• Nenhum resultado encontrado

7. A C OLISÃO DE D IREITOS C ONSTITUCIONALMENTE C ONSAGRADOS

8.4. A T UTELA DO D IREITO P ROCESSUAL P ENAL

Até aqui tecemos algumas considerações acerca do regime da prova proibida, e evidenciamos aquilo que tem vindo a ser a tendência da nossa doutrina e jurisprudência relativamente a essa matéria.

Contudo, não são suficientes os regimes normativos citados, quer o art. 32.º, da C.R.P., quer os arts. 122.º, 125.º e 126.º, do C.P.P. para compreender a questão da validade da prova em processo penal, particularmente, quando falamos de provas obtidas por particulares, sem o consentimento do visado, e relacionadas com a captação de imagens e gravações. Por tal motivo, revela-se pertinente trazer à colação o regime do art. 167.º, do C.P.P., nos termos do qual, “as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal”, regime fortemente influenciado pelo sistema jurídico americano e, particularmente, pelo alemão. Assim o afirma ANDRÉ LAMAS LEITE:

“as proibições de prova contidas no sistema processual português, apesar de receberem

191 Cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Anotação ao art. 126.º, do C.P.P. em Comentário do Código do

Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª ed., Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p. 320.

100 influências das Beweisverbote alemãs e das exclusionary rules americanas foram mais claramente moldadas à luz da experiência germânica, (…).”192

Relativamente ao sistema americano, a expressão exclusionary rules, oriunda do caso Nardone vs. E.U.A., de 1939, deriva, sobretudo, da “(…) resposta dos tribunais aos conflitos concretos segregados pela própria vida. Daí o carácter tendencialmente disperso e fragmentário.”193

À semelhança do estatuído pelo nosso legislador processual penal, as exclusionary rules destinam-se a punir toda e qualquer recolha de prova que esteja em clara violação do consagrado constitucionalmente. “Tratam-se de preceitos de cariz processual que se dirigem apenas às instâncias formais de controlo e não aos particulares (exceto se atuarem sob a direção e em comunhão de esforços com os órgãos de polícia) em que o relevante é o modo como o material probatório chega ao processo, perfilhando-se, assim, uma perspetiva que apelidamos de processualmente auto-subsistente.”194 O que significa que o meio de prova obtido ilicitamente, porque em violação do estabelecido nas leis constitucionais americanas, não pode ser valorado e admitido em juízo.

Pelo contrário, no direito alemão “(…), as Beweisverbote assumem-se como preceitos em que avulta a dimensão substantiva de proteção de bens jurídicos, tendo como destinatários não só os órgãos judiciários e policiais, como também qualquer particular, fundamental se mostrando, ainda, o conteúdo dos elementos de prova e a sua pertinência à esfera da intimidade – perspetiva processualmente aberta, porquanto reconhece a influência das valorações do direito substantivo na modelação do regime das proibições de prova.”195 Assim, no sistema jurídico alemão a matéria relativa à prova proibida está intrinsecamente ligada à lei substantiva; trata-se do “primado da vertente substantiva”, como defende

COSTA ANDRADE, em que o conteúdo da prova releva mais do que o modo pelo qual ela

é trazida ao processo.196

Da leitura do art. 167.º, do C.P.P., denota-se, assim, uma influência da lei penal quanto ao regime da prova proibida, já que a validade da prova constituída por reproduções

192 Cfr. LEITE, André Lamas. “As Escutas Telefónicas – Algumas Reflexões em Redor do Seu Regime e

das Consequências Processuais Derivadas da Respetiva Violação”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, N.º 1, Porto: Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 13 (itálico do Autor).

193 Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra: Coimbra

Editora, 1992, p. 135.

194 Cfr. LEITE, André Lamas. Ob. Cit., p. 14.

195 Cfr. LEITE, André Lamas. Ob. Cit., p. 15 (itálico do Autor).

196 “Aqui é só de forma reflexa e complementar que a tutela processual intervém e acaba por ganhar

autonomia.” Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra:

101 fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou outro processo eletrónico depende da sua admissibilidade prevista na lei penal, e o legislador a elas se refere em termos gerais.

PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE entende que este regime do art. 167.º, do C.P.P, a

proibição de prova, resulta de intromissão na vida privada.197 Cremos, no entanto, que este dispositivo legal relativo à proibição de valoração de prova resulta também nos atentados à palavra e à imagem, pelo que as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por outro meio de processo eletrónico têm de ser entendidas em sentido amplo. Ou seja, o legislador não pretendeu distinguir o crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto no art. 199.º, do C.P.P, do crime de devassa da vida privada, previsto no art. 192.º, do C.P. Assim, as reproduções fotográficas ou fonográficas são ilícitas à luz da lei penal se integrarem o crime de devassa privada, que salvaguarda o direito à privacidade, assim como a norma incriminadora do art. 199.º, do C.P. protege os direitos à palavra e à imagem.

Segundo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/03/2008, parece resultar, assim, “(…) uma nítida modelação ou influência do direito penal no regime de proibição das provas.”198

Anteriormente a Relação de Lisboa, no acórdão de 28/05/2009, tinha-se pronunciado acerca da ligação do direito penal com o regime da proibição de prova do direito processual penal. Segundo a mesma, “(…) na verdade, ao estabelecer-se, no art. 167.º do CPP, que as reproduções fotográficas ou cinematográficas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal, não se estabeleceu uma condicionante de validade da prova assente na mera verificação da tipicidade de uma conduta como crime. Exigiu-se mais: exigiu-se a não ilicitude das mesmas. Ora a ilicitude não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, para além de se encontrar tipificado na lei penal, configure também um ato ilícito e culposo.”199 Posição esta que, entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça veio sufragar no acórdão proferido em

197 Cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Anotação ao art. 167.º, do C.P.P. em Comentário do Código do

Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª ed., Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p. 450.

198 Cfr. Ac. do TRP de, 26/03/2008, proc. n.º 0715930 (Relator Joaquim Gomes). Neste sentido, cfr.

igualmente os acórdãos desta Relação, de 22/09/2010, proc. n.º 125/08.4GAPRD.P1 (Relator Joaquim Gomes), e de 23/11/2011, proc. n.º 1373/08.2PSPRT.P1 (Relator Mouraz Lopes), todos disponíveis em

www.dgsi.pt.

199 Cfr. Ac. do TRL, de 28/05/2009, proc. n.º 10210/2008-9 (Relator Fátima Mata-Mouros). Neste sentido,

entre outros, os acórdãos do TRG, de 29/04/2014, proc. n.º 102/09.8GEBRG.G2 (Relator Maria Luísa Arantes), e de 19/10/2015, proc. n.º 148/1.0PBBRG.G1 (Relator Luís Coimbra) disponíveis em

102 28/09/2011, ao entender que, o facto de o art. 167.º, do C.P.P. fazer depender a validade da prova dos factos obtida através de reproduções fotográficas ou cinematográficas da previsão na lei penal da sua não ilicitude, “(…), não se equaciona tão somente uma condição de validade da prova assente na constatação da tipicidade de uma conduta como crime, mas exige-se, também, que o ato não seja afetado pela sua ilicitude e esta não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, além se encontrar tipificado na lei penal, configure, também, um ato ilícito, e culposo, o que implica a ponderação da existência, ou não existência, de uma causa de justificação da gravação ou da fotografia que se pretende utilizar como meio de prova.”200

Neste seguimento, o art. 167.º, do C.P.P. estabelece uma proibição de prova que resulta da intromissão na vida privada, e que tem como cominação a nulidade das provas obtidas através da reprodução fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou por outro processo eletrónico, salvo consentimento da pessoa titular do direito violado. Ou seja, ainda que uma gravação ou captação de imagem seja licitamente obtida, pode resultar em proibição de prova se reproduzida sem o consentimento do visado. Assim nos diz COSTA ANDRADE: “Acresce (..) que o preenchimento da factualidade típica pode dar-se através da audição não consentida, sem mais. Mesmo pela própria pessoa que fez licitamente a gravação e mesmo tratando-se de palavras que lhe foram diretamente dirigidas.”201

Pertinente é a questão de saber se a conduta é ou não lícita nos termos da lei penal, já que a reprodução/audição de determinados elementos probatórios é lícita e válida, nos termos do art. 167.º, do C.P.P., se for lícita a recolha dos mesmos.

