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Para o presente estudo importa iniciar a temática da unidade do sistema jurídico pelos conceitos de ordenamento jurídico e de sistema jurídico, aqui utilizados, precipuamente, na doutrina de Bobbio251 e Raz252.

Primeiramente há que se considerar que o Direito pode ser visto de duas formas distintas segundo a visão bobbiana: como protetor e repressor, com enfoque na sanção negativa, preocupando-se com a “interpretação do sentido das normas, as questões formais da eliminação das antinomias, de integração de lacunas”, ou seja de “sistematização global dos ordenamentos conforme a melhor tradição dogmática”, em seu aspecto estruturalista; bem como no seu papel modificador e criador, buscando a sanção promocional, onde a “problemática se volta muito mais para a análise de situações, análise e confronto de avaliações, escolha de avaliação e

251 Ainda que Bobbio seja classificado como positivista analítico, as suas lições sobre democracia e

sobre os conceitos de ordenamento, bem como sobre estrutura e função importam para o presente estudo, que a partir do item 3.3 afastar-se-á especialmente do método subsuntivo defendido pelo positivismo analítico. Justifica-se a escolha de Bobbio pois seus pensamentos nesse tema são bem “matizados” e “os resultados são sempre críticos, no sentido de levar a reflexão adiante e não terminá-la” bem como pela sua conexão com a linguagem. Especialmente Bobbio enxerga a função promocional do Direito e não o atrela “apenas” às regras: “na nova situação do Estado promocional, o jurista, encarando o Direito ‘também’ como um conjunto de regras, mas em vista de uma função implementadora de comportamentos, tende a assumir um papel modificador e criador”, por isso seus ensinamentos são relevantes para essa tese. V. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Apresentação à obra Teoria do ordenamento jurídico. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 7-18.

252 Apesar das influências positivistas de Hart, Raz revisita as teorias de Kelsen e Bentham e tem uma

postura bastante crítica em relação ao pensamento do próprio Hart e também de Kelsen, Austin e Bentham. Seu posicionamento em relação à existência do sistema do Direito apesar de bastante vinculado à lei, apresenta características de abertura e mobilidade que combinam com as intenções da presente tese. V. RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Trad. Maria Cecília Almeida. Rev. Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

formulação de regras”, em seu aspecto funcionalista.253 Raz254 por sua vez considera

o direito como “normativo, institucionalizado e coercitivo”, vislumbrando mais a característica repressora e sancionatória do que qualquer outra.

Partindo da mais simples premissa do ordenamento jurídico como o complexo agrupamento de normas jurídicas, Bobbio255 identifica quatro critérios para a definição

do conceito: pelo critério formal leva em conta a existência de normas categóricas ou hipotéticas; pelo critério material analisa o “conteúdo das normas jurídicas, isto é, das ações reguladas”; pelo critério do sujeito vislumbra a constatação do poder soberano que leva a um “ordenamento normativo de eficácia reforçada”256, imaginando que a

força coativa da norma alinha-se à emanação do poder soberano. Baseado nesse critério alia-se o ordenamento à noção de soberania. O quarto e último critério apresentado trata da identificação do destinatário da norma, súdito ou juiz.

Raz257 reconhece a complexidade do sistema jurídico ao mesmo tempo em que

ressalta a lei como sua principal estrutura, mas não como a única. Mantém-se ainda arraigado à função positivista do direito quando reconhece que serve para “regular e orientar a conduta humana” ao mesmo tempo em que valoriza a sua função repressora e coercitiva. Apesar de intimamente ligado à noção de normatividade, percebe-se uma maior abertura do sistema, especialmente quanto à atitude legislativa dos tribunais, bem como à revisitação do sistema de fontes.

Verifica-se em ambos os autores, um afastamento cada vez maior do elemento “lei” para individualizar e concretizar o sistema do direito, voltando-se mais para um

253 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Apresentação à obra Teoria do ordenamento jurídico. BOBBIO,

Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 15-16.

254 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.

Trad. Maria Cecília Almeida. Rev. Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

255 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 22-31.

256 Segundo o próprio autor essa foi a conclusão de sua obra antecedente Teoria da norma jurídica

quando funda a ideia do direito ao conceito de sanção.

257 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.

Trad. Maria Cecília Almeida. Rev. Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 188-223.

complexo e aberto conjunto de normas, admitindo inclusive o caráter normativo do costume.258 259

Canotilho260 também defende a tese da abertura, e chega a afirmar que a

abertura do sistema jurídico interno notadamente às normas de direito internacional, bem como às proteções de direitos fundamentais, como os direitos humanos, uma das dimensões que caracterizam o conceito de Estado de Direito na contemporaneidade.

