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2.1 Antecedentes da Dispersão Urbana

O processo de dispersão urbana já vinha ocorrendo anteriormente nos Estados Unidos da América (EUA) e Europa, mas sendo confundido com o processo de suburbanização em massa5, iniciado nos EUA a partir da década de 1920-30, junto

com o período de desenvolvimento fordista, e intensificado no pós-guerra. Essas áreas residenciais eram dependentes dos centros urbanos e estão distantes desses, sendo conectados por autoestradas.

O arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright começou a desenvolver em 1924 um modelo de formas urbanas decentralizadas, denominado de Broadacre City, que integrava numa única forma o urbano e o rural, com uma arquitetura orgânica, associada à paisagem. Este modelo foi apresentado somente em 1935. A arquitetura proposta por Wright valorizaria a liberdade individual, ao mesmo tempo em que os equipamentos urbanos dariam o senso de comunidade. As conexões ocorreriam através das redes de comunicação e transporte, com vias independentes para a circulação de automóveis e caminhões. Já a economia seria independente e de subsistência, com pequenas atividades rurais, industriais e de serviços,

5 Aqui convém destacar uma diferenciação importante no conceito de subúrbio, entre o processo de

suburbanização norte-americano e o ocorrido na América Latina. Nos EUA, a expansão periférica é voltada para as classes média e alta, com a ocupação urbana, em sua maioria, de baixa densidade. Na América Latina e especificamente no Brasil, o processo de suburbanização se difere do ocorrido nos países desenvolvidos na maioria dos casos. Nestas regiões, a suburbanização é melhor entendida como periferização. Até recentemente, as periferias das cidades eram ocupadas por trabalhadores e pela classe pobre, apresentando densidades médias e altas de ocupação e em localizações distantes dos centros e polos de trabalho, sem bom atendimento de infraestruturas e de transporte.

promovendo uma vida interessante e variada, com o homem ficando “íntimo” da natureza. Wright previa um governo mínimo, em que o arquiteto-chefe definiria os limites e as implantações.

Figura 2.1 – Croqui mostrando uma perspectiva da Broadacre City. Sem data6.

Os conceitos apresentados na Broadacre City não foram bem aceitos e considerados utópicos. O projeto foi criticado pelo determinismo arquitetônico e falta de urbanidade, e, principalmente, de não haver espírito coletivo, além de encorajar a suburbanização e o desperdício de recursos. Wright foi inicialmente considerado ingênuo. No entanto, ao levar o arquiteto finlandês Alvar Aalto para conhecer os subúrbios de Boston já no pós-guerra, este último não teve dúvida de que foi Wright e a visionária Broadacre City que tornaram possíveis a expansão suburbana nos EUA (HALL, 2002).

Figura 2.2 – Vista aérea da maquete da Broadacre City. Sem data7.

A suburbanização foi acentuada e tornada massiva nos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Para o professor Peter Hall (2002)8, o crescimento suburbano foi

baseado em quatro pontos principais:

 Nas estradas que penetravam áreas onde o transporte de massa não estava presente;

 No zoneamento do uso do solo, que produziu áreas residenciais homogêneas e com valores imobiliários estáveis;

7 Disponível em: <www.archined.nl/archined/uploads/pics/utopia4.jpg>. Acesso em: 28 Mai. 2014. 8 Livro originalmente publicado em 1988. Referência: HALL, Peter. Cities of Tomorrow. Londres: Basil

 No financiamento através de hipotecas, que garantiram prazos longos e juros baixos para famílias de renda mais baixa;

 Na explosão da natalidade conhecida por “baby boom”, à medida que os soldados retornaram da guerra, o que aumentou a demanda por casas unifamiliares.

O repentino crescimento populacional deflagrou a explosão imobiliária suburbana, relacionada ainda à popularização do automóvel. Este modelo deu origem ao estilo de vida suburbano norte-americano.

Entretanto, as transformações urbanas e as formas de urbanização foram além da suburbanização em massa. No entendimento do sociólogo Mark Gottdiener (1990, 1993)9 e do estudioso do planejamento urbano Robert Fishman (1987)10, a

transformação das metrópoles norte-americanas e seus entornos pelo fenômeno de desconcentração urbana em grande escala, iniciada na década de 1950-60, geraram formas urbanas novas.