Podemos afirmar que este art. 167.º, do C.P.P. tem alguma ligação com o regime do n.º 2, do art. 79.º, do C.C., particularmente no que se refere ao critério das “exigências de justiça”, que referimos a propósito da exclusão da ilicitude na gravação e captação de imagens e conversas, sendo que existe uma corrente jurisprudencial neste sentido. 202 O acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24/04/2012, entendeu que pese embora o art. 167.º, do C.P.P. declarar expressamente que a imagem ou gravação ilícitas à luz da

200 Cfr. Ac. do STJ, de 28/09/2011, proc. n.º 22/09.6YGLSB.S2 (Relator Santos Cabral), disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/25cd7aa80cc3adb0802579260032dd4a? OpenDocument

201 Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra: Coimbra

Editora, 1992, p. 247. Neste sentido, cfr. LEITE, André Lamas. “As Escutas Telefónicas – Algumas

Reflexões em Redor do Seu Regime e das Consequências Processuais Derivadas da Respetiva Violação”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, N.º 1, Porto: Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 18.

103 lei penal não podem ser usadas em processo penal, a mesma norma não refere em que condições ou em que momento é que tais elementos são ilícitos. “Mas já não diz em que condições será penalmente ilícita, ou não, a obtenção ou utilização dessa imagem (mormente, não afirmando que essa ilicitude não pode ser excluída por razões de justiça – isso está justamente por demonstrar), o que cabe resolver de acordo com os princípios gerais. De certo, a realização da justiça não tem por si, como se referiu, relevo valorativo para excluir a ilicitude da utilização da imagem. Mas já o tem através da mediação do art. 79º n.º1 e 2 do CC, quando admite a utilização da imagem da pessoa por exigências de justiça. (…) E não se vê que o art. 167º do CPP restrinja o alcance desta norma porque, no quadro exposto, têm fins diversos: este posterga a utilização de imagens ilícitas, mas sem delimitar (ou restringir) as condições de legitimação do uso da imagem (da sua licitude), enquanto aquela norma intervém justamente neste campo, ao excluir em certas condições essa ilicitude.” Aplicar sem restrições o n.º 2, do art. 79.º, do C.C., seria admitir sem mais a licitude da utilização das imagens ou gravações em processo penal, à luz do critério das exigências de justiça, o que iria esvaziar de conteúdo o art. 167.º, do C.P.P., e tal não pode acontecer, por um lado porque esta última disposição legal ao visar a utilização da imagem ou gravação, sendo ilícita a obtenção, seria igualmente ilícita a sua utilização nos termos da lei processual penal. Por outro lado, o sentido do critério das exigências de justiça, destina-se a situações concretas de necessidade ou mesmo indispensabilidade na realização da justiça “(…), e num quadro em que a tutela da imagem do visado se encontre numa situação de menor valia intrínseca, ao ponto de a sua ofensa não se mostrar desproporcionada nem ofensiva (ou intoleravelmente ofensiva) do valor intrínseco da pessoa que justifica aquela tutela.”203

Ressalvam-se, contudo, algumas exceções de provas que podem ser valoradas como tal à luz do referido art. 167.º, do C.P.P. Desde logo, a reprodução da materialidade da palavra que consubstancia em si um crime. COSTA ANDRADE entende que o bem jurídico

protegido na norma incriminadora do art. 199.º, do C.P.P. é a própria palavra falada “(…)

