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A Urbanização Dispersa na América Latina

2.3 A Urbanização Dispersa

CAPÍTULO 3 A Urbanização Dispersa na América Latina

crescimento espacial das áreas metropolitanas – especialmente as da América Latina – foi bastante acelerado nas últimas décadas do século XX. Esse avanço ocorreu mesmo com a cidade principal de cada metrópole crescendo menos, em termos de população, do que os demais municípios da área.

Como observado no primeiro capítulo, a expansão metropolitana recente é consequência de processos de reestruturação produtiva e da globalização, que levam à transformação e complexificação da urbanização e suas formas. Os novos arranjos espaciais são, em grande parte, decorrentes das mudanças que incidem de modo decisivo sobre as estruturas urbanas preexistentes e seu funcionamento. Na urbanização contemporânea na América Latina ocorrem simultaneamente processos de concentração, com formação de múltiplos centros, e de dispersão urbana, com formas de fragmentação das áreas urbanas em todo o território. Ambos os processos são apresentados a seguir, de maneira resumida, para tornar mais evidente o contraste entre as formas urbanas das sucessivas etapas.

Segundo Reis (2006), a dispersão urbana é um processo de caráter geral, que teve início com a desconcentração industrial e a crescente mobilidade da população. O processo ocorre em países industrializados, que apresentam elevados níveis de urbanização. Como observado na conceituação formulada por esse autor e apresentada no capítulo anterior, o processo de dispersão urbana ocorre a partir da formação de áreas cuja urbanização se estende por um vasto território, de núcleos urbanos separados no espaço por vazios intersticiais, mantendo entretanto vínculos estreitos entre si, formando um único sistema urbano.

As formas de urbanização dispersa desenvolvem-se em áreas de expansão urbana e de atividade rural, em que são observados trechos urbanizados descontínuos, interrompidos por áreas não urbanizadas, que conservam algumas características rurais. Nas periferias das áreas urbanas dispersas, é possível observar a presença de animais soltos, que normalmente são vistos em sítios e fazendas.

A população, tanto em áreas urbanas quanto em rurais, passa a adotar novos modos de vida, com maior mobilidade, o que possibilita a organização da vida cotidiana na escala metropolitana ou intermetropolitana e regional, abrangendo diversos municípios.

O arquiteto Carlos De Mattos (2004) nomeia a dispersão urbana de “Periurbano Difuso”. Ele considera que esse processo se manifesta na atualidade sob novas condições, não sendo mais provocado pelo crescimento populacional das

metrópoles, ocorrido no período industrial fordista. No caso latino-americano, essa redução se deve a dois fatores principais: a diminuição da migração rural-urbana nas últimas décadas do século XX, em que a maioria dos países da região alcançou taxas de urbanização entre 70% e 90%, e a tendência de diminuição da taxa de crescimento demográfico.

Para ambos autores a expansão urbana com áreas de urbanização dispersa segue uma contínua “dilatação metropolitana”, obedecendo menos ao crescimento populacional e mais ao aumento dos deslocamentos rodoviários intrametropolitanos, aumentando o consumo de terra per capita.

A dinâmica urbana em que acontece o processo de dispersão urbana está presente nas principais regiões metropolitanas latino-americanas, com a formação de “arquipélagos” com “ilhas urbanas” interligadas (DE MATTOS, 2004). Ainda segundo esse autor, o fenômeno é similar à dispersão urbana ocorrida nos EUA (urban sprawl), como apresentado no Capítulo 2.

Ao estudar as novas formas de expansão metropolitana na Cidade do México, o geógrafo Adrián Aguilar (1999)1 observa que:

A maior parte do crescimento não corre mais dentro do perímetro urbano, mas se transferiu para um número importante de cidades médias e pequenas dentro de uma região metropolitana a uma distância considerável do núcleo central da megacidade (AGUILAR, 1999, p. 148, apud DE MATTOS, 2004, p. 180).

