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A transição democrática e os impasses do país

Capítulo 4 – Os dilemas do Brasil e o surgimento do PSDB

4.1. A transição democrática e os impasses do país

Não são poucos os países que, nas últimas décadas, fizeram ou estão fazendo uma transição de regimes autoritários para regimes democráticos. Praticamente todas as regiões do globo foram atingidas por tais processos políticos à medida que a Guerra Fria e o “socialismo real” declinavam. A partir de alguns casos europeus ocidentais nos anos 70 – Portugal e Espanha – este “movimento democrático” evoluiu, de forma bem contraditória, em seqüência, para a América Latina (anos 80), Leste Europeu (fim dos anos 80 e início dos 90) e África/Ásia (anos 80 e 90). Pela primeira vez na história, em que pese toda a complexidade e variedade de situações, o mundo parece ter uma maioria de países democráticos ou em transição para tal regime – sem entrarmos no debate sobre o conteúdo dessa visão de democracia, a chamada democracia liberal (como o fazem, por exemplo, entre tantos outros: MacPherson, 1978; Dahl, 1989 e 1995; Sartori, 1994; O‟Donnell, 1999).

Por razões óbvias, esta temática – a da transição democrática – tornou-se central para a ciência política, internamente nos países que passavam por estas profundas mudanças e mesmo sob a ótica mais geral de estudos de política comparada. Autores europeus, norte-americanos e latino-americanos45 produziram uma grande quantidade de trabalhos, colaborando decisivamente para uma análise do processo em curso, ainda que com limitações (Moisés, 1994).

É impossível, num pequeno espaço, expor, ainda que resumidamente, o conjunto de idéias, intuições, estudos empíricos e diagnósticos realizados nestas últimas décadas. Podemos dizer, porém, que há certas convergências analíticas que ajudam a clarear parcialmente a questão.

O aspecto comum mais importante em tais transições democráticas diz respeito ao fato de o processo especificamente político – por si só já um desafio enorme, pois há que se criar um conjunto de instituições que consolidem a democracia – vir geralmente acompanhado de crises econômicas e sociais de variável magnitude. A transição para a democracia, então, torna-se um desafio múltiplo – em alguns casos mais político- econômico, em quase todos o aspecto social tem relevância central, em muitos outros os fatores históricos de longo prazo (cultura política, formas tradicionais de dominação,

45 As transições em países africanos e asiáticos, por alguma razão não especificada, pouco são tratadas

pelos autores ocidentais, mesmo os oriundos do chamado Terceiro Mundo ou de países emergentes – ou que outra denominação se queira dar. Estranho, mas compreensível em um “mundo” onde valem mais os “valores e imagens” do chamado Primeiro Mundo (ou países centrais).

154 etc.) são decisivos e há ainda aqueles países que agregam problemas específicos tais como questões étnicas, inexistência de experiências democráticas anteriores, transição do socialismo para o capitalismo e assim por diante. O que é certo e generalizado é a sobrecarga do sistema político, que se vê, em tais situações, pressionado por todos os lados e em todas as direções, transformando a política concreta em um processo de grandes incertezas e de complexa operação. As instituições estatais e de governo, bem como as da sociedade civil – e, dentre elas, muito especialmente os partidos políticos –, vêem-se diante do fato que a instabilidade é uma condição quase que permanente. Eis aí, resumidamente, o dilema maior das transições democráticas apontado pela quase totalidade dos estudiosos (Moisés, 1994).

O caso brasileiro não foi e não é diferente. Poderíamos até dizer o contrário: é um caso exemplar – como já apontamos resumidamente na introdução desse capítulo. A história política do Brasil é marcada por regimes políticos de inspiração autoritária e uma incipiente e complexa relação com a chamada democracia liberal (Vianna, 1976 e 1996; Santos, 1993; Faoro, 1989; Soares, 2001; entre tantos outros). Com certeza, tivemos influxos democráticos ao longo de nossa história, mas as forças vitoriosas quase sempre foram as do autoritarismo. Desde o “liberalismo formal” (mas com Poder Moderador e escravidão) do Império até a recente Ditadura Militar (1964-1985), é assim nossa história política, com a única exceção relevante do período compreendido entre 1945 e 1964, como já apontamos de passagem, que podemos classificar como uma semipoliarquia (ver Dahl, 1995) ou “democracia interrompida” pelo golpe militar de 1964 (Soares, 2001).