203 Cfr. Ac. do TRE, de 24/04/2012, proc. n.º 932/10.8PAOLH.E1 (Relator Maria Filomena Soares). Já em

28/06/2011, outro acórdão da mesma Relação se tinha pronunciado no mesmo sentido, ao entender que a norma do Código Civil afastava a ilicitude tanto do art. 199.º, do C.P. como do art. 167.º, do C.P.P.: “Ora, a citada norma do Cód. Civil não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso.” Cfr. Ac. do TRP, de 14/10/2009, proc. n.º 103/05.5GCETR.C1.P1 (Relator Ângelo Morais). Neste sentido, entre outros, os acórdãos: da mesma Relação, de 03/02/2010, proc. n.º 371/06.5GBVNF.P1 (Relator Eduarda Lobo), e de 16/01/2013, proc. n.º 201/10.3GAMCD.P1 (Relator Ernesto Nascimento), e do TRE, de 28/06/2011, proc. n.º 2499/08.8TAPTM.E1 (Relator José Maria Martins Simão), todos

104 não interessando o seu conteúdo, se representa ou não um segredo, se exprime uma ideia própria ou um pensamento alheio. (…), parece igualmente seguro que o conteúdo do ilícito típico se esgota na simples gravação ou audição não consentidas.”204 Por outro lado, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE refere que pode ser valorada como meio de prova uma gravação que consubstancia em si a prática de um crime, para prova, por exemplo, de um crime de ameaças, porque o n.º 1, do art. 26.º, da C.R.P. não reconhece o direito à palavra criminosa, nem o art. 199.º, do C.P.P. a protege.205 NUNO BOTELHO MONIZ

LUMBRALES partilha também deste entendimento ao afirmar que “pela nossa parte,

parece-nos que o art. 167.° do CPP não encontra aqui aplicação (enquanto norma proibitiva), já que, como referimos no texto, não consideramos criminosa as gravações de voz ou imagem efetuadas nos termos e nas condições previstas para as escutas telefónicas, uma vez que, (…), não reduzimos o alcance das exigências de justiça mencionadas no art. 79.° n.° 2 do CC às necessidades probatórias do processo civil, designadamente nos casos em que esteja em causa o estatuto das pessoas.”206

COSTA ANDRADE defende que a questão só se coloca quando a recolha de gravações

efetuadas por particulares sem o consentimento do visado é “(…) meio necessário e idóneo (nos termos das pertinentes causas de justificação) à salvaguarda de interesses, valores ou bens jurídicos transcendentes ao próprio processo penal. Pela negativa: os particulares não estão legitimados – ao contrário do que sucede, v. g., com os órgãos das instâncias formais (…) – a realizar gravações sem consentimento de quem de direito em ordem à realização de fins imanentes ao processo penal, nomeadamente a condenação de delinquentes e, nessa medida, a realização da justiça, a estabilização das normas e o reforço da paz jurídica.”207 Este autor é bastante inflexível no que respeita à questão relativa à valoração das gravações/ filmagens realizadas por particulares. Para aquele

204 Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. “Sobre a Valoração, como Meio de Prova em Processo Penal, das

Gravações Produzidas por Particulares”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro Eduardo Correia, Vol. I, Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1984, pp. 599-600.

205 “(…), uma vez que o artigo 26.º, n.º 1, da CRP não reconhece um direito à palavra criminosa e, portanto,

o direito penal, incluindo a incriminação do artigo 199.º, do CP, não protege a palavra criminosa, isto é, as

conversas relativas aos atos preparatórios e de execução de crimes, (…).” Cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto

de. Anotação ao art. 167.º, do C.P.P. em Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª ed., Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p. 450.

206 Cfr. LUMBRALES, Nuno B. M. . “O direito à palavra, o direito à imagem e a prova audiovisual em

processo penal”, em Revista da Ordem dos Advogados, Vol. II, Ano 67, Lisboa: Ordem dos Advogados, 2007, p. 693.

207 Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. “Sobre a Valoração, como Meio de Prova em Processo Penal, das

Gravações Produzidas por Particulares”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro Eduardo Correia, Vol. I, Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1984, pp. 611-612.

