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O Processo de Dispersão Urbana

1.3 A Urbanização Contemporânea – Transformações e o Novo Espaço Industrial

CAPÍTULO 2 O Processo de Dispersão Urbana

a atualidade o mundo é predominantemente urbano. Como observado no capítulo anterior, mais da metade da população mundial está vivendo no meio urbano, mas não necessariamente em cidades – entendidas no sentido clássico e mais amplo, de assentamentos humanos em que ocorrem relações entre pessoas e troca de mercadorias.

Françoise Choay (1994), ao questionar a natureza da urbanização contemporânea, constata o progressivo desaparecimento da cidade tradicional. O que ocorreu durante o último século foi a mutação do urbano, ainda que se mantivesse mascarado entre a permanência da terminologia e do mito da cidade. Neste ínterim, demorou-se a reconhecer os sinais da revolução urbana em curso, mas que passa diante dos nossos olhos.

Apenas na década de 1960-70 é que este fenômeno passou a ser percebido, primeiramente de modo empírico e não tão bem definido, como observado nos textos do historiador Lewis Mumford (1998)1 e da ativista Jane Jacobs (2000)2, e

posteriormente de maneira teórico-conceitual pelo urbanista Melvin Webber (1964, 1968) e pelo sociólogo Henri Lefebvre (1999)3.

Webber percebeu a mudança em curso na sociedade ocidental:

 Rompimento da antiga coincidência histórica entre a organização social e espacial que configurava a cidade;

 Processos sociais extrapolaram para além dos limites da cidade, com a urbanização avançando pelo território;

 Uso intenso das redes de transporte, comunicação e informação.

Isso deu origem ao que esse autor denominou de “era da pós-cidade”4, com o

domínio do urbano numa sociedade totalmente urbanizada. As antigas cidades se tornariam obsoletas e acabariam desaparecendo dentro da dispersão, que é muito vasta no território. Estas seriam substituídas por um novo modo de urbanidade, o domínio urbano, com uma sociedade urbana em ampla escala, cada vez mais independente das cidades.

1 Livro originalmente publicado em 1961. Referência: MUMFORD, Lewis. The City in History. San

Diego: Harcourt Brace, 1961.

2 Livro originalmente publicado em 1961. Referência: JACOBS, Jane. The Death and Life of Great

American Cities. New York: Random House, 1961.

3 Livro originalmente publicado em 1970. Referência: LEFEBVRE, Henri. La Révolution Urbaine.

Paris: Gallimard, 1970.

4 Tradução do título original do texto. Referência: WEBBER, Mervin. The Post-City Age. In: The

Conscience of the City. Daedalus, the journal of the American Academy of Arts and Sciences, 1968,

Vol. 97, n. 4.

Lefebvre aborda o urbano como um fenômeno social total, o domínio do urbano que caminha para a totalidade, ao menos virtual. A enorme concentração urbana nas grandes cidades, não só de pessoas, mas também de atividades, consumo, riquezas e bens materiais, fez com que ocorresse a implosão-explosão da cidade. Os múltiplos fragmentos dessa explosão se espalharam pelo território – periferias, subúrbios, residências secundárias e, posteriormente, a urbanização dispersa. A emergência e complexidade da sociedade urbana, com novas funções e estruturas se delineia sobre as ruínas da cidade “clássica”, mas sem que esta última, necessariamente, desapareça por completo.

Hoje a cidade tradicional explodiu e a sociedade urbana, em grande escala, se materializou em sistemas urbanos complexos. Com isso, as novas formas de urbanização e de mobilidade urbana têm assumido cada vez mais um importante papel na vida cotidiana das populações. As relações sociais e econômicas passam a se desenvolver, em grande parte, sobre novas bases territoriais e em múltiplas escalas.

As novas formas e sistemas urbanos possuem dimensões distintas, configurando-se em áreas metropolitanas e grandes aglomerados urbanos formando um continuum urbanizado, como também as mais recentes formas: regiões urbanas, cidades informacionais globais e megacidades de Castells, metápoles de Ascher ou, em menor escala, os conjuntos de cidades médias e polos isolados. Todos estes sistemas incluem formas de urbanização concentradas e dispersas, como observado anteriormente. Há a emergência de novas centralidades, múltiplas, conectadas globalmente através de redes físicas e virtuais, e de novos padrões de ocupação e moradia, com modificações nas inter-relações urbanas e regionais.

