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7. A C OLISÃO DE D IREITOS C ONSTITUCIONALMENTE C ONSAGRADOS

8.1. A V IDEOVIGILÂNCIA – R EGULAMENTAÇÃO L EGAL

Já referimos que a instalação de câmaras de vigilância não é um assunto que passe despercebido. Sítios existem, nomeadamente centros comerciais e estabelecimentos abertos ao público, que advertem para a existência das mesmas, por forma a salvaguardar pessoas e bens. Somos alvo fácil de filmagens no dia-a-dia em ordem a garantir a nossa segurança. “A videovigilância, nos dias de hoje, é um fenómeno omnipresente em espaços públicos e privados, de tal modo que, quando nos deslocamos pelas nossas cidades ou em espaços comerciais, todos sabemos que um número infindo de olhos eletrónicos, sem rosto e estrategicamente colocados, nos vigiam em contínuo, o que se justifica por

142 “It is desirable that criminals should be detected, and, to that end, that all available evidence should be

used. It also is desirable that the Government should not itself foster and pay for other crime, when they are the means by which the evidence is to be obtained. (…). We have to choose, and, for my part, I think it a less evil that some criminals should escape than that the Government should play an ignoble part.” Cfr. Caso Olmstead vs. E.U.A. (1928) – 277 (US) 438, de 04/06/1928, disponível em

73 necessidade de segurança e a racionalização de meios, através do aproveitamento de dispositivos tecnológicos em substituição de agentes de segurança.”143

A era em que hoje vivemos define-se, sobretudo, pela era da tecnologia, pela evolução dos meios e equipamentos tecnológicos disponíveis que oferecem rapidez, velocidade e confiança, pela célere divulgação da informação e o acesso imediato à mesma, pelo instantâneo registo de imagens e sons.

Mas o ingresso na era da comunicação e da tecnologia traz consigo consequências desfavoráveis. Assistimos, cada vez mais, a uma substituição do Homem pela máquina, a uma massificação dos sistemas de tecnologia, a uma imperativa necessidade de aderir aos mesmos, o que atrai, por outro lado, um sentimento de desconfiança generalizado relativamente à possível proliferação de atos de terrorismo e criminalidade organizada. A videovigilância surgiu como uma forma de obter maior segurança de pessoas e bens, pelo que se confiava que com sistemas de câmaras, permanentes e diárias, que registassem o fluxo de pessoas e os estabelecimentos públicos e privados, os cidadãos estivessem protegidos contra quaisquer atentados à sua pessoa e bens.

A videovigilância é, assim, um sistema de controlo de vídeo que, composto por uma ou mais câmaras, capta imagens em tempo real de um determinado espaço público ou privado, do interior ou exterior, e durante um determinado período do tempo ou ilimitadamente. Surge, assim, como uma garantia do direito à segurança, consagrado constitucionalmente no art. 27.º, da C.R.P, que, a par do direito à liberdade, também aí previsto, visa finalidades sociais de proteção de pessoas e bens.

É indispensável falarmos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/09/2011, que trata, precisamente, desta questão da videovigilância, a par de valores como a segurança e a privacidade do cidadão. Sufragamos, no essencial, algumas passagens do sumário desse aresto: “IV – A segurança é um elemento essencial da vida dos cidadãos, consubstanciando-se num direito à existência de um clima de paz e confiança mútua, que lhes permite o livre exercício dos seus direitos individuais, sociais e políticos. V – O direito à segurança não sendo um direito absoluto é, todavia, um direito constitucional (…) é uma garantia de outros direitos fundamentais e, simultaneamente, um direito inscrito no património de cada cidadão.” Mas este acórdão adverte, ainda, para os perigos

143 Cfr. Ac. do TRL, de 10/05/2016, proc. n.º 12/14.7SHLSB.L1.L1-5 (Relator Vieira Lamim), disponível

em

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/358ab50ffb6b524a80257fe8002e11e0? OpenDocument

74 do sistema de videovigilância, nomeadamente, porque o desenvolvimento das tecnologias de segurança é propenso a novas formas de abordagem da criminalidade; “Pode-se dizer que os desafios lançados pelas novas formas de criminalidade, e pelo terrorismo, colocam agora, e mais do que nunca, a questão da liberdade e segurança e do delicado equilíbrio que lhe está subjacente.”144 De facto, o desenvolvimento tecnológico é também favorável a uma maior criminalidade, como o terrorismo e, portanto, os sistemas de videovigilância têm o escopo final de prevenir e reprimir qualquer atentado à integridade física das pessoas e aos danos provocados em bens.