Com o processo de dispersão urbana ocorre a mudança da escala e a atomização do conjunto do espaço urbano, modificando ainda a relação de interdependência urbana. Dessa maneira, as novas formas espaciais tendem a se vincular a diferentes e múltiplas “seções de cidades” dentro das redes metropolitanas ou regionais (AGUILERA, 2002). Com isso são formadas macrorregiões conectadas por meios físicos e informacionais, como é observado neste capítulo, ao analisar a Zona

Metropolitana del Valle de México, a Região Metropolitana de Buenos Aires e a

Macrometrópole Paulista.

À medida que os deslocamentos rodoviários passam a estruturar cada vez mais o crescimento metropolitano latino-americano, principalmente pelo uso do automóvel,

1 Referência: AGUILAR, Adrián Guillermo. La Ciudad de México em la Región Centro. Nuevas formas

de expansión metropolitana. In: DELGADO, Javier.; RAMÍREZ, Blanca (org.) Transiciones. La nueva

as aglomerações urbanas fortalecem o adensamento ao redor das principais vias de transporte, consolidando uma tendência já presente no período anterior. Isso intensificou a formação de corredores e anéis viários, conformando o espaço de fluxos, conceito descrito por Castells (2012).

A locomoção não ocorre apenas com carros particulares mas também com ônibus e vans fretados, com deslocamentos que partem das residências em bairros dispersos, para diferentes destinos e atividades – trabalhar, estudar, fazer compras, entre outras. No caso da Macrometrópole Paulista, cada morador pode seguir em uma direção, deslocando-se entre 10 e 50 km, as vezes até 100 km, todos os dias ou em alguns dias da semana (REIS, 2006).

A maior mobilidade faz com que o centro verdadeiro da urbanização, para cada indivíduo, esteja na centralidade que passa a ter sua residência, como observa Fishman (1987) no caso de Los Angeles, a partir da qual ele se desloca para as diferentes atividades, ou que, através das redes de comunicação e informacionais, ele exerça ali mesmo a maior parte delas, como num home office. A centralidade pode estar também no próprio indivíduo, que se desloca constantemente e se utiliza de um computador do tipo notebook e/ou de um smartphone para trabalhar, como considera Ascher (1995) e foi abordado no segundo capítulo.

Para Reis o processo de dispersão é muito mais complexo e amplo do que se imaginava inicialmente. É irreversível, com novos padrões de urbanização que vieram para ficar, como observado anteriormente. Dessa forma, a cidade tradicional, com seu tecido urbano contínuo e limites razoavelmente definidos, já não é mais a regra. Mas como lembra esse autor, a cidade não morreu ou desapareceu; ela convive com um número maior de áreas dispersas, que atingem uma superfície total que corresponde em algumas regiões a 30, 40 e até 50% da que ocupa a cidade tradicional. O que estamos vendo na atualidade já havia sido percebido por Melvin Webber (1964, 1968) e Henri Lefebvre (1999), que entenderam que os processos sociais extrapolam para além dos limites da cidade: a explosão da urbanização, que avança pelo território regional, ao mesmo tempo que acontece a implosão da cidade em direção à urbanização total da sociedade, mesmo que virtual, como observado por Castells (2012) e tratado nos capítulos anteriores. Essas formas urbanas dispersas estão cada vez mais presentes na estrutura, funcionamento e imagens dos sistemas urbanos latino-americanos. As áreas dispersas são heterogêneas e correspondem aos diferentes usos, atendendo a objetivos específicos e apresentando formas diferenciadas de ocupação.

As ocupações industriais, comerciais e de serviços estão em sua maioria dispostas ao longo das rodovias ou a pequenas distâncias delas. No caso industrial, elas podem estar também entre as rodovias e as ferrovias. Já as áreas residenciais dispersas tendem a estar localizadas próximas aos entroncamentos dos eixos rodoviários, até mesmo em suas margens, em locais de fácil acesso ou de passagem obrigatória.

