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A VISÃO DE MARSHALL E OS DISTRITOS INDUSTRIAIS ITALIANOS

No documento ArranjoProdutivoLocal (páginas 56-63)

2 DIMENSÕES TEÓRICAS DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (MPE):

2.4 CLUSTERS, DISTRITOS INDUSTRIAIS (DIS) E ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS (APLS)

2.4.1 A VISÃO DE MARSHALL E OS DISTRITOS INDUSTRIAIS ITALIANOS

Segundo Lins (2000), embora disseminada recentemente, a idéia de distrito industrial não é nova. Os estudos de organização industrial que versam sobre empresas especializadas concentradas geograficamente remontam aos escritos de Marshall, em Princípios de Economia, publicado em 1890 , principalmente o Capítulo X.

Sob esse tratamento analítico, Marshall (1988) ressaltou os benefícios que a localização em determinados lugares representava para determinadas indústrias, numa abordagem em que as economias externas configuravam o principal foco de vantagens para cada produtor individual. Baseado em algumas regiões da Inglaterra, Marshall diz que são muitas as causas que influenciam na localização de uma indústria, destacando como principal

as condições físicas, tais como os recursos naturais de clima e solo, o fácil acesso por terra ou por mar, a existência de insumos e fornecedores nas proximidades, e as facilidades de comércio ou de ações políticas e sociais, dentre outras.

Assim sendo, a arte de produzir firma-se em determinado espaço, cria raízes e passa de geração para geração; o conhecimento transmitido permite o surgimento de indústrias especializadas e, conseqüentemente, de trabalhadores especializados. A existência de uma massa de trabalhadores qualificados em uma localidade permite a transmissão de conhecimentos para os demais habitantes e a arte de produzir deixa de ser segredo tornando- se de domínio público. Tal agrupamento favorece a descoberta de novos métodos de organização para as empresas e quando uma idéia nova é lançada, ela é imediatamente adotada por outros, que a combinam com suas próprias sugestões e, assim, essa idéia se torna uma fonte de outras idéias.

Nesse contexto, acabam por surgir, nas cercanias da localidade, atividades subsidiárias que fornecem à industria principal instrumentos e matérias-primas, com organização de seu comércio o que vem a proporcionar vantagens, tais como economia de material, utilização econômica de máquinas e um mercado constante de mão-de-obra especializada.

Considerando ainda a questão da localização sob o enfoque da produção, Marshall (1988) observa que o ideal é que uma região não possua uma só indústria, mas que se desenvolvam outros tipos de indústrias de caráter supletivo para que a economia daquela localidade não fique à mercê de possíveis crises, como a redução da demanda de produtos de uma única indústria ou a interrupção no fornecimento de matéria-prima e outros insumos.

Fixando-se outras indústrias na região, os efeitos dos problemas de produção em uma determinada indústria podem, por algum tempo, ser auxiliados indiretamente por outras indústrias, o que permite que os patrões locais auxiliem, dentre outros fatores, na questão do desemprego local.

Marshall (1988), além de discutir a localização do ponto de vista da economia da produção considera também a conveniência do consumidor, isto é, que a posição da localidade com o mercado consumidor é relevante na localização das indústrias, pois apresenta vantagens, tais como a redução de custos com tarifas alfandegárias ou de fretes do transporte de mercadorias, a troca de informações e a assistência técnica.

Portanto, é nesse contexto que Marshall se refere originariamente aos Distritos Industriais, ao descrever um padrão de organização comum na Inglaterra do final do século XIX, identificando os agrupamentos manufatureiros, principalmente de setores como o têxtil, que se formavam na periferia de um centro produtor maior. No Distrito Industrial de Marshall podem estar envolvidas uma ou mais cidades manufatureiras especializadas em um ou mais setores industriais que contemplam a presença de atividades complementares e subsidiárias. Este conceito está relacionado aos ganhos proporcionados pela especialização produtiva das empresas e pela divisão do trabalho proporcionada pelo agrupamento local de empresas atuantes num mesmo ramo de atividade ou em atividades relacionadas. Assim, Marshall demonstrou que a vantagem de produzir em grande escala pode ser obtida por uma grande quantidade de pequenas empresas, concentradas num determinado território, especializadas nas suas fases de produção e recorrendo a um único mercado de trabalho local.

