de forma cumulativa , a mística do clérigo na comunidade” (ibidem, 321).

impostura, inventadas e imaginadas por cérebros vazios e astutos, mas depois dos acontecimentos. 15

Dentre as artes divinatórias, a astrologia tinha um destaque especial. Primeiramente porque estava inteiramente integrada com a visão de mundo da época. Os pressupostos da astrologia faziam parte da imagem que o homem culto do século XVI tinha do universo e de seu funcionamento. A relação entre os eventos terrenos e o movimento dos céus era apenas um exemplo dos muitos laços e correspondências que mantinham o universo coeso. Em segundo lugar, a astrologia, reforçada pela tradição 16 e sofisticação que detinha, contava com uma platéia privilegiada. Raleigh, Dee (matemático e astrólogo da rainha) e seu grupo17 (Marlow, Hariot), tinham plena voz na corte de Elizabete I. Mesmo depois da morte da Rainha Virgem, astrólogos continuavam a ser demandados para conselhos de Estado e precauções de todo tipo. Contudo, na prática, era difícil distinguir entre pura astrologia e as outras práticas mágicas,18 e tal mescla será alvo de ataque dos que, como Bacon, viam as superstições como perigosas, seja por razões políticas, religiosas ou filosóficas.

O ateísmo nunca perturbou os Estados, porque torna os homens prudentes para consigo próprios, já que não consideram o além... A superstição, porém, tem causado a ruína de muitos Estados, e introduz um Primum mobile que arrasta todas as esferas do governo.19

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(Das profecias, Essays XII,349). Há que se observar, no entanto, que Bacon advertira no início do ensaio estar falando mais das profecias que têm causas ocultas, como sonhos e predições da astrologia, do que das divinas ou das predições naturais.

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Vale lembrar que desde a antiguidade a astrologia era inseparável da astronomia, e portanto um dos ramos da matemática (sendo os outros a geometria, música e a álgebra).

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“Dee’s reputation has not been at all of a kind to attract the enlightened. The publication in 1659 of Dee’s spiritual diaries, with their strange accounts of conferences with the spirits supposedly raised by Dee and Kelly in their conjuring operations, ensured that it was as a conjuror, necromancer, or delude charlatan of the most horrific kind that Dee’s reputation should go down to posterity” Yates, 1967, 261. A escola da noite, como costuma se referir, a partir de uma caracterização de Shakespeare, ao grupo de

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