Para o arquiteto e cientista social Nestor Goulart Reis (2006) a urbanização contemporânea e, em especial, a urbanização dispersa são parte de uma completa mudança de estado. Assim, o quadro atual da urbanização que se observa não é apenas a mudança da forma, mas segundo este autor, é “um fenômeno completamente novo”. Os processos que afetam a urbanização contemporânea, apesar de terem suas origens em outros tempos, certamente no período fordista, na atualidade não são mais os mesmos de antes. Da mesma forma, as relações socioespaciais que fundamentam esse fenômeno são outras, bem diferentes da urbanização anterior, moderna e fordista. Consequentemente, o conceito clássico de cidade não consegue mais dar conta das atuais manifestações urbanas, como explicitado preliminarmente.

As mudanças de estado que Reis (2006) menciona foram abordadas no Capítulo 1, correspondendo aos novos estágios do comércio mundial avançando para a globalização, os métodos de produção e trabalho flexíveis, e as formas mais complexas de capitalismo informacional e global, entre outras. Essas mudanças estão relacionadas ainda à ampliação dos modos de vida metropolitanos e cosmopolitas para outras áreas urbanas, de maneira a generalizar-se, principalmente, no que se refere à circulação, aqui entendida como mobilidade e conectividade entre as diversas redes e ao consumo.

Desse modo, a urbanização dispersa é um processo de caráter geral que não é específico de um país. Este fenômeno radical leva à superação dos conceitos de cidade e campo, sendo uma mudança de estado.

O processo de dispersão urbana está presente nos EUA, na Europa, nos diversos países da América Latina e em muitas regiões do Brasil. No caso brasileiro, a dispersão urbana pode ser vista como um processo contínuo e crescente, que teve condições propícias para se desenvolver a partir da década de 1950-60. No país, esse processo está claramente relacionado às mudanças no tecido urbano e geram “novas territorialidades”, sendo um processo complexo e diversificado. Desse modo, a dispersão urbana tem se mostrado reestruturante no curso das últimas décadas do século XX e no século XXI, com mudanças mais visíveis após 1990.

Aqui convém uma importante definição sobre o conceito de urbanização, que é entendido por Reis (2006) em dois sentidos: o físico espacial, de extensão do tecido urbano, ampliando-se as áreas urbanizadas no território; e em termos de processo social e demográfico da urbanização, com a adoção de modos de vida urbanos e metropolitanos, bem como a transferência de populações rurais para áreas urbanas, concentradas ou dispersas. Desse modo, o processo social presente na urbanização está centrado na lógica de apropriação, produção, uso e transformação do espaço urbano. Esta definição de urbanização e os seus sentidos é que são utilizados no presente trabalho.

Os núcleos urbanos são polos de intensa articulação de relações sociais, consequentemente de fluxos, seja qual for a configuração do sistema e dos próprios núcleos (REIS, 2006, p. 51).

Como tratado no capítulo anterior, ao olharmos as mudanças em curso nos padrões urbanísticos em uma perspectiva histórica mais ampla, observamos que elas são partes integrantes de transformações mais abrangentes no processo de

urbanização. Neste processo, a dispersão urbana é uma das configurações específicas do estágio atual de desenvolvimento da sociedade pós-moderna (REIS, 2006).

Este capítulo apresenta o embasamento teórico da dispersão urbana para o desenvolvimento da tese. Para tal, faz-se necessário entender a natureza do urbano e das novas formas de urbanização, que extrapolam para além dos limites das cidades tradicionais, primeiro através dos subúrbios e posteriormente com a dispersão urbana. São abordadas as origens do processo de dispersão urbana com as transformações urbanas iniciadas após a Segunda Guerra Mundial, estudando- se este processo nos EUA e na Europa. A América Latina é abordada no próximo capítulo, sendo apresentados exemplos do México, Argentina e Brasil.