Gottdiener (1993) nomeia este fenômeno como “desconcentração” e comprova que a transformação da forma espacial deu origem à “região metropolitana espalhada”11,

com múltiplos centros e diferentes esferas de influência. O fenômeno de desconcentração urbana corresponde ao aumento absoluto da população e da densidade de atividades fora das áreas tradicionais de concentração populacional. Segundo este autor, o fenômeno ocorreu em todos os tipos de assentamentos, nos dois extremos – centro e periferia – da região metropolitana, num processo de expansão suburbana e de formação de múltiplos centros.

Desse modo, a desconcentração do espaço urbano criou uma nova forma espacial que abrange: a reestruturação das áreas anteriormente rurais e de lazer e que foram transformadas em subúrbios, no processo mencionado anteriormente; e a reestruturação das áreas centrais para que se adequassem à dispersão da população e das atividades econômicas. Esses processos de reestruturação, associados à desconcentração urbana, alteraram os níveis de força e as relações de

9 Esse estudioso das transformações urbanas norte-americanas publicou em 1985 o livro The Social

Production of Urban Space, lançado em português em 1993. Já em 1990 foi publicado um artigo

atualizado diretamente em português. Referência principal: GOTTDIENER, Mark. The Social

Production of Urban Space. Austin: University of Texas Press, 1985.

10 Por Fishman descrever o e conceituar o processo de dispersão urbana norte-americano, este tema é

abordado no item que trata especificamente da urbanização dispersa nos EUA, na continuação deste capítulo.

produção, e consequentemente as dimensões espaciais. Com isso as diferentes atividades urbanas, antes concentradas nas áreas centrais, foram trasladadas para as franjas e interstícios urbanos, dando origem às formas urbanas dispersas além das então já tradicionais formas residenciais suburbanas.

Para Gottdiener (1990), a nova forma de desconcentração espacial ocorrida nos EUA foi consequência da articulação de seis diferentes fatores que são interdependentes:

 Racismo;

 Aumento dos gastos militares e a permanente economia de guerra (Guerra Fria);

 Setor imobiliário ativo como circuito secundário do capital;  Intervenção ativa do Estado;

 Tecnologia e conhecimento como fontes de transformação e como forças produtivas;

 Busca de fontes de mão de obra e reorganização da estrutura empresarial. Na percepção desse autor as novas formas espaciais são produtos destes seis fatores, que são partes de um conjunto intrincado de causas e que vêm operando nos EUA durante muito tempo. Estes fatores não seguem uma lógica muito bem definida, pois existem diferentes graus de autonomia entre eles para que se configure um padrão.

A segregação de grandes partes das áreas urbanas norte-americanas por motivos raciais começou na década de 1950-60, período em que foi intensificada a transferência da classe média branca para os subúrbios. Desse modo, a suburbanização em massa esvaziou os centros urbanos da presença das famílias de classe média com filhos. Simultaneamente, muitas cidades receberam ondas de migração negra e hispânica, estes últimos vindos, principalmente, de Porto Rico e do México. Ao mesmo tempo, teve início a desconcentração e a descentralização industrial interna norte-americana, devido aos efeitos gerados pela forte organização dos sindicatos, presentes nas principais cidades. Essas transformações sociais e de composição da população tiveram como consequências as fragmentações sociais e os problemas étnicos que levaram à mobilização de movimentos sociais e aos confrontos ocorridos nos anos 1960-70.

Também durante a década de 1950-60 os orçamentos militares norte-americanos voltaram a crescer com início da Guerra Fria. Isso levou à implantação de

instalações e indústrias voltadas para atividades bélicas em localidades suburbanas, contribuindo para a dispersão regional. Ao mesmo tempo, foram criadas iniciativas de pesquisa e desenvolvimento associadas às despesas militares e à expansão da indústria bélica, financiadas com recursos do Estado norte- americano. Entre essas iniciativas teve início em 1969 a formação de uma rede de comunicação eletrônica entre universidades e centros de pesquisas militares chamada ARPANet12, origem da atual Internet. Essa economia de guerra facilitou a

criação de uma nova base industrial associada à alta tecnologia, possibilitando a transição para o atual período de desenvolvimento industrial pós-fordista.

