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CONSTRUÇÃO DA RESPOSTA AO CASO CONCRETO

Como visto acima, a concretização efetiva dos direitos coaduna com a realidade do Estado Democrático de Direito, e se efetivará no Poder Judiciário. Nesse cenário de governo dos homens, a discricionariedade judicial assume relevância e não pode ser deixada de lado618, pois na efetivação dos direitos o papel do intérprete

acaba sendo deveras relevante.

O imbricamento do julgador no círculo hermenêutico entre interpretação, compreensão e aplicação, bem como o elemento do âmbito normativo que compõe a formação da norma (aqui entendida como a decisão do caso concreto oriunda do círculo hermenêutico) permitem o controle do poder subjetivo do intérprete, evitando decisões arbitrárias. É certo que se verifica um grau de discricionariedade na decisão judicial, mas que não pode ser confundida com arbitrariedade.

Streck619 resume:

E não se diga que a hermenêutica venha a favorecer um conservadorismo, já que a fusão de horizontes dará passagem a algo sempre imprevisível e novo. Em última análise, a continuidade da tradição obrigará a uma justificação dialogada, controlada e confrontada com essa mesma tradição, o que exclui qualquer resultado e circunscreve a área da compreensão legítima.

O resultado do círculo hermenêutico não é um ato de vontade e é controlado pela tradição, deve estar “assentado em uma série de aspectos, incluindo o consenso social, a tradição, os valores da sociedade e especialmente os princípios da lei natural”, sendo que isso permitirá que a decisão seja uma resposta “às expectativas do grupo social e darão suporte de razoabilidade à decisão interpretativa”, ou seja, “o

618 ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: ZOLO, Danilo; COSTA, Pietro. O estado de

direito: história, teoria, crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 89.

619 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da

resultado da intepretação apenas será razoável e legítimo se respeitar todo esse conjunto, que dará a necessária respeitabilidade à decisão do caso concreto”. 620

Nessa realidade do Estado Democrático de Direito e da concreção do Direito no caso concreto, os direitos fundamentais assumem especial relevância, considerando que tornar o cidadão um titular de direitos não basta para a concretização do novo modelo, é necessário torná-los efetivos, reforçando-se o argumento democrático. Aqui residem então os seus dois pilares: direitos fundamentais e democracia.

Para Zolo621, a efetivação dos direitos depende diretamente da aplicação dos

mesmos que se dará na “magistratura ordinária”, por isso assume especial relevância a formação e os critérios de seleção dos juízes:

Uma política do direito ‘garantista’ deveria, por isso, ter no seu centro temas como a formação cultural e a seleção dos juízes, a sua experiência e sensibilidade social, a sua identidade e integridade profissional, a sua orientação em direção aos ‘fins do direito’ – o fortalecimento das expectativas sociais e a tutela dos direitos subjetivos -, bem além do formalismo de um evanescente ‘método jurídico’, que se pretende ‘puro’ e valorativamente neutro.622

Contudo, a liberdade dos juízes ou tribunais no caso concreto não pode ser confundida com julgamentos solipsistas, ou conforme a consciência do indivíduo, sem qualquer fundamentação ou embasamento623, afastando-se da racionalidade jurídica

e valendo-se somente da racionalidade política.624 Moraes625 reitera que a superação

da subsunção “não pode funcionar como pretexto para se conferir ao magistrado carta branca para decidir, de acordo com as suas convicções pessoais” e por isso aponta o

620 ENGELMANN, Wilson. Direito natural, ética e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007. p. 245.

621 ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: ZOLO, Danilo; COSTA, Pietro. O estado de

direito: história, teoria, crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 90.

622 ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: ZOLO, Danilo; COSTA, Pietro. O estado de

direito: história, teoria, crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 90.

623 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme a minha consciência. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2013. p. 108.

624 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski . Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão

politica. Revista Direito GV, v. 8, p. 037-057, 2012. p. 49.

625 MORAES, Maria Celina Bodin de. Do juiz boca-da-lei à lei boa-de-juiz: reflexões sobre a aplicação-

interpretação do direito no início do século XXI. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 56, p. 11-30, 2013.

dever de fundamentação como forma de controlar os poderes do Judiciário. Barroso626

é claro ao afirmar que não se pretende que o Judiciário se torne uma “instância hegemônica” e nem que se permita a “usurpação da função legislativa”.

Da mesma forma Menke627 parte do aprofundamento de doutrinadores alemães

no estudo de grupo de casos para o preenchimento das cláusulas gerais afirma que ainda que não haja nenhum precedente aplicável e nem regra específica para o caso “deve-se lançar mão da interpretação sistemática, além de observar os preâmbulos e as exposições de motivos da leis” e deles “extrair os valores que integram o sistema jurídico” mas nunca se pode basear uma decisão exclusivamente na “opinião pessoal, rechaçando-se assim o voluntarismo puro”.

Gadamer628 já destacava a função da hermenêutica jurídica “quando o juiz

adequa a lei transmitida às necessidades do presente, quer certamente resolver uma tarefa prática. O que de modo algum quer dizer que sua interpretação da lei seja uma tradução arbitrária.” e continua afirmando que “compreender e interpretar significam conhecer e reconhecer um sentido vigente”629 tratando-se mesmo de um processo de

mediação entre a norma e o caso.

Silva630 defende a discricionariedade pois entende que a decisão é um “ato

volitivo” não devendo o julgador se limitar a reproduzir o texto legal num processo automático de subsunção, numa evidente “sedução pelas regras” ou ainda de reprodução de julgados antecedentes sem vinculação com o caso, num “jurisprudencialismo normatizado”.

Engelmann631 retrata a atividade da compreensão do intérprete como “a

relação entre a pergunta e a resposta” que “permite alargar as possibilidades da hermenêutica” sem que isso importe em “arbitrariedade, mas apenas aponta para um campo de grandes possibilidades projetadas pela consideração da tradição”. Isto é, o fato de haver possibilidades não significa permitir arbitrariedades ou ampliar a discricionariedade do julgador.

626 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 443.

627 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e concreção dos conceitos.

Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 50/2004. p. 9-35. abr./jun. 2004.

628 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. V. I. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 487. 629 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. V. I. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 487.

630 SILVA, Ovídio Baptista da. Da função à estrutura. Revista de Processo, São Paulo, v. 158/2008,

p. 9-19. out./2008.

631 ENGELMANN, Wilson. Direito natural, ética e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

Ávila632 também traz o comparativo do modelo rígido por meio da mera

subsunção, limitando o juiz à correspondência de fato e norma, comparando-o com o modelo aberto, onde o grau de tipicidade é mínimo e a atitude do Judiciário complexa, chamada de concreção, “por meio da qual as consequências jurídicas concretas resultam da polaridade entre os valores sistemáticos e problemáticos”.

A superação da subsunção como forma de aplicar o Direito em sua completude e com neutralidade científica implica em discutir a tênue separação entre direito e política. Ainda que no plano ideal devesse haver uma separação absoluta entre ambos, é característica dos estados democráticos que “uma parcela do poder político seja exercido pelo Judiciário” e por isso apesar de conceitos distintos, devem se conectar. A própria criação da norma na perspectiva narrada no item anterior envolve uma conotação política: “as normas jurídicas não são reveladas, mas, sim, criadas por decisões e escolhas políticas, tendo em vista determinadas circunstâncias e visando determinados fins”.633

Busca-se, portanto, a conotação positiva do termo “ativismo judicial”, pois não está o Judiciário apenas atrelado a regras positivadas, mas sim, incumbe-lhe a função de criar a resposta jurídica, construir a solução adequada para cada questão que lhe é posta, a partir da construção do Direito com base em regras, princípios e todo o sistema jurídico que possa lhe propiciar essa estrutura, na perspectiva de Engisch, Müller e Fachin narradas acima. Não se trata apenas do termo “ativismo” mas sim propriamente na construção do direito634, sempre na “busca da proteção dos direitos

fundamentais e da garantia da supremacia da Constituição”.635

Segundo Engisch636, a discricionariedade deve ser entendida em seu sentido

vinculado, pois mesmo existindo um poder de escolha do intérprete, esse poder deve estar endereçado a um escopo e resultado da decisão que é o único ajustado, pois estará em conformidade com todas as diretrizes do ordenamento considerado como

632 AVILA, Humberto Bergman. Subsunção e concreção na aplicação do direito. In: Faculdade de

Direito: o ensino jurídico no limiar do novo século. (Org.). Antonio Paulo Cachapuz Medeiros. Porto

Alegre: EDIPUCRS, 1997. p. 413.

633 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 448-57.

634 RIBEIRO, Darci Guimarães. Da tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 34.

635 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão

política. Revista Direito GV, v. 8, p. 037-057, 2012. p. 48.

636 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa:

um todo e dos limites impostos pelo próprio caso concreto. Wilburg637 defende uma

“discricionariedade orientada” sendo que resume a sua proposta na abertura e mobilidade do sistema, contudo sem possibilitar uma liberdade total do julgador, pois o próprio sistema, considerado elástico propicia tal orientação.

Inclusive os opositores aos poderes do juiz, que acarretariam solipsismo, ou ativismo no aspecto negativo do verbete638, admitem que não poderá haver cisão

entre interpretação e aplicação das regras e princípios em cada lide julgada. A construção do Direito se dá num círculo hermenêutico onde não há mais a diferenciação entre as fases, restando a concretização do Direito em cada caso específico, com uma maior liberdade e autonomia do Poder Judiciário.

Não se pode negar que o contexto social, os valores, os interesses, (vide figura 1) bem como o costume e a tradição interferem na decisão judicial. “O que se passa na mente dos juízes antes da argumentação e da intepretação é incontrolável tanto na subsunção quanto na ponderação” mas a comunicação advinda do processo decisório é controlável social e juridicamente, pois a justiça exige que a decisão seja “juridicamente consistente e socialmente adequada”.639 Calmon de Passos640 coloca

o costume no conceito de Direito quando afirma:

Todo Direito é socialmente construído, historicamente formulado, atende ao contingente e conjuntural do tempo e do espaço em que o poder político atua e à correlação de forças efetivamente contrapostas na sociedade em que ele, poder se institucionalizou.

Cappelletti641 narra que a toda interpretação é inerente um grau de

discricionariedade, até de criatividade, e que “toda reprodução e execução varia profundamente, segundo a capacidade do intelecto e estado de alma do intérprete” afirmando claramente que “discricionariedade não quer dizer necessariamente

637 WILBURG, Walter. Desenvolvimento de um sistema móvel no direito civil. Trad. Raul Guichard. In:

Direito e justiça: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, v.

14., t. 3., p. 51-75. 2000. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2000.

638 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e Solipsismo: ainda e sempre o problema do positivismo. In:

SANTO, Davi do Espírito. PASOLD, Cesar. Reflexões sobre teoria da constituição e do estado. Insular: Florianópolis, 2013.

639 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença

paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 179-80.

640 Afora o costume, em sua obra Calmon de Passos afirma que o Direito relaciona-se com o político,

econômico e social: PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando o que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 52.

arbitrariedade, e o juiz embora inevitavelmente criador do direito, não é um criador completamente livre de vínculos”.

Engisch642 desde o Século passado, sobre o argumento do solipsismo,

rebateu-o: há aqueles que afirmam que a atuação do juiz é composta pela fase da “descoberta”, onde por meio da sua convicção antevê o julgamento, e só depois passam pela fase da “fundamentação” na qual ampara seu entendimento no ordenamento jurídico, identificando-se dois momentos distintos. Para o autor, essas fases ocorrem simultaneamente, num círculo hermenêutico, e tem na fundamentação seu centro gravitacional. Por meio dela, limita-se entendimentos meramente pessoais e destituídos de alicerce no ordenamento jurídico, aqui entendido não apenas como regra positivada.

Guastini643 trata da discricionariedade judicial com relevante propriedade. Não

a reconhece como um fenômeno maligno, mas sim algo indispensável na ciência jurídica. Afirma não há norma sem interpretação, pois somente essa conferirá àquela a sua atribuição de sentido e a construção do Direito no caso concreto. Até o reconhecimento das zonas de luz ou de penumbra dependerão de ato discricionário do Judiciário, sugere o autor.

Engisch644 retrata o mesmo histórico, analisando o positivismo no Século XIX

e a estrita vinculação do Judiciário ao texto legal. Resume a evolução da regra no Século XX, vislumbrando na atualidade a existência das regras abertas, contendo uma “linha de penumbra”, concedendo discricionariedade e autonomia ao julgador. Müller645 reafirma a discricionariedade reconhecendo que há limites na concretização,

pois “também as normas fundamentais impõem exigências especiais ao poder do juiz de concretizar a norma”. Nesse sentido o papel “Legislativo” do juiz aparece com maior intensidade nas cláusulas gerais:

Mesmo no campo da habitual certeza em relação aos métodos, uma descoberta de soluções jurídicas assim estruturada e não apenas relacionada à realidade, mas que a trata como parte integrante do teor normativo, revelou-se verdadeira tarefa do juiz. A vinculação a um

642 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 2014. p. 85.

643 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin,

2005. p. 148.

644 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 2014. p. 203-8.

645 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

ideal tradicionalmente estrito da metódica jurídica ainda leva a Corte Constitucional Federal a fundamentar, sob a perspectiva político- jurídica, o caráter inevitavelmente Legislativo de conceitos abertos, conceitos jurídicos indeterminados e regras jurídicas gerais.646

O ordenamento jurídico deve ser analisado na sua dupla função: a função psicológica, concretizada pelo direito objetivo, que se mostra como um mecanismo para criar efetividade na hierarquização de interesses, que se viabiliza por meio da sanção. Ou seja, o direito objetivo cumpre a sua função de regular a atitude das pessoas previamente evitando o conflito de interesses. A segunda função, judicial, que se manifesta na atividade jurisdicional, na resolução do conflito de interesses quando o Judiciário deverá apontar a solução do caso concreto. Nessa função o julgador cria o direito, constrói-o no caso concreto, partindo dos valores e diretrizes que a própria sociedade estabeleceu como parâmetro da sua atuação.647

No mesmo sentido Müller648 afirma que a sociologia jurídica “vê a influência da

norma textual sobre a sociedade jurídica sobretudo da perspectiva da eficácia psicológica e sugestiva da pretensão programática e própria da autoridade”, ou seja, no sentido psicológico afirmado acima

Assim se percebe que o ordenamento jurídico é formado por ideais e valores preestabelecidos – diretrizes para a sociedade e o juiz – e que o julgador vai concretizar (criar) o direito subjetivo mediato dentro dessa moldura.649 “Todo sistema

jurídico civilizado procurou estabelecer e aplicar limites à liberdade judicial, tanto processuais quanto substanciais”650 por isso não há que se falar em arbitrariedade ou

solipsismo.

Ainda sobre a discricionariedade e as liberdades, Tepedino651 afirma:

Justifica-se a discordância em relação aos autores que defendem a existência de espaços de liberdade insuscetíveis ao controle constitucional, zonas francas de atuação de liberdade privada. As

646 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Livro eletrônico. Cap. IX.

647 RIBEIRO, Darci Guimarães. Da tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 34.

648 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Livro eletrônico. Cap. X.