O Brasil logicamente teve alguns influxos democráticos, mas as vitórias foram sempre apenas parciais e “interrompidas”. No período colonial não foram poucas as lutas pela independência e também pelo fim da opressão escravocrata. Com certeza, ainda no próprio Império, entre outras questões relevantes (a Rebelião Farroupilha como exemplo), a Campanha pela Abolição parece ser a de maior destaque nesse sentido, uma espécie de marco da luta popular no país, como defende Francisco Iglesias (1993). Outras pelejas sucederam-se ao longo do século XX, entre elas, as lutas sindicais anarquistas e o Tenentismo na República Velha, a Campanha O Petróleo É Nosso no intercurso democrático do pós-2ª GG, a resistência à Ditadura de 1964 e a Campanha por Eleições Diretas Já para presidente da república na transição democrática.

É por isso que podemos afirmar que nossa cultura política, de um modo geral, tem dificuldades gigantescas com o ideário democrático entendido no seu sentido liberal

155 formal ou poliárquico. Tal característica geral da política brasileira manifestou-se de forma inequívoca ao longo do tortuoso processo de transição democrática ocorrido a partir do governo Geisel e “completado”46

no Congresso Constituinte de 198847 e nas eleições presidenciais de 1989 durante o governo Sarney.

A transição democrática brasileira foi, com certeza, então, até mais do que em outros casos, como já mencionamos, um desafio múltiplo – político, econômico e social, para ficarmos apenas nas variáveis principais. Nosso sistema político – o sistema partidário muito especialmente – esteve sempre sobrecarregado e operando no limite de suas capacidades, parecendo aos analistas, em certos momentos, que o país era “insolúvel” ou teria que “renascer” depois de uma crise hiper-inflacionária – como defendiam alguns tecnocratas mais extremistas, talvez pensando que o povo e a nação fossem apenas um laboratório para suas experiências geralmente mal sucedidas, “cobaias” de experimentos “científicos” (Przeworski, 1993: 225).48

Expressão maior desse dilema, no campo econômico, foi a sucessão de fracassados planos (ortodoxos, heterodoxos ou mistos) aplicados por todos os governos desde o fim do “milagre econômico” nos anos 70 – início da nossa “liberalização”. Geisel, numa “fuga para frente”, endividando externamente o país até o ponto do desequilíbrio total. Figueiredo, tentando contornar o problema da dívida externa que estourou depois da crise mexicana de 1982 – arrastando toda a América Latina e outros países endividados do Terceiro Mundo –, elevando nossa dívida interna, arrochando salários e garantindo superávits na balança comercial para pagar juros externos. Sarney e seus diversos planos e ministros – do heterodoxo Cruzado I de Funaro ao ortodoxo “feijão com arroz” de Maílson – só conseguiram recordes inflacionários, piora dos

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Para alguns analistas mais formalistas a ditadura militar acabou com a instalação do governo civil de Tancredo Neves e José Sarney. Outros preferem a data de 1988, com a nova Constituição. E alguns, entre os quais me incluo, estendem o processo até as primeiras eleições presidenciais diretas em 1989 (Kinzo, 2001). Deixando de lado essas discussões quase que formais, o importante é verificar que a consolidação da democracia no Brasil é ainda um processo em curso, embora já tenhamos provas mais do que suficientes de que o regime democrático brasileiro permite uma verdadeira alternância das forças políticas no poder, o que se confirmou com a ascensão de Itamar (1992), de FHC (1995) e, por fim, de Lula (2002) (sobre o assunto, consultar, entre outros, Moisés, 1994; Reis, 2001; Santos, 1988; e Kinzo, 2001). Embora, no Brasil, sempre reste a dúvida sobre a possibilidade de posse em caso de vitória de uma força política extremista de esquerda, que queira rever processos “consolidados” (privatizações) ou realizar pontos programáticos “inaceitáveis” para as classes dominantes que detém um poder absurdo desde sempre (Schwarz, 1998).

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Sobre o qual já registramos uma nota na introdução desse capítulo.