O conhecimento e a tecnologia são fatores de transformação espacial, como foi visto no capítulo anterior. Desse modo, a adoção de tecnologias de transporte e comunicação e as mais recentes, informacionais, resultaram em transformações profundas, com estas tecnologias sendo elementos constitutivos da sociedade. É também nesta fase que se inicia o crescimento espetacular dos novos polos tecnológicos, como o Vale do Silício na Califórnia, simultaneamente ao esvaziamento e à desindustrialização das áreas centrais.

Figura 2.3 – Stanford Industrial Park, Califórnia, 1960. Origem do Vale do Silício13.

12 A Advanced Research Projects Agency Network (ARPANet) foi financiada pelo Departamento de

Defesa norte-americano.

Ao mesmo tempo, as novas formas de produção e as novas relações entre o capital e o trabalho, ambas flexibilizadas em grande parte pelo emprego da tecnologia, alteraram as relações socioespaciais. Essas mudanças possibilitaram ainda as alterações nas estruturas de gestão empresarial, além da internacionalização do capital, que permitiram uma maior desconcentração da indústria com a multiplicação das unidades produtivas e diversificação dos produtos. Esta foi a base para a empresa multinacional e a formação de um sistema internacional do qual posteriormente surgiria a globalização.

O aumento da construção, principalmente a suburbana, graças à migração interna e ao aumento da natalidade com a geração dos baby boomers no pós Segunda Guerra Mundial, levou ao aumento da especulação imobiliária, uma das principais fontes de enriquecimento nos EUA. Este mercado foi abastecido pelos fortes subsídios e incentivos fiscais 14 para novas construções e infraestruturas,

principalmente viárias, como também pelos estímulos à tomada de empréstimos bancários e hipotecas. Isso fez com que volumosos recursos fossem canalizados para a incorporação imobiliária, que assumia inúmeras formas. Em muitos casos, burlavam-se as restrições das regulações estatais, como o zoneamento e o código de edificações, que permaneceram fracos e ineficazes. As poucas restrições levaram ao crescimento desordenado e à rotatividade de usos.

Além dos investimentos estatais em moradias e infraestruturas dispersas, foram também gastos recursos em programas de renovação urbana das áreas centrais de cidades norte-americanas. Desse modo, as ações combinadas de intervenção e regulação estatais, atuantes desde de 1950, patrocinaram as formas de reestruturação espacial tanto das áreas suburbanas quanto dos centros tradicionais, dando origem ainda às novas formas urbanas dispersas.

Apesar do modelo da Broadacre City de Wright não ter sido aplicado na expansão suburbana norte-americana, esta avançou com a grande migração populacional em direção aos subúrbios de massa.

Para dar conta da expansão suburbana em massa surgiu um novo tipo de construtor que se utilizou de um modelo de negócios voltado exclusivamente para o mercado imobiliário e com baixa qualidade urbanística. Nesse modelo eram priorizadas as obras em grandes escalas, aliando o espírito fordista de produção em

14 Estes ainda eram relacionados aos programas de investimentos públicos do New Deal após a grande

série com a propaganda, e assim alternava-se fortemente a paisagem norte- americana.

Nessa linha, os irmãos Levitt revolucionaram a construção civil dos EUA pelo emprego de novas tecnologias de materiais e pré-fabricados, utilizando projetos modulares de casas15 e lotes padronizados. Isto garantia edificações construídas de

maneira rápida e barata.

Um ano após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1946, os Levitt iniciaram a conversão de 300 acres de solo rural16 em um subúrbio de massa. O projeto

conhecido como Levittown foi localizado em Long Island-NY, a menos de 30 km do centro da ilha de Manhattan (Nova York), na costa leste norte-americana, e teve sua primeira fase completada já em 1948. Rapidamente foram construídas mais de 6 mil casas em conjunto com escolas e serviços comunitários.

Esse empreendimento foi financiado com recursos privados e voltado para um mercado até então inexplorado: o dos soldados que retornavam da guerra e eram beneficiados por uma legislação federal que lhes dava subsídios para compra e financiamento de casas. A procura foi tão intensa que em 1951 o projeto já abrangia 17.544 casas, sendo construído um shopping center ainda na década de 1950-60. Quando do lançamento em 1946 cada casa custava 6.900 dólares, mas quatro anos depois já era vendida por 9.900 dólares (GOTTDIENER, 1993). Sua população era majoritariamente de cor branca, estabelecendo homogeneização social, étnica e de renda17.