Castanheira Neves261, por sua vez, deixa claro que o sistema é aberto e que

nenhuma legalidade pode fechá-lo. Ou seja, afasta-se cada vez mais da ideia de ordenamento/sistema jurídico fechado e vinculado à regras internas para abrir-se à normativas, sejam externas, sejam não escritas, como condição de possiblidade do Estado de Direito, em especial o democrático. A ideia de sistema surge como resultado da interpretação, da permanente construção e reconstrução das normas, aqui entendidas como resultado da interpretação dos textos normativos. 262

Sobre a unidade do ordenamento jurídico Bobbio discute o sistema de fontes e adota a “teoria da construção escalonada do ordenamento”263 kelseniana que importa

no reconhecimento de normas superiores e inferiores, todas sob a égide de uma norma fundamental, esta responsável por garantir a unidade do ordenamento.

No mesmo sentido Moraes264 afirma que a “unidade do ordenamento é

característica reconhecidamente essencial da estrutura e da função do ordenamento jurídico”. Também com influências kelsenianas reconhece que a unidade decorre da “existência da norma fundamental (Grundnorm), fator determinador de validade de

258 Bobbio trata do ordenamento composto por fontes reconhecidas (ou recepcionadas) e fontes

delegadas – na primeira reconhece o costume como fonte. V. BOBBIO, Norberto. Teoria do

ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, 1999. p. 22-39.

259 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.

Trad. Maria Cecília Almeida. Rev. Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 186-7.

260 CANOTILHO, José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da constituição. 7.

ed. Coimbra : Almedina, 2003. p. 232.

261 CASTANHEIRA NEVES, Antonio. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,

“função” e “problemas”- Os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito. In: Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. V. LXXIV. Ano 1998. p. 1-44. Coimbra: Instituto Jurídico, 1998.

262 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de

processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 86.

263 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 49.

264 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil-constitucional. Revista Estado,

toda a ordem jurídica, e abrange a intolerabilidade de antinomias entre as múltiplas proposições normativas (constituindo-se, assim, em um sistema)”.

Revisitando a estrutura piramidal kelseniana, Raz265 continua identificando

unidade e coerência no sistema jurídico, mas propõe uma interpretação muito mais circular entres as normas do que hierárquica, inclusive afastando a obrigatoriedade de uma norma fundamental. Afirma que a norma fundamental não necessariamente é o elemento que traz unidade ou identidade ao sistema. Ela pode ser esse elemento (critério da possibilidade) mas não necessariamente o é (critério da necessidade).

Canotilho266 identifica no sistema jurídico características relevantes:

dinamicidade das normas, estrutura dialógica, com referência expressa a abertura do sistema para acompanhar as mudanças da realidade; normatividade pois estruturado por meio de normas, sejam essas normas regras ou princípios, identificando a centralidade e multifuncionalidade da norma constitucional.

Quando alinha a questão da unidade do ordenamento, Bobbio267 também

enfrenta a noção de coerência e completude, partindo o estudo de como sistema e como suprir as suas lacunas no hierárquico sistema de fontes. Entende por sistema “a totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem” relacionando-se entre si de modo coerente. Afasta o conceito de sistema dos primórdios dedutivos e indutivos, para basear a sua noção de sistema na ideia da compatibilidade. Afirma que entre as normas existe um “relacionamento de compatibilidade, que implica a exclusão da incompatibilidade”, e, por isso acrescenta a característica da coerência, propondo, inclusive, meios de superação de antinomias. Guastini268 afasta a ideia de completude do ordenamento justamente porque permite

que o juiz construa uma norma para o caso, afirmando: “gli ordinamenti giuridici non sono necessariamente completi. E, in presenza di lacune, evidentemente non si può dire che i giudici si limitino a dare applicazione a norme preesistenti. Una lacuna può solo essere colmata mediante la produzione di una norma nuova”.

265 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.

Trad. Maria Cecília Almeida. Rev. Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 184-6.

266 O autor faz referência ao sistema jurídico português, mas as características podem ser identificadas

em qualquer sistema da civil law. V. CANOTILHO, José Joaquim Gomes Direito constitucional e

teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1159.

267 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 71; 80; 81-114.

268 GUASTINI, Riccardo. Il giudice e la legge: lezioni di diritto costituzionale. Torino: Giappichelli, 1995.

Ribeiro269 aponta a dupla função do ordenamento, psicológica, que redunda no

cumprimento espontâneo das normas pelo mecanismo da sanção, e judicial, na medida em que o juiz concretizará os valores sociais essenciais. Bobbio270 fez nascer

a análise da função promocional do direito, aprofundando o estudo da sua estrutura e da função. Afastando-se de sua ideia inicial da sanção como punitiva, propôs a utilização da sanção de forma positiva, premial, como incentivo. Identificou aí a chamada função promocional do direito, cabendo-lhe não apenas “controlar os comportamentos” humanos, mas também servir além de controle, como forma de “direção social”. Ribeiro271 também reconhece na sanção premial um meio de

concretização do Estado Democrático de Direito.