A questão da videovigilância assume contornos menos rigorosos nos restantes ordenamentos jurídicos que, como dissemos, possuem uma maior abertura no tratamento desta questão. Mas em Portugal esta temática é igualmente relevante e, exemplo disso, é a proliferação de casos e decisões que ocupam os Tribunais Superiores.

Assim, no nosso ordenamento jurídico, a videovigilância está incluída em dois domínios: público e privado. O domínio privado encontra consagração legal no Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de fevereiro, que regula a utilização de sistemas de videovigilância pelos serviços de segurança privada e de autoproteção, com vista à proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes.

No domínio público falamos na instalação de câmaras de vigilância em estabelecimentos públicos de utilização comum, e encontra-se regulamentada pela Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro.145

Ora, nos termos do n.º 1, do art. 1.º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, o objeto e âmbito de aplicação desta lei é regular a “(…) utilização de sistemas de vigilância por câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum, para captação e gravação de imagem e som e seu posterior tratamento.” Neste sentido, são enquadrados na presente lei, ao abrigo do art. 2.º, do mesmo diploma, ou seja, é autorizada a instalação de sistemas de videovigilância nos seguintes casos: a) para

144 Cfr. Ac. do STJ, de 28/09/2011, proc. n.º 22/09.6YGLSB.S2 (Relator Santos Cabral), disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/25cd7aa80cc3adb0802579260032dd4a? OpenDocument

145 Que sofreu as seguintes alterações: Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho e pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de

dezembro. Segundo a Deliberação n.º 61/2004, de 19 de abril de 2004, da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o regime da videovigilância encontra aplicação das seguintes disposições legais: a) Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de fevereiro, aplicável à utilização destes meios por parte das empresas que exercem atividade no âmbito da segurança privada; b) Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, aplicável à videovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens; c) art. 20.º, do Código do Trabalho, preceito que delimitou algumas condições em que devem ser utilizados “meios de vigilância a distância no local de trabalho”.

75 proteção de edifícios e instalações públicos e respetivos acessos; b) para proteção de instalações com interesse para a defesa e a segurança; c) para proteção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de factos qualificados pela lei como crimes, em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência; d) para prevenção e repressão de infrações estradais; e) para prevenção de atos terroristas; f) para proteção florestal e deteção de incêndios florestais.

De facto, o mais corrente é sabermos da instalação de sistemas de videovigilância em estabelecimentos comerciais abertos ao público, como por exemplo, hipermercados e outras grandes superfícies comerciais, bem como em outros espaços de comércio ou serviços, como postos de abastecimento. São lugares de utilização comum, frequentados diariamente pelo público, e onde existe risco de ocorrência de ilícitos penais.

O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/11/2011, retrata um caso de furto numa ourivesaria, em que as câmaras de vigilância instaladas nesse estabelecimento foram imprescindíveis para identificar os autores da infração praticada. O Tribunal a quo, baseando-se nas imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância, condenou os três arguidos na pena de 2 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado e, ainda, a pagar ao lesado a quantia de € 18.731,39, a título de indemnização civil pelos danos patrimoniais provocados com a atuação daqueles. Não se conformando, os arguidos recorreram daquela decisão, alegando que aqueles elementos probatórios foram recolhidos “(…) sem o consentimento dos arguidos e em clara intromissão na vida privada destes”, alegando, ainda, que, “os estabelecimentos comerciais não são locais públicos, mas sim locais abertos ao público, pelo que, o que dentro dos mesmos se passa pertence ao foro íntimo e à vida privada de cada um.” Ora, os Juízes Desembargadores de Coimbra, porque a videovigilância visa, essencialmente, finalidades de prevenção de pessoas e bens, atuando como uma manobra dissuasora da prática de eventuais infrações penais, e porque não havia sério risco de atentado à intimidade dos arguidos, consideraram ser “(…) atípica a obtenção de fotografias ou filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, como sucede quando a captação seja feita em lugares públicos, quando visem a realização de interesses públicos ou de factos que tenham ocorrido publicamente.” Neste sentido, entendeu aquela instância superior que a prática de um crime num estabelecimento comercial não integra o conceito de privacidade e, como tal, não pode ser reivindicada a ilegalidade da recolha desses elementos probatórios, suscetíveis de puderem comprovar a prática de um ilícito criminal, porque, eventualmente, estaríamos a violar a privacidade

76 daquele que pratica o crime. “Se a prática de um crime integrasse o direito fundamental à imagem e vida privada, sendo estes direitos invioláveis, resultava que em última instância qualquer prova sobre ela poderia ser tida como ilegal.”146 Pelo que, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que a recolha de imagens dos arguidos a praticarem o furto, feita dentro da ourivesaria, era lícita e admissível como meio de prova.