Levittown, um dos primeiros empreendimentos urbanos em massa produzidos nos

EUA, foi considerado por muitos autores como a “mais vasta suburbanização isolada da história”. Assim como os demais aglomerados suburbanos dos EUA, esse projeto também criou um estilo de vida próprio para seus moradores. Para Hall,

Levittown resumia-se como “o mais puro estilo caipira à beira-da-estrada norte-

americano dos anos 50” (HALL, 2002, p.352).

Inicialmente a migração residencial para fora das cidades, a partir dos anos 1920- 30, transformou a imagem do subúrbio de lugar bucólico para a de área dormitório, ao mesmo tempo em que concedeu status para a classe média alta com a separação

15 As casas eram construídas no estilo Cape Cod, originário do século XVII na Nova Inglaterra (EUA). 16 A localidade conhecida como Hempstead Plain era famosa pela plantação de batatas e criação de

cavalos. Posteriormente nesta área foi criado o condado de Nassau (NY).

17 Os irmãos Levitt, de origem judaica, diziam que preferiam não vender casas para pessoas negras

porque isso prejudicaria as vendas, pois seus clientes brancos não queriam viver numa comunidade miscigenada.

espacial entre casa e trabalho. O movimento de deslocamento pendular diário era chamado de commutation18. Segundo Gottdiener (1993), posteriormente essa

imagem foi ampliada com a construção em massa de casas e a migração intensa de milhões de norte-americanos para os subúrbios, com o auge da suburbanização entre os anos 1950 e 1965. Nessa época os subúrbios passaram a ser considerados como um modo conformista de moradia, com o espaço organizado ao redor do consumo de massa, principalmente nos primeiros shopping centers e

hipermercados, estando associados ao estilo de vida próprio à beira-da-estrada, como retratado por Hall19.

Figura 2.4 – Imagem aérea de Levittown, 194820.

18 Nome do bilhete de trem utilizado para o deslocamento diário ou em intervalos regulares entre a

residência suburbana afastada e o trabalho no centro urbano.

19 O filme “Foi Apenas um Sonho” (Revolutionary Road, EUA, 2008) baseado no romance de Richard

Yates de 1961 e dirigido por Sam Mendes, e a série de TV Mad Men, exibida pelo canal HBO, retratam o modo de vida suburbano com sua monotonia e frustações.

20 Tony Linck para a Revista Life. Disponível em: <http://tigger.uic.edu/~pbhales/Levittown.html>.

Para Gottdiener (1993) o modo de construção habitacional iniciado pelos irmãos Levitt foi em parte responsável pelo posterior desenvolvimento urbano disperso. Eles prosperaram com o desenvolvimento maciço de subúrbios em massa, criando

Levittowns semelhantes em áreas antes utilizadas para a agricultura em Nova

Jersey, Pensilvânia e Porto Rico.

Os planejadores urbanos não puderam exercer o controle pleno da suburbanização. Com isso, a exploração descontrolada do uso do solo pelos construtores imobiliários e a permissividade dos políticos, aliados ainda aos fatores apresentados por Gottdiener (1990), resultou nos subúrbios de massa: homogêneos, monótonos, repetitivos e de baixa qualidade urbanística.

Inúmeros autores, sendo Lewis Mumford o mais contundente, criticam Levittown e o modelo de suburbanização propagado pelo empreendimento. Das críticas levantadas, Hall destacou as mais frequentes: não obediência às noções europeias de urbanidade (tradicionais), monotonia, desperdício de terra, uso exagerado do automóvel em direção aos centros urbanos, aumento do preço dos serviços urbanos, falta de parques e carência de forma urbana (HALL, 2002). Nisso, Mumford criticou a falta de limites, de tamanho e de forma, comparando este modelo de subúrbio a um estirão de casas que seguem ao longo da via, avançando rumo ao indeterminado e acabando num brejo, como num burgo medieval (MUMFORD, 1998).

Na mesma época, em Los Angeles (na costa oeste), eram construídas comunidades suburbanas em terras de fazendas, em um sistema semelhante ao empreendido pelos irmãos Levitt. Mas esse processo foi além, segundo o jornalista Mike Davis (2009)21. Ricos proprietários residenciais e agentes imobiliários, preocupados em ter

de arcar com os custos de serviços públicos, elaboraram um plano que promoveu a fragmentação metropolitana e uma grande segregação das classes sociais e étnicas a partir da década de 1950-60.