Raz272 não vai tão longe na função promocional, pois ainda se mantém bastante

vinculado a função repressiva, mas chega a reconhecer o sistema jurídico como “um aspecto ou dimensão do sistema político” aproximando, portanto, o direito da política e também da sociedade.

Reconhece-se, portanto, o sistema do direito como integrante de um sistema social273 que deve se afastar da sua precípua “função repressiva” para buscar uma

“função promocional”. 274

Pode-se vislumbrar, inclusive, que no pensamento funcionalista até a noção de soberano e de norma fundamental passam a segundo plano275 coincidindo portanto

com as premissas e objetivos do presente estudo. Essa contribuição é diferencial na teoria de Bobbio, especialmente quando admite que a eficácia é apartada da

269 RIBEIRO, Darci Guimarães. Da tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 29-31.

270 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela

Beccaccia Versiani; . Barueri: Manole, 2007. p. 79.

271 RIBEIRO, Darci Guimarães. Da tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 53-9.

272 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos.

Trad. Maria Cecília Almeida. Rev. Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 281.

273 Em verdade trata o sistema do direito como “um subsistema do sistema social geral” BOBBIO,

Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani; . Barueri: Manole, 2007. p. 83.

274 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela

Beccaccia Versiani; . Barueri: Manole, 2007. p. 91-108.

275 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Apresentação à obra Teoria do ordenamento jurídico. BOBBIO,

Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 17.

existência da norma276, bem como quando admite que a solução pode não estar na

norma, conforme narrou na perspectiva do costume como fonte.

Ressalta-se que nesse estudo não se pretende aprofundar o conceito de sistema jurídico, nem no aspecto sistêmico277, nem no sistemático278, importando

apenas delimitar o ambiente da pesquisa para que se possa discutir a normatividade e a produção do direito dentro dele.279

Diferenciando ordenamento jurídico de sistema jurídico, Irti280 alerta que o

primeiro consiste no conjunto das normas vigentes e válidas, sendo sinônimo de “sistema de normas” ou “sistema dinâmico de normas”. Já o segundo, sistema jurídico, refere-se ao conteúdo da normas em seu sentido material:

ordenamento y sistema indican, el uno y el otro, una totalidad capaz de agrupar juntas a cada una de las partes: pero, mientras el criterio

276 Afirma-se que Bobbio afastou-se das lições de Kelsen e Hart quando trabalha a eficácia da norma

bem como quando reconhece o poder discricionário do magistrado. Por isso chegou a ser apontado como neo-positivista. ENGELMANN, Wilson. Direito natural, ética e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 74-6.

277 LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Traducción Javier Nafarrate Torres. México:

Universidad Iberoamericana, 2002.; TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.

278 Apesar das características da ordenação e da unidade terem proximidade com o presente estudo,

Canaris fecha o conceito de sistema conflitando com a abertura do sistema de fontes que se defende no item 4.4.2.3 e com o pensamento tópico do item 4.4.2.1 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento

sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2012.

279 No presente estudo não se aprofundam as categorias da teoria sistêmica (Luhmann) e da

sistemática (Canaris). Isso porque o pensamento sistêmico traz um conceito fechado de sistema, cujo código (lícito/ilícito), e sua clausura inicial (sem se considerar as hipóteses de acoplamento estrutural) conflitam com as ideias de abertura e mobilidade do sistema defendidas na presente tese. Por sua vez, o pensamento sistemático pode conflitar com o pensamento tópico exposto no item 4.4.2.1. pois enquanto o pensamento sistemático raciocina a partir do “todo” e corre o risco de se tornar “fechado”, o pensamento tópico buscará a mobilidade e abertura do sistema na medida em que se busca a concreção do direito pelos limites do próprio caso e não do todo, bem como se permite a avaliação constante dos topoi que influem na construção da resposta. Por isso adota-se o conceito de sistema de Raz conforme exposto no texto.