Salientamos, ainda, a decisão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/03/2008, a propósito do estabelecido na alínea f), do art. 2.º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro. Nos termos da mesma, a utilização dos sistemas de videovigilância tem, também, como finalidade a proteção florestal e a deteção de incêndios florestais. Ora, aquela instância considerou ser lícita a utilização de imagens recolhidas por câmaras de vigilância instaladas num centro de lavagens de veículos para prova da prática do crime de incêndio. Um dos arguidos, condenado numa pena de prisão de 4 anos, recorreu da sentença alegando que a recolha das imagens era ilícita e preenchiam o tipo legal de crime de gravações e fotografias ilícitas. Ora, atentos os factos, os Juízes Desembargadores do Porto, colocaram a pertinente questão: “Mas será que a obtenção de filmagens, efetuadas por particulares, mediante sistemas de videovigilância instalados em locais de acesso público, como sucede com o referenciado centro de lavagens, ainda que não tenha sido notificada a CNPD dessa colocação, constitui um ilícito criminal?” A resposta, considerou aquela instância superior, foi dada, sobretudo, com base no que já foi tratado por outras instâncias em casos semelhantes. Tem-se considerado que é atípica a conduta de quem regista e capta fotografias ou filmagens, ainda que sem consentimento da pessoa visada, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente, quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam decorrido publicamente.147 Já referimos, inclusivamente, que o art. 70.º, do C.C., ao estabelecer a tutela civil do direito à imagem, considera como causa de

146 Cfr. Ac. do TRC, de 02/11/2011, proc. n.º 106/09.0PAVNO.C1 (Relatora Olga Maurício), disponível

em

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/6af3d06ec6ababd28025794800432128 ?OpenDocument. Neste sentido, entre outros, o acórdão do TRP, de 03/02/2010, proc. n.º 371/06.5GBVNF.P1 (Relator Eduarda Lobo), cujo sumário é: “Não é proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocadas em locais públicos, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos respetivos proprietários ou dos próprios clientes perante furtos ou roubos”, e o acórdão do TRC, de 26/01/2011, proc. n.º 68/10.1PBLRA.C1 (Relator Brízida Martins), cujo sumário, na parte que ora nos interessa, é: “4. Não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a proteção de interesses públicos ou hajam decorrido publicamente”, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

77 exclusão do consentimento da pessoa visionada que o registo de imagens seja justificado à luz de “exigências de polícia ou de justiça”, a que deverá ser extensivo, na nossa opinião, e na do acórdão que estamos a analisar, ao direito penal, “(…), face à natureza fragmentária daquele ou ao seu princípio da intervenção mínima, resultante do art. 18.º, n.º 2, da C. Rep.”

E, assim, seguindo a corrente maioritária que admite como elementos probatórios a recolha de imagens através de sistemas de videovigilância, a jurisprudência, caso a caso, considera existir justa causa tanto para o registo daquelas imagens como para a sua reprodução em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 167.º, do C.P.P., porque comprovam a prática de uma infração criminal e a identificação do autor ou autores da mesma. Sendo certo, contudo, que as imagens registadas resultam de uma gravação fortuita, já que as câmaras instaladas no centro de lavagens captaram os arguidos noutro local a praticar um ilícito, foi considerado que tal não afetava a licitude dessa prova. Como bem sintetiza o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, “(…) os fotogramas obtidos através do sistema de videovigilância existentes num centro de lavagem, para proteção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não correspondem a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada.”148

Da busca jurisprudencial efetuada sobre esta temática da videovigilância é corrente os Tribunais Superiores mencionarem a entidade que autoriza a instalação daquele sistema: a Comissão Nacional de Proteção de Dados. Salientamos, contudo, que, no que respeita à instalação de câmaras de vigilância fixas, compete ao membro do Governo, que tutela a força ou serviço de segurança requerente, a decisão de autorizar ou não a instalação daquele sistema, nos termos do n.º 1, do art. 3.º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, sendo certo que esta autorização é sempre precedida de parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados. Segundo o n.º 2, do art. 3.º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, “a decisão de autorização [de instalação do sistema de videovigilância] é precedida de parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), que se pronuncia sobre a conformidade do pedido face às necessidades de cumprimento das regras referentes à

148 Cfr. Ac. do TRP, de 26/03/2008, proc. n.º 0715930 (Relator Joaquim Gomes), disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/24cd01e84ff51ff88025741e0034cc7e? OpenDocument

78 segurança do tratamento dos dados recolhidos, bem como acerca das medidas especiais de segurança a implementar adequadas a garantir os controlos de entrada nas instalações, dos suportes de dados, da inserção, da utilização, de acesso, da transmissão, da introdução e do transporte, (…).”149