48 Adam Przeworski, nesse artigo, faz uma crítica dura sobre as “experiências” irresponsáveis dos

governos no plano econômico. Acreditamos que tal crítica se aplica exemplarmente ao caso brasileiro das últimas décadas.

156 indicadores macroeconômicos e contribuir decisivamente para a “década perdida”. Como desdobramento dessa situação, logo a seguir, no governo Collor – que foi aos limites da tolerância política e constitucional em quase todos os sentidos (Silva, 1993) – vários planos econômicos também foram experimentados. Desde o heterodoxo e radical primeiro plano econômico de seu governo, com o confisco da poupança e outras medidas igualmente esdrúxulas, sob o comando da ministra Zélia Cardoso, até o mais ortodoxo, no fim dessa trágica experiência política do país, com Marcílio Marques Moreira, com igual insucesso. Essa foi a herança econômica do regime militar e da nossa tortuosa transição democrática com a qual se deparavam as forças políticas na virada dos anos 80 para os anos 90.

A questão econômica nos leva diretamente à questão da “dívida social”, também reconhecida pela unanimidade dos analistas como problema central do país, ainda que os enfoques variem de perspectiva, de temáticas centrais e de diagnósticos específicos. Darcy Ribeiro, em páginas de comovente exposição, em seu O Povo Brasileiro (1995), explica este distanciamento cada vez maior entre as classes sociais no Brasil como desdobramento de nossas mais profundas raízes históricas e culturais que, de um modo geral, não permitiram criar soluções, ao contrário, estão, cada vez mais, a exigir uma resposta para nossa “tragédia social” antes que a “fratura” do país fique irremediável:

Nessas condições, exacerba-se o distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico-cultural e da unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático. Em conseqüência, as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso- brasileiras e, afinal, brasileiras, viveram sempre e vivem ainda sob o pavor pânico do alçamento das classes oprimidas. Boa expressão desse pavor pânico é a brutalidade repressiva contra qualquer insurgência e a predisposição autoritária do poder central, que não admite qualquer alteração da ordem vigente. (...).

Não é impensável que a reordenação social se faça sem convulsão social, por via de um reformismo democrático. Mas ela é muitíssimo improvável nesse país em que uns poucos milhares de grandes proprietários podem açambarcar a maior parte do seu território, compelindo milhões de trabalhadores a se urbanizarem para viver a vida famélica das favelas, por força da manutenção de umas velhas leis. Cada vez que um político nacionalista ou populista se encaminha para a revisão da institucionalidade, as classes dominantes apelam para a repressão e a força (Ribeiro, 1995: 23-26).

157 Já que este estudo trata do PSDB, nada mais justo do que reafirmar esse diagnóstico de Darcy Ribeiro, “testamento” de uma vida inteira dedicada ao povo brasileiro e às ciências sociais, com palavras igualmente enfáticas do próprio Fernando Henrique Cardoso, em palestras realizadas em 1983 e 1985, publicadas em seu A Democracia Necessária (1985) – e reiteradas no discurso de sua primeira posse, aliás, como promessa maior da sua futura gestão –, como podemos ver na seguinte citação (um pouco longa, mas importante para nossa argumentação):

E aí, na conjuntura, temos alguns complicadores. Um é óbvio: é que a crise econômica choca-se com a crise política, bateu no político. (...) E mesmo os desajustes sociais que provocou – e vai provocar mais – ainda são desajustes sociais que (...) não chegam a ameaçar (...) porque são localizados e (...) o medo do desemprego é às vezes mais forte do que o medo da fome.

Então, o que se produz é um mal-estar social, e estamos numa sociedade onde o mal-estar existe. (...) a pobreza que, de repente, brota das ruas e passa a ter fisionomia.

A pobreza não é um componente da vida política brasileira. Nunca discutimos politicamente com pobres. (...). A pobreza é presença um pouco no horizonte, um pouco perdida, como uma espécie de pesadelo, ou como pés de chumbo da nossa sociedade – quando o Brasil vai se levantando, percebe que não pode levantar muito porque existe uma massa imensa que não foi incorporada (...).

Este dado social chega às portas da política, mas não entra. Isso assusta. Assusta aos sociólogos, aos políticos que têm consciência social,

mas não preocupa os donos do poder [grifo nosso], apesar de ser um dado

real. (...).

