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Os Ciclos de Desenvolvimentos Fordista e

Estruturação da Tese

CAPÍTULO 1 Os Ciclos de Desenvolvimentos Fordista e

Pós-fordista e as Transformações do Espaço

Urbano – Origens da Urbanização

Contemporânea

processo contemporâneo de urbanização tem suas origens na transição do ciclo de desenvolvimento fordista para o atual, denominado por alguns autores de pós-fordista e por outros de pós-industrial. Para a compreensão da urbanização contemporânea e do processo de dispersão urbana é fundamental o entendimento das significativas mudanças ocorridas nos processos sociais a partir da segunda metade do século XX – após a Segunda Guerra Mundial – no período de desenvolvimento fordista, bem como na transição para o período atual, pós-fordista. Nesse sentido, foram trabalhados diferentes autores que tratam do processo social em suas múltiplas dimensões – política, econômica, urbana, cultural, ideológica – e sempre com seu rebatimento no espaço, que também é uma dimensão da organização social. Igualmente entende-se a urbanização como parte do processo social.

Os autores que dão suporte teórico a este trabalho são de diversas disciplinas – arquitetura e urbanismo, planejamento urbano, história, geografia humana, sociologia e economia – e seguem distintas tendências ideológicas de cunho marxista, com diferentes formas de caracterizar o processo social e suas dimensões espacial e urbana, bem como a organização do modo de vida cotidiano.

Henri Lefebvre, Mark Gottdiener, Nestor Goulart Reis e Milton Santos entendem que as transformações socioespaciais são produtos de forças que residem em modos de organização social, em que as mudanças ocorrem através de ações sistêmicas da sociedade. Na visão desses autores, os problemas atuais da sociedade estão cada vez mais articulados com os problemas de caráter espacial. Desse modo, eles observam as relações entre as múltiplas dimensões do processo social visando a compreensão generalizada dos processos que produzem e transformam o espaço. Isto pode ser sintetizado em: “o espaço é uma construção social em todas as suas dimensões” (GOTTDIENER, 1993, p. 28).

Assim, a produção espacial é a materialização de processos que envolvem e integram as múltiplas dimensões sociais e que vêm avançando em termos de complexidade e de relações contraditórias conforme a evolução das fases do desenvolvimento capitalista. E a própria transformação do espaço urbano torna-se cada vez mais complexa, com as novas estruturações e formas urbanas que são demonstradas neste trabalho.

Já os autores fundamentados em abordagens do estruturalismo marxista e da economia política urbana, como Manuel Castells e Michael Storper, acreditam que o

“capitalismo”, apoiado nas transformações econômicas e tecnológicas, foi que produziu as mudanças que geraram e reestruturaram o espaço. Autores dessas linhas procuram analisar a transformação urbana em termos mais globais, buscando compreender as relações entre o processo de acumulação capitalista e o espaço. Entende-se assim que as aglomerações urbanas são locais de produção de riqueza através da concentração da força de trabalho e de capital. Com isso, as transformações socioespaciais são reguladas pela lógica de acumulação do capital que compõe o raciocínio econômico dominante.

Como observado inicialmente, na elaboração deste trabalho transitou-se entre múltiplos autores com suas reflexões teóricas e ideologias. No entanto, procurou-se evitar que as ideologias incluídas nos seus pensamentos ofuscassem ou dificultassem o entendimento dos processos reais em análise. O objetivo claro do trabalho é caracterizar as transformações em curso de maneira a explicar a urbanização contemporânea e o processo de dispersão urbana.

Alguns desses autores foram estruturantes para o trabalho, como Reis, Santos, Lefebvre, Mela, Castells e Storper; enquanto outros tiveram inserções transversais, como Webber, Mumford, Choay, Ascher, Secchi, Hall, Gottdiener, Portas, De Mattos e Davis; e outros ainda tiveram inserções pontuais ao longo do texto.