Muitas dessas urbanizações são privadas e fechadas, entre muros, cercas e sistemas de vigilância. As formas urbanas dispersas e fechadas são um fenômeno relevante na América Latina, em que o isolamento, utilizando-se de barreiras físicas, está se generalizando nas diferentes atividades urbanas. No entanto, esse encarceramento torna-se mais evidente e gritante no uso residencial voltado para as classes de renda média e alta, com a implantação de condomínios horizontais, loteamentos e megaempreendimentos dispersos e segregados, como o Alphaville no Brasil e o Nordelta na Argentina.

Figura 3.1 – Vista panorâmica do Alphaville em Barueri2. Janeiro de 2010.

Está em curso a fortificação e feudalização do urbano, mas com um componente adicional de exclusão. Estes são sintomas da gravidade dos problemas sociais e urbanos latino-americanos, o que contribui simultaneamente para agravar e salientar a desigualdade social.

A dispersão urbana e as formas urbanas fechadas ocorrem na atualidade por ser o mercado imobiliário o principal planejador urbano, dirigindo o desenvolvimento urbano, como observado por diversos autores. Dessa forma, os projetos urbanos de maneira geral estão cada vez mais relacionados ao retorno do capital investido e à

maior lucratividade. No caso latino-americano, essas formas de expansão urbana vêm gerando inúmeros conflitos socais, ambientais e territoriais.

Isso acontece porque atualmente, como observa o arquiteto e planejador urbano Alfonso Aguilera (2002), os governos e administradores urbanos estão mais preocupados em promover a reativação econômica das cidades do que o ordenamento territorial.

Na pesquisa para a elaboração deste capítulo foram procuradas bibliografias específicas sobre dispersão urbana na América Latina, além das já pesquisadas sobre o Brasil. No caso hispano-americano, à exceção de Carlos De Mattos, as referências abordam o tema transversalmente, pois o seu foco central está nas urbanizações fechadas, principalmente residenciais. Sobre as urbanizações fechadas e a segregação urbana na América Latina, foi utilizado o livro organizado pelo geógrafo Luis Cabrales Barajas (2002)3 a partir das contribuições de diversos

autores que participaram do colóquio “Latinoamérica: países abiertos, ciudades

cerradas”. Este foi realizado pelo Departamento de Geografia da Universidade de

Guadalajara (México) em meados de 20024. Ao abordarem e exemplificarem as

urbanizações segregadas em seus países, esses autores indiretamente tratam do processo de dispersão urbana e das formas urbanas dispersas.

Já no Brasil o estudo do processo de dispersão urbana foi iniciado pelo professor Nestor Goulart Reis no âmbito do Projeto Temático “Urbanização Dispersa e Mudanças no Tecido Urbano”, realizado entre os anos de 2005 e 2008 no Laboratório de Estudos sobre Urbanização, Arquitetura e Preservação – LAP da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP)5.

Essa pesquisa deu origem a quatro publicações sobre o tema6 e a uma rede de

pesquisadores que estudam a urbanização dispersa e as novas formas de urbanização no Brasil, coordenada no LAP. As pesquisas dessa rede abrange

3 Os primeiros livros sobre o tema da segregação urbana foram “Cidade de muros: crime, segregação e

cidadania em São Paulo” de Tereza Pires do Rio Caldeira em 2000 e “Los que ganaron: la vida en los countries y barrios privados” de Maristella Svampa, de 2001.

4 Os trabalhos desse colóquio, contidos no livro de mesmo nome, abordam as urbanizações fechadas

em diferentes países latino-americanos – Argentina, México, Brasil, Chile, Peru e Equador –, envolvendo principalmente as regiões metropolitanas. Não foram utilizados os artigos sobre Chile, Peru e Equador, por tratarem quase que exclusivamente do uso residencial, com condomínios e parcelamentos fechados. Nestes artigos, não eram abordados os usos comerciais e de serviços que completariam o quadro de segregação e, indiretamente, de dispersão urbana nas metrópoles dos seus respectivos países.

5 Essa pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FAPESP.

diferentes regiões metropolitanas, aglomerações urbanas de cidades médias e pequenas, como também microrregiões.

3.1. - Transformações Urbanas nas Cidades Latino-americanas na