Se a crise persistir, teremos que tomar em consideração os desequilíbrios sociais. Se não persistir, os donos do poder vão tentar prosseguir sem tomar em consideração nada além de seus interesses (Cardoso, 1985: 16-21).

Falar detalhadamente do conjunto de nossos problemas sociais fugiria um pouco ao objetivo da exposição. É preciso dizer, contudo, que quando estes dois grandes cientistas sociais, com uma diferença de dez anos, analisam de modo geral a questão, têm em mente coisas muito concretas (das quais já falamos por alto anteriormente) tais como o grande número de miseráveis praticamente excluídos do sistema, o grande número de pobres marginalmente incluídos no sistema, a distribuição de renda das mais injustas do planeta, o avanço célere da criminalidade, as favelas, a indigência rural, a violência e a desesperança que vão corroendo as entranhas da sociedade brasileira e arrastando dezenas de milhões de pessoas para uma condição de anomia. Não são análises retóricas, mas substantivas do país. E acrescentam um tom ainda mais “criativo, brilhante e dramático” às análises dos nossos múltiplos dilemas.

158 A questão política, mudando para o ponto que forma um tripé decisivo com os outros dois, se manifesta, em todo o processo de transição democrática no Brasil, em variadas direções e conteúdos. Dois aspectos, porém, se sobressaem e, de certa forma, enfeixam a variedade de problemas: a reconstrução constitucional (e as reformas institucionais como seus desdobramentos naturais), por um lado, e a emergência política dos setores sociais organizados, por outro lado.

O declínio do regime militar “lento e gradual”, até seus últimos momentos nos anos 80, não aparecia para os analistas assim tão líquido e certo. Predominava ainda a “incerteza” naqueles anos 80 decisivos para nossa transição formal para a democracia. O país, por exemplo, paralisou-se por meses à espera das tão sonhadas Diretas Já! A própria eleição de Tancredo por boa margem no Colégio Eleitoral foi logo suplantada por um problema maior: sua doença, sofrimento e morte. O país, naqueles meses, viveu grandes dúvidas ainda que tenha imediatamente adotado uma solução de compromisso dando posse definitiva a Sarney (ver, por exemplo, Cardoso, 2006: 100-6). Logo após, outro dilema: convoca-se ou não uma Assembléia Constituinte autônoma, como foi feito na Espanha e em outros países. Escolhemos o caminho mais conservador do Congresso Constituinte. Esse, por sua vez, foi escolhido numa eleição marcada pela influência decisiva do heterodoxo Plano Cruzado I – que acabou quatro dias depois das eleições, no dia 19/11/86, quando o governo já tinha certeza de ampla vitória, como já apontamos anteriormente. O processo constituinte parecia se encaminhar numa certa direção quando, numa reviravolta política de grandes proporções, os conservadores articularam o chamado “centrão” e conseguiram reverter o conteúdo de muitas medidas “progressistas”, causando não poucas polêmicas e, podemos dizer, colaborando decisivamente para o nascimento de uma constituição indefinida entre a sedimentação do passado e uma ordenação institucional mais adequada aos desafios futuros. A proposta constituinte de garantir cinco anos de mandato a Sarney – “arrancada” através de um amplo esquema de corrupção política – abriu um grave precedente sobre mandatos e regras eleitorais dali em diante. A eleição de Collor não causou menos “confusões” políticas e institucionais. Manipulação da mídia, confronto ideológico entre dois candidatos pouco articulados com o status quo político, bravata do presidente da FIESP – ameaçando que 800 mil empresários iriam embora do Brasil se Lula vencesse – e até uma manipulação final da TV Globo sobre a edição noticiosa do último debate entre Lula e Collor no segundo turno.