A parte inicial deste capítulo compreende a abordagem sobre o ciclo de desenvolvimento fordista e os processos de urbanização que são antecedentes às transformações que ocorrem na atualidade. No período fordista é que começaram a ser instaladas as indústrias no Vale do Paraíba fluminense, entre as décadas de 1930-40, destacando-se a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Esta empresa, então estatal, forneceu grande parte do aço para a industrialização iniciada na década de 1950-60, com a produção em massa de bens de consumo duráveis, correspondendo à industrialização tardia no Brasil. As mudanças sociais e as formas urbanas desse período deram condições para o posterior aparecimento do processo de dispersão urbana no país.

Na seção intermediária do capítulo são tratados os elementos de base econômica, produtiva, social, política e espacial-urbana que configuraram o ciclo de desenvolvimento pós-fordista, termo que nos parece mais adequado para designar o período atual. Estes elementos conformam as transformações em curso na sociedade pós-moderna e na urbanização contemporânea.

A terceira parte deste capítulo aborda a urbanização contemporânea e a predominância do urbano, consolidando-se na atualidade o fenômeno da urbanização total1. Em seguida são examinadas a relação do espaço, das formas

urbanas e dos lugares com os processos de globalização e as conexões em redes físicas e informacionais, no que foi denominando pelo sociólogo Manuel Castells (2012) de espaço de fluxos. Compreende-se assim que as transformações sociais, econômicas e produtivas são rebatidas espacialmente, configurando o novo espaço industrial com formas urbanas dispersas, desconectadas espacialmente dos demais núcleos urbanos, mas articuladas por autoestradas e, principalmente, por redes informacionais globais.

Para o arquiteto e cientista social Nestor Goulart Reis (2006) as transformações urbanas só se tornam claras quando estudadas num panorama mais amplo, a partir da análise com base numa perspectiva histórica da construção e transformação de conceitos e das características urbanas2. Neste sentido este autor

considera que as mudanças em curso nos padrões urbanísticos são parte de transformações mais abrangentes no processo de urbanização.

A indústria marcou uma nova era na história da Humanidade, com a Revolução Industrial e seus contínuos avanços, que levaram ao deslocamento de parcelas cada vez maiores de trabalhadores para as cidades, provocando a aceleração da urbanização e as extraordinárias transformações na ordem das cidades e do território. Dessa forma, a aceleração dos processos de industrialização e de urbanização trouxe como inovação a presença de trabalhadores em massa nas cidades e nos movimentos políticos. Nesse período os espaços construídos e os conceitos de cidadania foram ampliados para incorporar as massas urbanas (REIS, 2006).

A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII e expandida para outras partes do mundo durante o século XIX, marcou o começo dos ciclos de desenvolvimento industrial. Juntamente com estes, avançaram os ciclos de desenvolvimento urbano, ocorrendo entre ambos os ciclos pequenas defasagens temporais, segundo o sociólogo Alfredo Mela (1999).

Estas transformações industriais e urbanas e suas respectivas conjunturas econômicas são tratadas de modo único como ciclos de desenvolvimento econômico

1 Esse fenômeno, abordado anteriormente, é detalhado ainda neste capítulo.

2 Igualmente a análise de projetos urbanos complexos que se desenvolvem na atualidade exigem

– ciclos de longa duração em que ocorre a ascensão e o declínio de uma determinada configuração do capitalismo –, formando longas ondas de desenvolvimento3 conforme a teoria estabelecida por Nikolai Kondratiev4 em 1926.

A periodicidade de cada ciclo é de aproximadamente 50 anos, com sua dinâmica marcada por inovações tecnológicas que alteram e aceleram a produção, definindo a transição entre eles.

Para o planejador urbano Michael Storper (1990), cada etapa de desenvolvimento consiste em um modelo de produção tecnológico e institucional historicamente determinado que envolve a trama das técnicas de produção, relações de trabalho, métodos de organização e gerenciamento industrial e empresarial, entre outros. Cada um desses modelos surge a partir das possibilidades tecnológicas e inovações disponíveis num determinado momento da história industrial, em conjunto com a estrutura capitalista existente.