105 autor, as finalidades do processo penal não podem coadunar-se com a valoração de todo e qualquer meio de prova trazido ao processo por particulares, pois a eficácia da Justiça não é um valor absoluto e a prossecução da mesma não pode ser feita a todo o custo. O mesmo é afirmar que não podem ser praticados atos ofensivos da dignidade humana, praticados por outrem, para retirar daí qualquer vantagem na realização da Justiça ou na prossecução da descoberta da verdade material. “Em conclusão, e em termos práticos vale afirmar: o propósito de carrear provas para o processo penal não poderá, enquanto tal, excluir a ilicitude penal das gravações incriminadas segundo o art. 179.º [atual 199.º] do Código Penal”208 COSTA ANDRADE entende que o art. 167.º, do C.P.P. representa “(…) a consagração positivada da opção do legislador de não reconhecer à realização da justiça criminal – pese embora a sua inquestionável dignidade constitucional – a prevalência necessária para justificar, só por si e para além das áreas de justificação oferecidas pelas autorizações legais positivamente sancionadas, os atentados à palavra ou à imagem.”209 As finalidades do processo penal não podem legitimar a recolha de elementos probatórios, imagens ou gravações, feita por particulares e sem o consentimento do visado, assim como não legitima a sua valoração e utilização em processo penal. Tais elementos levados ao processo configuram, nas palavras de COSTA ANDRADE, uma “(…) forma autónoma

de devassa, agravando ou renovando a danosidade social que a lei quer prevenir.”210 O direito à palavra, a par do direito à privacidade, é um direito fundamental consagrado constitucionalmente. Contudo, a recolha de uma gravação que comprova em si um crime, seja através da própria confissão, seja através da consumação do mesmo, pode ser levada em consideração e ser valorada como prova no âmbito do processo penal. O interesse preponderante na realização da justiça, aliado ao interesse da vítima na descoberta da verdade material podem ser tidos em consideração para indagar da valoração daqueles elementos probatórios, até porque tanto a lei fundamental como o legislador ordinário não reconheceram nem salvaguardaram o direito à palavra criminosa.211

208 Ibidem.

209 “(…), tanto a produção como a utilização (valoração) das gravações e fotografias configuram, mo plano

substantivo, expressões irredutíveis de ilicitude criminal.” Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. Anotação ao

art. 199.º, do C.P. em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pp. 1226-1227.

210 Cfr. ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra: Coimbra

Editora, 1992, pp. 156-157.

211 Já COSTA ANDRADE nos diz aparecer uma “(…) rica fenomenologia de constelações de casos

paradigmáticos, com uma presença significativa na vida quotidiana, na experiência jurisprudencial e na reflexão dogmática. E em que avultam situações como: a gravação por parte da vítima de um crime de Extorsão ou Coação das comunicações telefónicas ou diretas do agente; a gravação das expressões injuriosas por parte da vítima de um crime de Injúrias; a gravação de propostas de Corrupção ou de

106 A maior parte da jurisprudência, relativamente a este art. 167.º, do C.P.P. e a sua ligação ao regime da proibição de prova, tem-se debruçado sobre os casos de videovigilância. Na doutrina, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE entende que, tanto as fotografias como as

imagens captadas, porque o direito penal não tutela a materialidade da imagem do crime, à semelhança do que acontece com a palavra, são prova válida e admissível por estar excluída a sua ilicitude à luz da lei penal.212

O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/05/2016, pronunciou-se no sentido de admitir determinadas imagens captadas por um sistema de videovigilância instalado no interior da habitação, para prova da prática de um crime de ofensas à integridade física. Entenderam os Juízes Desembargadores que as imagens em causa não foram recolhidas de forma ilícita. Em primeiro lugar, porque tais imagens, apesar de dizerem respeito a dados pessoais, não eram qualificados como sensíveis à luz da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, não era obrigatório o prévio licenciamento por parte da C.N.P.D., mas tão somente uma notificação para o tratamento dos mesmos. A questão coloca-se, desde logo, em saber se a falta dessa notificação resulta na impossibilidade de valoração de tais imagens como meio de prova. Entendeu a Relação de Coimbra que: “A captação das