O n.º 2, do art. 7.º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, estabelece os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade, na medida em que a utilização das câmaras de vigilância só é autorizada quando tal se mostre adequado à manutenção da segurança e ordem públicas, e para prevenção da prática de crimes. Mais uma vez, a vigilância assume, assim, finalidades preventivas pois só o risco sério de ocorrência da prática de infrações em determinados locais de utilização comum torna impreterível e necessária a autorização de instalação daquele sistema. Complementando com o disposto no n.º 5, do mesmo preceito legal, “a autorização de utilização de câmaras de vídeo pressupõe sempre a existência de riscos objetivos para a segurança e a ordem públicas.” E, aquando da captação de imagens, se estiver em causa o registo de dados pessoais, é a Lei n.º 67/98, de 26 de outubro que determina qual o âmbito dos mesmos, desde logo, no art. 3.º, especificando que “dados pessoais” são, “(…) qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável ('titular dos dados'); (…)”, assegurando a transparência e o estrito respeito pela privacidade, direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos do art. 2.º, da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro.150

O sistema de videovigilância, além de outros dispositivos de registo de imagem e som, está abrangido por aquele dispositivo legal, ao abrigo do disposto no n.º 4, do art.º 4.151 Como referimos supra, a grande maioria das decisões superiores descuram, de certa forma, a questão do prévio licenciamento pela Comissão Nacional da Proteção de Dados para a instalação dos sistemas de videovigilância, admitindo que, independentemente de existir ou não autorização por parte daquela entidade para a colocação de câmaras de vigilância, a recolha das imagens registadas pelas mesmas é válida e admissível como

149 O parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados sendo negativo torna-se vinculativo, não

podendo a autorização ser concedida.

150 A Diretiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, que

estabelecia a proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, que foi transposta para o nosso ordenamento jurídico através da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, foi revogada, pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016.

151 Segundo esta norma, “a presente lei aplica‐se à videovigilância e outras formas de captação, tratamento

e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado ou sediado em Portugal ou utilize um fornecedor de acesso a redes informáticas e telemáticas estabelecido em território português.”

79 meio de prova a valorar em sede de procedimento criminal, porque existe justa causa para tal procedimento, como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal, e constitui, na maioria dos casos, o único elemento necessário à descoberta da verdade material e à realização da justiça. Neste sentido entendeu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/03/2008, a que fizemos alusão e, nos termos do qual, é referido o seguinte: “[d]iga-se, desde já, que a Lei n.º 67/98, de 26/Out., que instituiu o regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, aplicável igualmente à videovigilância [art. 4.º, n.º 4], não impõe o controlo prévio destes sistemas quando não esteja em causa o tratamento de dados sensíveis, considerando-se como tal, entre outras situações, a vida privada do titular dos dados – cfr. art. 28.º e 7.º, n.º 2 desta Lei.”152

A Lei n.º 67/98, de 26 de outubro prevê no n.º 1, do art. 7.º, que, quando se trate de dados sensíveis, ou seja, “(…) dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos”, é obrigatório existir prévio licenciamento por parte da C.N.P.D. para a instalação de sistemas de videovigilância. Assim é sustentado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/11/2011, que já mencionamos supra, no qual é referido o seguinte: “A autoridade nacional cuja atribuição é controlar e fiscalizar o cumprimento das normas em matéria de proteção de dados pessoais é a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). No entanto, e a menos que a questão respeite ao tratamento de dados sensíveis, a lei não exige controlo prévio por parte desta entidade para a instalação de sistemas de videovigilância, tal como resulta dos art. 4º, nº4, 7º, nº 2, e 28º da Lei 67/98, de 26/10.”153

A instalação de câmaras de vigilância em espaços destinados à habitação, como o seu interior e terreno circundante, em que o particular capta imagens de atentados aos seus bens, sendo que a sua única finalidade é a identificação do autor dos danos e a comprovação da prática dos mesmos, ainda que a câmara esteja direcionada para a via pública e registe a passagem de transeuntes que são estranhos à sua propriedade, cremos

152 Cfr. Ac. do TRP, de 26.03.2008, proc. n.º 0715930 (Relator Joaquim Gomes), disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/24cd01e84ff51ff88025741e0034cc7e? OpenDocument

153 Cfr. Ac. do TRC, de 02/11/2011, proc. n.º 106/09.0PAVNO.C1 (Relatora Olga Maurício), disponível

em

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/6af3d06ec6ababd28025794800432128 ?OpenDocument

80 que não se trata de dados sensíveis; ao filmar a passagem de pessoas na via pública não estamos perante um atentado à privacidade de alguém. Como veremos, a par de outros,