Como a duração média desses ciclos de desenvolvimento econômico é de cerca de 50 anos, a história da era industrial inclui quatro ciclos completos e um quinto em curso. O cientista político Christopher Freeman (1984, apud MELA, 1999)5, ao

estudar as ondas de Kondratiev, propôs a classificação dos quatro ciclos econômicos já completos conforme as inovações tecnológicas:

1. 1770-1840 (aprox.) – Primeira mecanização, baseada na indústria têxtil; 2. 1840-1890 – Emprego do vapor como força motriz e desenvolvimento das

ferrovias;

3. 1890-1940 – Introdução da energia elétrica e engenharia pesada; 4. 1940-1990 – Produção em massa do tipo fordista.

As datas de início e término de cada ciclo, estabelecidas por Freeman, são apenas referências temporais aproximadas e sumárias, pois como lembra Mela (1999), o fragmento final de cada ciclo se sobrepõe à parte inicial do ciclo seguinte. E a transição entre dois ciclos de desenvolvimento ocorre com a sobreposição de diferentes processos. Essa transição pode ser percebida no atual ciclo, o quinto,

3 Os Ciclos Longos, também chamados de Ciclos de Kondratiev, são de longo período e não devem ser

confundidos com os ciclos conjunturais, muito mais curtos (MELA, 1999).

4 Russo, economista e um dos teóricos da Nova Política Econômica (NEP, 1921-1928) da União

Soviética (URSS).

5 Referência: FREEMAN, Christopher Paul H. (Ed). Long Waves in the World Economy. Londres:

denominado de pós-industrial6 ou pós-fordista, que já em meados da década de

1970-80 começa a se delinear e a suceder o ciclo anterior, fordista (MELA, 1999). Neste capítulo são abordados o ciclo de produção em massa (fordista), o contemporâneo (pós-fordista), e a sobreposição dos dois com a transição entre eles. O ciclo fordista foi intensificado após a Segunda Guerra Mundial com o forte aumento da industrialização e da desconcentração industrial para os países então pertencentes ao chamado Terceiro Mundo7. Simultaneamente, teve início a

aceleração da urbanização, com a intensa migração campo-cidade e a grande concentração urbana, que nos EUA produziram o esvaziamento das áreas centrais e a expansão em massa dos subúrbios – esta é uma das origens do processo de dispersão urbana. A aceleração da urbanização, com a intensa migração nos países em desenvolvimento, provocou a periferização dos pobres e a baixa qualidade urbanística.

Como observado nas considerações iniciais, há uma forte correlação do desenvolvimento urbano com o crescimento industrial. A história urbana da época industrial e a história da industrialização podem ser correlacionadas e analisadas conjuntamente, principalmente nos países de industrialização mais antiga. Cidade e indústria apresentam dinâmicas coerentes e correspondentes entre si8, mesmo

com alguma defasagem temporal (MELA, 1999). Reis, com sua ampla perspectiva dos processos sociais, sintetiza as transformações urbanas:

Estamos chegando ao final de dois ciclos importantes nos modos de vida social. O primeiro, que se iniciou há cerca de 6 mil anos, com a chamada Revolução Urbana, quando a produção de um excedente agrícola permitiu, pela primeira vez, que uma parte da humanidade passasse a viver em cidades (seriam na época menos de 5% dos habitantes dessas regiões urbanizadas). Outro, que se iniciou com a chamada Revolução Industrial, quando pela primeira vez tornou-se possível a produção de bens em série e em larga escala, permitindo às regiões industrializadas alcançar índices de urbanização próximos de 100% (REIS, 2006, p. 22-23).

6 Evitamos o termo “pós-industrial” pois este parece remeter a um tipo de sociedade ou ao

desenvolvimento econômico com participação reduzida da indústria, o que acreditamos não ser verdade, como é observado ao longo deste trabalho.

