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3. DO CRIME PASSIONAL, DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

3.4. HOMICÍDIO QUALIFICADO

3.4.2. Motivo fútil

A segunda qualificadora é o motivo fútil, designado por Damásio Evangelista de Jesus (1999) como insignificante, que apresenta desproporção entre o crime e sua causa moral.

Capez (2003) leciona que o motivo fútil é o frívolo, mesquinho, desproporcional, insignificante. Considerar-se-á fútil quando desproporcionado ou

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RT 598/310.

65 RT 733/659. 66 RT 560/323.

inadequado, do ponto de vista do homo medius, e em relação ao crime de que se trata. São exemplos de motivo fútil: rompimento de namoro, pequenas discussões entre marido e mulher, rejeição de aliança de noivado, entre outros.

Impende destacar que não se deve confundir o motivo fútil com o motivo injusto, porque este não se configura como desproporcionado, embora esteja em desacordo com a ética e com o direito. Além disso, tratando-se de crimes passionais, a maior parte dos enquadramentos se dá por motivo torpe. Apenas uma análise mais acurada, que sonde os fatos detidamente, pode levar a uma acusação convincente de que o motivo foi fútil, pois esse fator deve ser aferido segundo o ponto de vista do réu, por ser elemento subjetivo do tipo, consoante tem se posicionado a Jurisprudência: “A conceituação do motivo fútil exclui qualquer circunstância capaz de ter provocado exaltação ou revolta, ou que explique o impulso com que o agente é levado ao crime. E essa atitude deve sempre ser apreciada pelo juiz, levando em conta o grau de educação do agente, o meio em que vive e outros fatores especiais de cada caso”.67

Depreende-se o porquê da dificuldade de utilização do critério de futilidade; a acusação terá de fundar o entendimento em circunstâncias reais, nem sempre fáceis de retomar, que determinaram a conduta do réu. Os aspectos personalíssimos gravados na Jurisprudência, “grau de educação”, “meio em que vive”, fazem com que essa tese seja pouco utilizada. Mas não somente por isso. É unívoco na doutrina que a cumulação de motivo torpe e motivo fútil não deve ocorrer. Como o motivo torpe é de demonstração mais objetiva, opta-se por ele, a fim de que não se caiam nas raias do subjetivismo. Desse modo também já se pronunciou a

Jurisprudência: “Inadmissível no homicídio o reconhecimento de dúplice qualificadora fundada em motivo simultaneamente fútil e torpe, uma vez que ambos são de caráter subjetivo”68

Para estabelecer contornos mais nítidos entre a futilidade e a torpeza, o Tribunal de Justiça de São Paulo manifestou-se nos seguintes termos: “A futilidade deve ser apreciada quod plerumque accidit.69 O motivo é fútil quando notadamente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau de particular perversidade, o motivo fútil traduz egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho que vai até a insensibilidade moral”70

Dentre os motivos fúteis, figura o ciúme, embora haja divergência jurisprudencial a respeito, é inegável sua presença em crimes passionais.

Rabinowicz (2007), em seu clássico “O Crime Passional”, separa um capítulo apenas para estudar essa manifestação que, não poucas vezes, é apenas um sintoma do narcisismo e da egolatria androcêntrica. Citando La Rochefoucauld, Rabinowicz afirma que o ciúme nasce com o amor, no mesmo instante, dura tanto como ele e nem sempre morre com ele. (grifo nosso.). Ciúme, nesse contexto, é definido como o medo de se perder o objeto para o qual se dirigem os nossos desejos. Tomando essas definições, nota-se que o ciúme, em suas manifestações, coisifica o ser amado e materializa o temor da perda, não da amante, mas do que ela significa: o prazer. Mata-se por não querer perder o prazer. É o pragmatismo que visa à felicidade egoísta e sem limites, inobstante o preço de se considerar a pessoa

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RT 657/282.

69 Pelo que normalmente ocorre. 70 RJTJSP 73/310.

como um meio e não como um fim em si mesmo, contrariamente aos ensinamentos de Kant: “Procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa, quanto na pessoa de todos os outros sempre ao mesmo tempo como um fim e nunca como um puro meio” (PASCAL, 2003, p. 131).

Segundo Freud, a criança ama a mãe com amor carnal, e que traz agregado o ciúme manifesto ferozmente contra o pai, irmãos e quem quer que possa tirar-lhe o prazer da presença materna. Essa intensidade se manifesta durante a vida toda e em quaisquer relacionamentos, especialmente os que envolvem libido e satisfação sensual. Fleury, citado por Rabinowicz, afirma que o ciúme está atrelado ao sentimento de posse, que é o ponto de partida para que o ciúme se torne fisiológico e profundo. O ato de possuir uma mulher, e de ter tirado dela certa dose de prazer, leva o homem a tê-la em seu próprio corpo, julgando-a como propriedade; assim, o homem se torna tiranicamente ciumento (RABINOWICZ, 2007).

Conquanto seja inegável a intensidade do ciúme e as divergências doutrinária e jurisprudencial, não se pode negar que a possessão que reveste as ações motivadas por ciúme são dignas de reprimenda severa e de justo enquadramento como motivo fútil para fins de qualificar o homicídio. A Jurisprudência assim se manifesta: “Quando o agente atua impulsionado, premido, pressionado pelo sentimento ciúme, fundado ou não, não se pode dizer que se cuida de motivo irrelevante, insignificante, fútil”71; “Nos casos em que o ciúme é mencionado como circunstância qualificadora, sempre é enquadrado como motivo fútil e não como motivo torpe”72.

71 RT 595/349.

Apenas o caso concreto e seus contornos individuais podem estabelecer se as ações ciumentas foram ou não desproporcionadas; afinal, a Jurisprudência é indicativa, e não necessariamente consegue, assim como a lei, abranger todas as situações do cotidiano, porque os casos passionais são dotados de complexidade específica.

3.4.3. Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio