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4 A LEGITIMIDADE DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO

4.4 PODERES DO JUIZ NA CONCREÇÃO DO DIREITO: AMPLIAÇÃO DOS

Nesse cenário, onde o processo e o Poder Judiciário assumem especial relevância como instrumentos de participação da pessoa, cabe analisar como se dá a concreção do Direito por meio da formulação pelo julgador da resposta estatal ao caso concreto.

Nesse novo modelo a aplicação do Direito não mais é um processo lógico- subsuntivo, mas sim uma construção a partir de fatores alheios ao plano normativo, apontados por Ávila800: a finalidade concreta da norma, a pré-compreensão, a

valoração judicial dos resultados da decisão, o precedente judicial e o consenso, a seguir expostos.

A finalidade concreta da norma é identificada pelo autor na busca pelo sentido da regra positivada, das suas razões de ser. Afirma que a aplicação da norma não é apenas um processo lógico, mas sim criativo, envolvendo integração de interesses e valores concretos, entre eles o sentido normativo.

A pré-compreensão tem sua importância desde a escolha da regra a incidir no caso concreto, bem como na designação de seu significado. Não se pode negar a sua existência, mas sim adequá-la às regras do ordenamento unitário. Aqui vale citar Müller quando afirma: “em regra uma decisão já não é possível nessa etapa de concretização sem a antecipação interpretativa do sentido possível da norma, que transcende a competência da gramática e da filologia”.801

Já a valoração judicial dos resultados da decisão implica na análise de seus resultados, ao passo que o precedente802 tem seu destaque, em especial na

composição dos valores que compõe o preenchimento da norma aberta, pois é ele que transforma os fatores metajurídicos em elementos jurídicos pois, mesmo sem o efeito vinculante tem sua efetividade como uma decisão preliminar, diante de seu caráter informativo. Terão sua contribuição em assegurar a uniformidade das decisões

800 AVILA, Humberto Bergman. Subsunção e concreção na aplicação do direito. In: Faculdade de

Direito: o ensino jurídico no limiar do novo século. (Org.). Antonio Paulo Cachapuz Medeiros. Porto

Alegre: EDIPUCRS, 1997.

801 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Livro eletrônico. Cap. IV.

802 Sobre o precedente como parâmetro do preenchimento da cláusula geral v. Item 4.4.2.2 sobre a

e a continuidade da jurisprudência. Nesse mesmo sentido Cappelletti e Garth803

admitem que as demandas e seus resultados terão repercussões coletivas.

Ávila aponta, por último, o consenso como fundamento parcial da decisão, considerando que o diálogo entre teses contraditórias proporcionado pelo processo visa a adequação da decisão aos valores do meio social, pela utilização dos topoi.804

Todos esses fatores, segundo Ávila, são limitadores na construção do Direito e na aplicação da norma positivada, pois sua utilização não leva o julgador à uma decisão sem fundamentação, pelo seu livre arbítrio.

Müller805 admite que nos casos que não se resolvem pela subsunção, nos

casos em que “a concretização da norma pode coincidir com a aplicação”, portanto nos casos complexos, não se pode negar que a pré-compreensão aparece de forma consciente ou inconsciente. Não se pode retirar totalmente, mas se pode controlar pela “teoria constitucional material” fazendo a adequação da decisão ao contexto constitucional, em especial principiológico, daquele momento. Dito de outro modo, não se pode negar a existência da pré-compreensão, mas a tarefa da teoria constitucional por meio dos princípios, tem condições de efetuar o controle de seu conteúdo com maior rigor:

Com vistas à pergunta pela relação entre direito e realidade, a doutrina da teoria constitucional como hermenêutica constitucional necessita de uma complementação referente a dimensão do método, que permita informar até que ponto e por qual caminho elementos da realidade, quer dizer, também da pré-compreensão pré-jurídica, não jurídica, se podem tornar eficazes para a concretização da norma e controláveis nessa mesma concretização por meio da formulação e diferenciação conceituais.806

Acerca dos precedentes citados acima, deve-se ter em mente que não se pode entendê-los mecanicamente como um processo de subsunção de uma súmula ou julgado de tribunal superior a um caso semelhante em primeiro grau de jurisdição.

803 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sérgio Fabris, 1988. p. 72.

804 AVILA, Humberto Bergman. Subsunção e concreção na aplicação do direito. In: Faculdade de

Direito: o ensino jurídico no limiar do novo século. (Org.). Antonio Paulo Cachapuz Medeiros. Porto

Alegre: EDIPUCRS, 1997.

805 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Livro eletrônico. Cap. V.

806 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Deve-se buscar uma aplicação “de modo discursivo”807 a partir dos fundamentos

originais e das identidades verdadeiras entre os casos concretos. Aparecem desde já dois parâmetros propostos à frente como limitadores no preenchimento de cláusulas gerais, a fundamentação e o caso concreto.

Costa808 ao analisar o Rechtsstaat aponta que o “Estado Legislativo” de mera

regularidade e conformidade à lei não corresponde necessariamente ao “Estado de Justiça”, onde se busca a ordem concreta do povo, e quando analisa a crise do Estado de Direito afirma:

não é suficiente, então, tornar controlável a administração ou a legislação: é preciso ir à raiz do problema, é preciso destruir (corrigindo Dicey) o mito da onipotência parlamentar e apelar para a ideia de um rule of law identificado com a intangibilidade de uma ordem jurídica que, confiada à sabedoria dos juízes e dos juristas, se desenvolve ao abrigo de decisões unilaterais e ‘arbitrárias’ do legislador809

Não se pretende, contudo, ampliar o poder do intérprete de tal modo a propiciar julgamentos subjetivos, mas sim adequar a norma de decisão ao ordenamento jurídico, unitário, permitindo a sua construção de acordo com as normas que orientam o sistema como um todo. Segundo Müller810 a norma de decisão não tem autonomia

total diante da norma jurídica, mas esta também “não está nem pronta nem é simplesmente passível de ser aplicada”. Ou seja, a norma de decisão deve ser construída a cada caso, baseado em orientação, aplicação, interpretação e compreensão da norma jurídica (aqui não entendida apenas como regra). “A norma de decisão é o estado de agregação mais individualizado da norma jurídica, e não uma entidade autônoma situada ao lado dela”.811

807 NUNES, Dierle. Direito fundamental a um efetivo processo civil constitucionalizado. In: CLÈVE,

Clèmerson Merlin. FREIRE, Alexandre. Direitos fundamentais e jurisdição constitucional: análise, crítica e contribuições. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 356.

808 COSTA, Pietro. O Estado de Direito: uma introdução histórica. In: ZOLO, Danilo; COSTA, Pietro. O

estado de direito: história, teoria, crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins

Fontes, 2006. p. 178.

809 COSTA, Pietro. O Estado de Direito: uma introdução histórica. In: ZOLO, Danilo; COSTA, Pietro. O

estado de direito: história, teoria, crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins

Fontes, 2006. p. 191.

810 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Livro eletrônico. Cap. IX.

811 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito I. Trad. Peter Naumann, Eurides Avance de