280 “Ordenamiento jurídico es el conjunto de las normas vigentes, determinadas en base a las reglas de

producción, que son propias del ordenamiento considerado. La expresión – como suele ocurrir con los símbolos linguísticos – recoge y unifica la pluralidad de las normas vigentes: y vigentes, en cuanto válidas según las normas internas del ordenamiento. […] El conjunto de normas, que concurren en el tiempo constituyendo un ordenamiento jurídico, es definido y delimitado por cánones de valoración, internos al propio ordenamiento e idóneos para establecer que normas pertenecen a éste y cuáles por el contrario permanecen fuera. Este conjunto, considerado como un proceso o cadena productiva de normas, toma también el nombre de ‘sistema de normas’ o de ‘sistema dinámico de normas’. […] Sin embargo, parece oportuno reservar el nombre de ‘sistema’ a otro fenómeno. Consumado el juicio de juridicidad, o bien comprobado que determinadas normas pertenecen al ordenamiento, se abre la investigación sobre su contenido. La noción de sistema no hace referencia a la validez, sino al contenido de las normas, lo que dicen, no si y por qué pueden decirlo.” IRTI, Natalino. La edad de la descodificación. Trad. Luis Rojo Ajuria. Barcelona: José María Bosch, 1992. p. 135.

de fundación del primero tiene un carácter formal, el criterio de fundación del segundo es decididamente material y de contenido281 Irti282 entende, contudo no âmbito do direito privado, que a unidade do sistema

jurídico é garantida pela centralidade do Código Civil e a adoção dos microssistemas, segundo ele, comprometeriam a unidade do ordenamento. Contudo, tal entendimento de Irti data da década de setenta e a evolução jurídica e social fez com que ele repensasse, inclusive, o fenômeno da descodificação como se verá em frente. Portanto, no panorama atual de abertura do sistema jurídico e da constitucionalização do direito privado, imagina-se que a unidade está assegurada.

Descreve-se, então, os elementos que compõem o sistema jurídico, trazendo- se à lume a discussão sobre normatividade, princípios, regras e fontes, bem como da produção do direito como resultado da função jurisdicional.

O panorama da sociedade complexa e da ultrapassagem das fronteiras nacionais, traz a releitura do sistema de fontes, como por exemplo, na ideia do constitucionalismo transnacional, onde se demanda uma nova perspectiva do sistema do direito. Necessário, nesse novo cenário, desarraigar-se da regra positivada e fundir horizontes para propiciar uma solução adequada a cada caso concreto.

Teixeira283 quando discute o constitucionalismo transnacional, rediscute o

sistema de fontes, afirmando que “se no âmbito regional pode ser relevante a existência de uma constituição escrita, entendemos que isso não ocorre em nível global/supranacional”, propondo a teoria pluriversalista do direito internacional, onde se reconhece as normas supranacionais com competência residual, mas ainda assim aplicáveis, com destaque às questões ambiental e penal.284

O que se pretende demonstrar, a partir da constatação da mudança paradigmática, é que o pensamento tradicional e provinciano da norma positivada meramente subsumida tem se demonstrado insuficiente para regular as inúmeras

281 IRTI, Natalino. La edad de la descodificación. Trad. Luis Rojo Ajuria. Barcelona: José María Bosch,

1992. p. 135.

282 IRTI, Natalino. La edad de la descodificación. Trad. Luis Rojo Ajuria. Barcelona: José María Bosch,

1992. p. 59-63.

283 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo

transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. (Orgs.). Constituição,

sistemas sociais e hermenêutica: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da

UNISINOS: Mestrado e Doutorado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, n. 9, p. 27.

284 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo

transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. (Orgs.). Constituição,

sistemas sociais e hermenêutica: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da

situações complexas do mundo contemporâneo, entre elas as questões globalizadas. É imprescindível estar aberto a um novo sistema de fontes para se propiciar a correta construção do direito em cada caso concreto, conforme se verá no tópico específico.

Sabidamente o ordenamento é formado por princípios e regras, porém não se pode ficar adstrito à regra positivada como lei. Num sistema de fontes complexo e aberto, necessário se faz propiciar a compreensão do Direito no círculo hermenêutico. Sedimentada a necessidade da abertura do sistema de fontes, busca-se identificar como se dá a relação entre princípios e regras no sistema do direito, formando a sua unitariedade.

Dworkin285286 analisa a questão dos princípios alicerçado na teoria do direito e

nas habilidades específicas dos juristas, quais sejam: a um, analisar as leis e decisões e extrair delas a doutrina jurídica; a dois, analisar situações fáticas e resumir os fatos; e a três, conceber leis e instituições capazes de modificar a sociedade.287 Deve-se

assim entender que os princípios buscam o preenchimento de conceitos jurídicos, a interpretação de situações jurídicas e, por isso, devem ser preenchidos a partir da tradição da dada sociedade no tempo, buscando a ideia da facticidade. Dworkin busca a análise do sistema jurídico a partir da sociologia, quando se depara com questionamentos acerca do papel do Judiciário na sociedade, questionando se os