649 RIBEIRO, Darci Guimarães. Perspectivas epistemológicas do direito subjetivo. Disponível em:

<http://darcigribeiro.com.br/arquivos/downloads/PERSPECTIVAS_EPISTEMOLOGICAS_DO_DIR EITO_SUBJETIVO.pdf.>. Acesso em: 29 set. 2016.

650 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993. p. 24.

651 TEPEDINO, Gustavo. O direito civil constitucional e suas perspectivas atuais. In: Temas de direito

liberdades privadas são evidentemente garantidas e prestigiadas pelo projeto constitucional, compondo a ordem pública que reafirma a liberdade na solidariedade, na igualdade substancial e na tutela da dignidade da pessoa humana. Vale dizer, a defesa da solidariedade e da igualdade não pode se restringir ao momento patológico do exercício do direito subjetivo, entrando em cena pontualmente como limite legal e extrínseco a liberdade, contendo-a na forma da lei, em geral a partir do binômio dano-reparação, devendo, ao reverso, informar o conjunto de valores que efetivamente definem o quadro axiológico e, portanto nosso agir em sociedade.

A norma não se resume, portanto, ao texto, mas sim ao seu comando dentro do contexto social, realidade. Assim, Müller652 não propõe que se vá além da norma,

mas sim além de seu texto. Nas cláusulas gerais esse raciocínio tem especial relevância pois o seu preenchimento deve ir além do texto, mas não além de seu conteúdo.

Nalin653 explica que na utilização das cláusulas gerais será necessário que o

juiz construa norma, principalmente pela fundamentação e argumentação, para depois individualizá-la no caso concreto. Não se trata de simples fundamentação, mas sim de uma “fundamentação que localize no sistema jurídico como um todo, dentro ou fora do CC, as matizes sociais que levam à conclusão de se estar diante de um comportamento desconforme” ou conforme a boa-fé, por exemplo. Afirma o autor que haveria discricionariedade se não houvesse fundamentação ou se fosse meramente subsuntiva sem construir a norma para o caso concreto analisado.

Daí se afirmar que não há discricionariedade plena, irrestrita e subjetiva, pois os limites do sistema, pela fundamentação e pelas fontes, bem como do caso concreto sempre devem ser observados, e que serão propostos como parâmetros para o preenchimento das cláusulas gerais, tal como se verá no próximo capítulo.

Cappelletti654 ensina que

criatividade jurisprudencial, mesmo em sua forma mais acentuada, não significa necessariamente ‘direito livre’, no sentido de direito arbitrariamente criado pelo juiz do caso concreto. Em grau maior ou menor, esses limites substanciais vinculam o juiz, mesmo que nunca possam vinculá-lo de forma completa e absoluta. [...] Deste ponto de

652 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Livro eletrônico. Cap. X.

653 NALIN, Paulo. Cláusula geral e segurança jurídica no código civil. Revista da Faculdade de Direito

UFPR, [S.l.], dez. 2004. ISSN 2236-7284. Disponível em:

<http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/38320/23376>. Acesso em: 29 set. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v41i0.38320.

vista, a única diferença possível entre jurisdição e legislação não é, portanto, de natureza, mas sobretudo de frequência ou quantidade, ou seja, de grau, consistindo na maior quantidade e no caráter usualmente mais detalhado e específico das leis ordinárias e dos precedentes judiciários ordinários, em relação às normas constitucionais como da mesma forma relativamente às decisões da justiça constitucional. [...] não é diversa a natureza dos dois processos, o legislativo e o jurisidicional, ambos constituem processos de criação do direito.

Ou seja, não se está defendendo uma discricionariedade ampla e irrestrita, partindo-se do grau zero, mas sim a construção judicial do Direito no caso concreto a fim de que a função judicial do julgador seja cumprida com resultado. “O Estado constitucional exige um apto para enfrentar com sucesso, em cada caso, a relação paradoxal entre regras e princípios jurídico-constitucionais” não se busca nem um