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A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONQUISTAS

2. O QUE É VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER?

2.3. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONQUISTAS

Os movimentos feministas no século XX tiveram um papel essencial na mudança dos paradigmas em que se assentavam e se justificavam as relações incongruentes em que as mulheres estavam inseridas como parte oprimida, que não tinha os direitos minimamente reconhecidos. Conquanto se apresente em forma de paradoxo, a democracia e os seus ideais já possuíam em sua essência, definições excludentes, porque certos grupos de indivíduos não podiam participar de forma ativa das decisões intrínsecas do processo político da sociedade. As mulheres

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Diferenças de Salário: o lugar da mulher no mercado de trabalho.Trabalho apresentado por Alexandre Pinto de Carvalho e Roberta Guedes Barreto, no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

constituíam um desses grupos, uma vez que desde a Grécia Antiga, eram impedidas de votar e participar de quaisquer decisões da pólis.

A mudança começa tendo como base doutrinária os conceitos iluministas de igualdade e liberdade, representados por pensadores como John Locke, Jean- Jacques Rousseau e Jeremy Bentham, as mulheres passaram a reivindicar o direito de participação no processo político e a exigir leis mais justas que atendessem aos seus interesses, desse modo as mulheres deixariam de ser consideradas cidadãs de segunda categoria ou, de outro modo, portadoras de meia cidadania.

Foi na Europa que o movimento colheu os primeiros frutos. Sendo que o primeiro país a garantir o sufrágio feminino, isto é, o direito de as mulheres votarem, foi a Nova Zelândia, em 1893, fruto de movimento liderado por Kate Sheppard.

Na Grã-Bretanha, o movimento teve início em 1897 com a fundação do

Women’s Suffrage in the United Kingdom, por Millicent Fawcett. As mulheres fizeram

manifestos em público e começaram a fazer greves de fome, com o objetivo de expor o sexismo institucional da sociedade britânica. Os protestos só tiveram um notório sucesso em 1918, com a aprovação do Representation of the People Act, o qual estabeleceu o voto feminino no país.

No Brasil, o sufrágio feminino foi garantido através do decreto nº. 21.07633, de 24 de fevereiro de 1932, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, o qual disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código34. O Brasil, ainda que de forma tardia, dava os primeiros passos para estabelecer a igualdade entre homens e mulheres.

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DECRETO N. 21.076 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1932, Art. 2º É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.(grifo nosso)

Por esse e outros atos ao redor do mundo, o século XX foi decisivo para que se reconhecessem uma gama considerável de direitos, sistematicamente negados ao longo dos séculos. O fruto histórico mais destacado foi a positivação dos direitos humanos das mulheres junto à estrutura legislativa da ONU e da OEA, a partir de 1948, por meio de declarações e pactos, que gradativamente passaram a ter um efeito pervasivo e lento nas legislações dos países signatários; mudando-lhes, ainda que não a composição essencial, mas, pelo menos, tirando a violência contra a mulher da invisibilidade cristalizada ao longo de séculos de esquecimento sob a égide do sistema patriarcal. Esses pactos e declarações, bem como as legislações posteriores passaram a reconhecer a diversidade biológica, social e cultural dos seres humanos, notadamente das mulheres. As recomendações preconizavam aos estados signatários a promoção da igualdade entre os sexos, a luta contra a discriminação e especialmente a violência contra a mulher em suas mais diversas manifestações.

Esse segmento significativo da sociedade, que teve seus direitos negados, passou a dispor, pelo menos em tese, de dispositivos legais capazes de lhes assegurar os direitos fundamentais como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia formal, o que gradativamente permeia os espaços privados e públicos, outrora intangíveis sob a égide de legislações vetustas.

As políticas públicas e sociais somam-se ao ordenamento jurídico no cenário nacional, tendo suas posturas corroboradas pelo estado democrático de direito e acenam mudanças na efetivação dos direitos humanos femininos.

Os avanços e conquistas são indubitáveis, mas obviamente ainda existe uma grande distância entre a positivação e a consolidação dos direitos humanos das mulheres. O fato de termos legislações avançadas, não significa necessariamente

que as mentalidades mudaram. Por isso o século XXI continua assistindo ao sexo masculino ter a preferência aos empregos mais bem remunerados, aos cargos de chefia, à melhor educação. Além dessas formas de violência, a mulher continua a sofrer a violência física e psicológica em seu cotidiano, sem levar em conta o seu estágio de desenvolvimento etário, acarretando prejuízos, por vezes, irreversíveis à saúde física e mental.

No século XXI, ainda assistimos, perplexos, a muitos atos de violência contra a mulher, e, não somente isso, assistimos à impunidade de pessoas como o jornalista Pimenta Neves, assassino confesso de Sandra Gomide, sua ex-namorada. O crime ocorreu em 20 de agosto de 2000, em um haras, em São Paulo, mas, mesmo com o trânsito em julgado da sentença, ele permanece solto, aguardando o desfecho de uma manobra procrastinatória, um recurso extraordinário ao STF, que até o momento sofre um “embargo de gaveta”35.

A gravidade do tema não se resume a especulações acadêmicas, de acordo com Maria Berenice Dias, o Relatório Nacional Brasileiro retrata o perfil da mulher brasileira e refere que a cada 15 segundos uma mulher é agredida, totalizando, em 24 horas, um número de 5.760 mulheres espancadas no Brasil36. Outros dados também alarmantes, referidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2005, indicam que, no Brasil, 29% das mulheres relatam ter sofrido violência física ou sexual pelo menos uma vez na vida; 22% não conseguiram contar a ninguém sobre o ocorrido; e 60% não saíram de casa, nem sequer por uma noite. Ao contrário do

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Caso Pimenta Neves. Disponível em <www.violenciamulher.org.br/ >. Acesso em 09 de fevereiro de 2009.

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DIAS, Maria Berenice. A impunidade dos delitos domésticos. Palestra proferida no IX Congresso Nacional da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica. Alagoas. Disponível em: <www.mariaberenice.com.br>.

que a ideologia dominante, muitas vezes, quer fazer crer, a violência doméstica independe de status social, grau de escolaridade ou etnia. Lucila Soares declara que certos tipos de violência (como, por exemplo, os casos de abusos sexuais) ocorrem com maior incidência nas camadas sociais médias e altas ( SOARES, 2006).