7 Os países periféricos, também chamados de subdesenvolvidos, passaram a ser denominados de

Terceiro Mundo após a divisão entre Capitalismo e Comunismo com a Guerra Fria. Os países desenvolvidos formavam o Primeiro Mundo, e os sob orientação comunista eram o Segundo Mundo.

8 Assim, um determinado processo urbano pode ser nomeado conforme a época industrial, ex.

Também com panorama histórico amplo, o urbanista e professor Bernardo Secchi (2007) observa que as novas tecnologias possibilitaram o afastamento físico e a segregação das classes sociais, alterando a forma das cidades e da vida urbana. O telefone, a partir do século XIX, possibilitou interpor distâncias entre escritório e fábrica, modificando o zoneamento tradicional. Com isso, as antigas ruas setoriais, que concentravam usos similares – fabricação de chapéus, couros, ferragens, entre outros –, além da casa e do local de trabalho, deram lugar às múltiplas atividades, áreas centrais diversas e bairros socialmente divididos. De maneira análoga observa-se o processo de suburbanização e a difusão do rádio e depois da televisão, que permitiram levar o entretenimento do centro urbano para dentro de casa. E no mesmo sentido, mas de maneira ambígua, na atualidade as técnicas informacionais e a difusão do automóvel permitiram a dispersão urbana. No entanto, a sociedade e a cidade contemporâneas não podem ser descritas utilizando-se dos conceitos e instrumentos de análise que se dispunha anteriormente, originários do movimento moderno.

No entendimento de Reis (2006), a urbanização contemporânea e, em especial, a urbanização dispersa são parte de uma completa mudança de estado. Assim, o quadro atual da urbanização não é caracterizado apenas por mudanças nas formas urbanas, mas por ser um fenômeno completamente novo. Segundo este autor, os processos que afetam a urbanização contemporânea não são mais os mesmos de outros tempos, certamente no período fordista, assim como as relações que fundamentam esse fenômeno são outras, bem diferentes da urbanização anterior, moderna e fordista.

As mudanças de estado às quais Reis se refere correspondem às transformações ocasionadas pelo conjunto de elementos que compõe as formas mais complexas de capitalismo: a economia informacional e global, os novos estágios do comércio mundial cujo auge é a globalização, as novas tecnologias e os modos de organização do processo produtivo (flexibilizado), entre outros. Estas mudanças correspondem ainda à extensão dos modos de vida metropolitanos (cosmopolitas) para outras áreas urbanas, de maneira a generalizar-se, principalmente, no que tange ao consumo e à circulação, aqui entendida como mobilidade e conectividade às diversas redes. Estas mudanças e seus componentes são tratados neste capítulo. Para este autor, no final do século XX já estava claro que a industrialização conduziu à formação de sociedades totalmente urbanas. O mundo urbano se transformou de modo significativo, em um ritmo mais acelerado do que se poderia

prever há algumas décadas atrás. Dessa forma, as transformações urbanas ocorridas na segunda metade do século XX podem ser sintetizadas em três aspectos principais:

 Elevação crescente dos índices de urbanização em todos os continentes;  Aparecimento de regiões com índices de urbanização próximos de 100% em

diferentes países - numa tendência à urbanização total;

 Surgimento nessas regiões e países do processo de urbanização dispersa, que pode ser considerada como uma modalidade de metropolização extensiva, dispersa, descontínua e policêntrica.

O quadro em que estas mudanças estão se manifestando pode ser apenas o primeiro estágio de um processo que poderá nos surpreender de modo ainda mais significativo no futuro. E as questões urbanas que estão se manifestando dificilmente podem ser abrangidas pelo uso do conceito de cidade e suas ambiguidades9 (REIS, 2006).

O processo de reindustrialização em curso no Vale do Paraíba fluminense motivou o surgimento de múltiplas atividades urbanas, implantadas de forma dispersa pelo território regional. Estas profundas mudanças no território regional são consequência dos diferentes processos e transformações apresentados neste capítulo, que é parte do embasamento teórico conceitual para a compreensão das hipóteses formuladas e da validação desta tese de doutorado.