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A transição para uma agricultura alternativa

No documento PROJETO VIDA NO CAMPO (páginas 75-78)

Agenda 21 Brasileira em ação

13. A transição para uma agricultura alternativa

Se a agricultura alternativa é aceita hoje por diferentes setores da sociedade – como uma possível alternativa para garantir a segurança alimentar da sociedade – a questão que se debate é: como chegar a um padrão efetivamente alternativo. E, dentre as inúmeras respostas a esta questão, duas me parecem fundamentais: a primeira é o estímulo à diversificação dos sistemas produtivos com rotação de culturas e com a integração da produção animal e vegetal. A segunda é o fortalecimento da agricultura familiar.

Uma das características básicas do padrão produtivo disseminado pela Revolução Verde foi a substituição dos sistemas diversificados por sistemas monoculturais. No curto prazo o resultado foi um aumento exponencial da produtividade das lavouras, mas em médio prazo, a euforia das grandes safras cedeu lugar a uma série de preocupações relacionadas aos seus impactos econômicos, sociais e ambientais.

Hoje se sabe que quanto maior a diversidade de espécies em um agroecossistema maior será sua estabilidade. Os sistemas estáveis são mais resistentes ao ataque de pragas e de doenças, promovem um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis e, além disso, as rotações, principalmente com plantas leguminosas, ajudam a reduzir a erosão dos solos melhorando sua fertilidade. Dessa forma é possível reduzir drasticamente os custos de produção e os impactos ambientais. Outra vantagem é que nesses sistemas o ingresso de renda é melhor distribuído durante o ano, ao contrário do que ocorre nas propriedades que praticam o monocultivo (Romeiro, 1992).

Em suma, os sistemas diversificados e rotacionais apresentam uma série de vantagens agronômicas e econômicas. Todavia a implantação também implica em uma série de dificuldades, por exemplo: a incipiência do conhecimento científico nessa área. Durante todo o século a agronomia clássica acumulou inegável conhecimento científico e tecnológico, todavia trata-se de um saber extremamente especializado. Os sistemas diversificados exigirão um novo tipo de enfoque que permita integrar os diferentes componentes naturais, econômicos e sociais de um agroecossistema. É o que chamamos de enfoque sistêmico.

Outro limite para a expansão da diversificação é a capacidade administrativa e gerencial dos produtores. Afinal, um sistema diversificado exigirá um acompanhamento muito mais intenso, desde o planejamento do plantio, passando pelos tratos culturais, até a comercialização da produção. Estas características deixam claro que uma das principais diferenças entre os sistemas produtivos convencionais e os alternativos será a substituição do emprego elevado de insumos e energia proveniente de combustíveis fósseis pelo emprego elevado de conhecimento, seja este científico ou prático.

Além da percepção das vantagens econômicas e agronômicas por parte dos produtores, a diversificação deve, nas próximas décadas, receber forte influência do mercado consumidor. No Brasil, apesar da demanda crescente, a comercialização de produtos orgânicos é ainda irrisória. Nos Estados Unidos o mercado de alimentos “limpos” , como vêm sendo chamados, atinge cerca de 3% das vendas de produtos in natura. Assim como na década de 80 a moda era consumir alimentos ligths ou leves, para as duas próximas décadas acredita-se que os alimentos limpos entrarão no main stream do consumo elevando para cerca de 30% a fatia dos produtos orgânicos.

O segundo aspecto que vem sendo apontado como fundamental na transição para um padrão alternativo é o fortalecimento da agricultura familiar. As propriedades familiares têm se mostrado muito mais adequadas à prática da agricultura sustentável do que as propriedades patronais, seja pela sua escala – geralmente menor –, pelo maior comprometimento com os recursos naturais, por privilegiar os recursos disponíveis na propriedade, mas principalmente pela sua aptidão para a diversificação dos sistemas produtivos.

Além disso a agricultura familiar tem um enorme potencial de manter postos de trabalho já existentes ou de criar novos postos. No Brasil temos hoje cerca de 4,5 milhões de estabelecimentos familiares (cerca de 20 milhões de pessoas) que, mesmo ocupando apenas 22% da área agrícola, representa 60% do pessoal que trabalha no campo e é responsável por quase um terço da produção agrícola do país (FAO/INCRA, 1995).

Todavia, temos que reconhecer que, apesar da agricultura familiar ganhar mais espaço nas discussões públicas, ainda estamos muito longe do ideal. A criação do PRONAF e os esforços em torno da reforma agrária, não foram suficientes para contrabalançar os inúmeros problemas que enfrentam os agricultores familiares. Problemas que passam pela dificuldade de obtenção de crédito, armazenamento e comercialização da produção. Ou pela falta de educação no campo, não apenas a educação técnica, como também a educação formal. E, como vimos, o conhecimento deverá ser um dos insumos principais da agricultura alternativa.

Diante desse quadro a impressão que se tem é que caminhamos muito mais no campo técnico e ambiental do que no social. Um exemplo disso é o processo de mecanização do corte da cana-de-açúcar que vem sendo adotado no estado de São Paulo. Além de evitar as queimadas, o novo maquinário deixa uma camada de cobertura morta que protege o solo contra erosão e que impede o crescimento das chamadas plantas invasoras. Com isso já é possível evitar o uso de herbicidas. Por outro lado cerca de 80 postos de trabalho/dia deixam de existir. Trata-se, portanto, de um avanço ambiental e retrocesso social.

O fortalecimento da agricultura familiar tem se mostrado, na prática, extremamente complexo, e se não ocorrer, é difícil pensar em outra saída que promova a geração de postos de trabalho em larga escala e a distribuição de renda tão necessária para que a população

tenha acesso aos alimentos. Em todos os países que chegaram a algum tipo de desenvolvimento e conseguiram diminuir a fome e melhorar a distribuição de renda, como é o caso dos Estados Unidos, Alemanha, Japão, a base social da agricultura foi a empresa familiar (Abramovay, 1992). E é óbvio que o fortalecimento da agricultura familiar não ocorrerá por acaso. Depende, em grande parte, da adoção de políticas públicas que promovam avanços nessa direção.

No documento PROJETO VIDA NO CAMPO (páginas 75-78)