O chamado Plano Lakewood22 estabelecia a criação de novos municípios em que os

serviços públicos vitais (corpo de bombeiros, polícia, biblioteca, entre outros) seriam subcontratados a preços menores do que os praticados pelo Condado de Los

21 Estudioso da história e dos processos socioespaciais de Los Angeles, publicou o livro City of Quartz

em 1990 recebendo inúmeras críticas positivas. Referência: DAVIS, Mike. City of Quartz. Nova York: Verso: 1990.

Angeles23. Com isso, estes serviços eram indiretamente subsidiados por todos os

contribuintes do condado. Os administradores concordaram com o plano, pois evitava a diminuição do seu orçamento e da força de trabalho, mas também por serem contrários à implantação e à consolidação metropolitana, o que lhes tiraria poder (DAVIS, 2009).

Com a criação de municípios próprios dentro do condado, as comunidades suburbanas, denominadas “master planned communities”, teriam total controle sobre o zoneamento e uso do solo, ao mesmo tempo em que evitavam gastos públicos semelhantes aos das antigas cidades.

Essa condição foi melhorada em 1956 com a aprovação, pelo poder legislativo da Califórnia, do chamado Ato Bradley-Burns. Este possibilitou aos governos municipais arrecadar um imposto único de 1% sobre a circulação de mercadorias, que era revertido para uso próprio. Assim, os municípios periféricos que possuíam

shopping centers e outras atividades comerciais puderam financiar seus gastos e os

serviços públicos contratados aos condados, sem ter necessidade de cobrar imposto territorial sobre os imóveis. Isto foi o subsídio direto à fragmentação suburbana, ao mesmo tempo em que enfraquecia a base de impostos das cidades tradicionais. Ainda segundo Davis (2009), o processo aconteceu intensamente durante a década de 1950-60 e no começo da seguinte.

O estudo realizado pelo cientista político Gary Miller (1981)24 sobre o que

denominou de “cidades mínimas” revela que não foi a eficiência municipal nos serviços públicos que motivou a criação dos municípios, mas sim a busca por vantagens econômicas pessoais, com a intenção de isolar as propriedades dos custos de manutenção desses serviços. Para Miller, o “zoneamento fiscal” restringiu a construção de unidades residenciais multifamiliares, aumentou o tamanho mínimo dos lotes para novas habitações e acirrou a competição por centros comerciais (MILLER, 1981 apud DAVIS, 2009).

23 Condado é uma unidade política, administrativa e territorial intermediária entre o estado e o

município. Dentro do condado há os territórios municipais e as áreas não pertencentes a nenhum município, chamadas de “não-incorporadas”. Anteriormente, para pagarem baixos impostos, os proprietários residenciais e industriais procuravam construir nessas áreas não incorporadas. Para o estabelecimento de um novo município, era preciso arcar com uma carga de impostos relativos à contratação de novos serviços urbanos. A instalação de empreendimentos fora dos municípios era um modo de maximizar as vantagens fiscais, mas não permitia ter o controle local do zoneamento (DAVIS, 2009).

24 MILLER, Gary. Cities by Contract: The Politics of Municipal Incorporation. Cambridge: MIT,

Além das vantagens econômicas, esses proprietários estavam interessados em criar uma barreira protetora de moradias unifamiliares ao redor das comunidades, articulando-se em associações com o intuito de fundar municípios e instituir o zoneamento, impondo também regras específicas de comportamento social. O estabelecimento de normas urbanas restritivas tinha como objetivos: valorizar os imóveis (pela exclusividade), assegurar a não expansão imobiliária e manter a baixa densidade de ocupação, agravando ainda a segregação de modo a excluir deliberadamente as classes mais baixas. Algumas dessas “cidades mínimas” utilizaram-se de amenidades variadas de lazer e esportes (golfe, equitação, clube de campo, vista para o mar, universidades) como atrações que funcionam como âncoras para dar valor às residências.

Os enclaves afluentes, com os valores de suas propriedades folheadas a ouro sempre em ascensão, tendem a roubar os contribuintes de renda mais alta, assim como os shopping centers, das primeiras cidades e subúrbios necessitados, intensificando desse