159 Este breve resumo das confusões e incertezas políticas do Brasil dos anos 80 nos leva a uma conclusão: nossas instituições políticas, em que pese todos os avanços, equívocos e distorções, foram testadas em grandes desafios práticos e são, hoje, resultado de um quadro, naquela época, ainda de instabilidade e incertezas, característica fundamental mais das “transições” do que das “democracias consolidadas” (Moisés, 1994: 94-98). Pode até ter ocorrido um consenso mínimo sobre as regras políticas principais e instituições democráticas centrais no processo constituinte, mas vários problemas ainda permaneceram na visão de quase todos os analistas: a necessidade da chamada reforma política, o pacto federativo sempre questionado, os conflitos mal resolvidos entre os poderes, a redefinição administrativa do Estado, os limites da parca capacidade operacional cotidiana do governo, enfim, a política parecendo mais caótica do que talvez realmente fosse, causando no povo uma certa aversão ao seu desenrolar – fonte de instabilidade e dificuldade de legitimação da democracia. Aspecto político decisivo que se junta aos problemas econômicos e sociais já descritos.

Analisando a emergência política dos setores sociais organizados, podemos verificar igualmente uma complexa situação política. Vejamos em resumo o que se passou dos anos 70 em diante. Em meados dessa década, dois fatos são muito importantes: a destruição final da esquerda armada e a vitória do MDB nas eleições de 1974. Os movimentos sociais começam a emergir, desde então, mais afeitos à participação legal, ainda que sempre “desconfiados” da política institucional. Movimentos variados – estudantes, bairros, negros, mulheres, ecológicos, culturais, etc – vão entrando na cena política, no início timidamente, depois mais organizados e influentes. O grande divisor de águas, no entanto, foi o surgimento do “novo sindicalismo” a partir da experiência primeira do ABC paulista. A década seguinte é marcada por este sindicalismo combativo, embora suas mobilizações tenham tido influxos e refluxos. As greves aumentam, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras centrais sindicais são fundadas, a campanha das diretas ganha apoio irrestrito do movimento sindical – e Lula é reconhecido, junto com Ulysses, Brizola e Tancredo, como grande líder nacional –, o governo Sarney logo depois sofre pressão contínua dos movimentos sociais e tudo isso deságua na campanha presidencial de 1989. Estudos apontam para a fragmentação, profissionalização, burocratização e dificuldades múltiplas no terreno político para o sindicalismo e os movimentos sociais desde aqueles momentos decisivos nos anos 80 (Antunes, 1995; Doimo, 1995). De toda forma,

160 inquestionavelmente, os sindicatos e os movimentos sociais foram “parcialmente” incorporados à vida política da nação. E falamos assim, “parcialmente” (entre aspas), pois a “truculência das elites” – da qual nos fala Darcy Ribeiro em citação anterior – é ainda a marca registrada quando tais movimentos não fazem “apenas” aquilo que deles se espera – na visão das elites. Independente de polêmicas conjunturais ou casos específicos das últimas décadas, a democracia brasileira deixa ainda a desejar no sentido de incorporar a participação das massas organizadas na vida política, ampliando para a toda a sociedade os inequívocos avanços institucionais obtidos com a democratização do país. Naqueles anos 80 politicamente dramáticos do fim da transição democrática este era um outro e decisivo aspecto que se somava aos anteriores no sentido de qualificar a profundidade da questão.

Eis aí o problema maior da transição democrática brasileira, este desafio múltiplo colocado para as forças políticas que se propunham a disputar a direção geral da nação. Foi esse o contexto geral com o qual teve que se deparar o PSDB e seu intelectual mais famoso, FHC, quando do lançamento do partido em 1988 e principalmente na política concreta dos anos seguintes. O partido nasceu tendo consciência e prometendo enfrentar tais dilemas. Mas não somente em sentido negativo, de contornar e solucionar esses problemas gigantescos. Também no aspecto positivo de que tais desafios abriam possibilidades para reordenação das forças políticas e de mudanças profundas no quadro econômico e nas condições sociais nunca antes tentadas no país. Inclusive e principalmente para as forças políticas de inclinação à centro-esquerda – posição na qual se localizou o PSDB, independente de isto ter relação com a realidade dos fatos e das classificações ideológicas. Um momento único, absolutamente singular na história do Brasil, embora guarde algumas semelhanças aparentes com outros processos do passado, particularmente a redemocratização do Pós-2ª Grande Guerra.

Enfim, nas transições democráticas, inclusive e principalmente a brasileira ocorrida nas décadas de 70 e 80, demorada e tortuosa, predominam incertezas e também as possibilidades. Foi aproveitando essas possibilidades que o PSDB foi constituído em fins dos anos 80, na segunda grande reformulação partidária da década, assim como, de