Com tal enfoque, é que Marshall “ressaltou os benefícios que a localização em certos lugares representava para determinadas indústrias, numa abordagem em que as

economias externas configuravam o principal foco de vantagens para cada produtor individual” (LINS, 2000).

A partir da visão de Marshall multiplicaram-se os estudos sobre os distritos industriais baseados no agrupamento de empresas predominantemente de pequeno porte concentradas setorialmente e territorialmente. Um dos exemplos mais conhecidos de reestruturação produtiva ocorrido no mundo, é o caso da Terceira Itália, região que conseguiu inserir-se na economia mundial de forma diferenciada, envolvendo forte participação de pequenas e médias empresas organizadas em distritos industriais. Esses distritos surgiram em decorrência da decadência da economia italiana que não conseguia competir com as grandes organizações fordistas de outros países e, por essa razão, buscou alternativas para suas realidades locais.

Paralelamente, a partir dos anos de 1960, o modelo de produção fordista saturou- se, entrando em acelerado processo de decadência motivado por várias mudanças tecnológicas derivadas da introdução de novas e poderosas tecnologias (microeletrônica, novos materiais, tecnologia da informação e comunicação, dentre outros), além de modelos de gestão de alta performance, como o caso do toyotismo.

Nesse contexto, a Terceira Itália consegue, por intermédio de seus distritos industriais, superar a crise em que se encontravam as principais economias industriais. Sua estratégia foi a construção de um modelo econômico de especialização produtiva, baseado em processos sociais de cooperação ganha-ganha, nos quais as empresas locais compartilhavam recursos, tecnologias, novos mercados, dentre outros aspectos.

A partir dessa experiência, a configuração de distritos industriais, também identificados por outras nomenclaturas, foi propagada por muitos países, com performances diferentes, tendo o princípio da cooperação e da competição como base da busca pela eficiência coletiva. A cooperação ocorre no processo produtivo e propicia a criação de novos arranjos institucionais possibilitando às empresas a incorporação das externalidades que constroem e alavancam a eficiência coletiva. Assim, as pequenas e médias empresas consolidam sua participação nas economias mais desenvolvidas e tornam-se agentes do crescimento sustentado de muitas regiões.

Segundo Becattini (2002), para que o distrito industrial se torne realidade é necessária uma interpenetração das pequenas empresas que o compõe com a população do território, pois as características sócioculturais de seus habitantes devem estar em simbiose com o processo de desenvolvimento próprio das pequenas empresas.

Ainda de acordo com o autor, para serem eficazes no distrito os processos produtivos devem apresentar algumas características, como o fracionamento em fases e a possibilidade de encaminhar no espaço e no tempo os frutos dessa produção fracionada. Graças a isso, é que se poderá obter uma divisão expressiva do trabalho, permitindo que homens, mulheres, jovens e idosos participem do distrito, independentemente de seu posto de trabalho ou da forma de sua remuneração. Assim, a interpenetração e a sinergia geradas entre a atividade de produção e a vida cotidiana constituem o traço dominante do funcionamento do distrito industrial.

Outra importante característica é o laço que une o sistema local dos pequenos produtores aos mercados externos de escoamento de seus produtos, pois o distrito industrial

depende da possibilidade de escoar para o exterior os excedentes (em relação ao consumo local) de produtos específicos. Em outras palavras, depende da consolidação de uma rede estável de conexões com os mercados finais.

Além disso, o distrito depende de impor sua imagem distintiva, capaz de ilustrar as diferentes empresas que o compõe. Isso tende a provar que o distrito não é um fenômeno exclusivamente local; é também uma das facetas da reestruturação do mercado com uma mudança de terminologia. Para que se possa considerar um distrito industrial estabelecido e operacional, é necessário que a reserva territorial correspondente à oferta tenha se transformado em uma opção reconhecidamente importante pelos intermediários especializados nos produtos desse distrito (BECATTINI, 2002).

Becattini (2002), também considera outras características originais dos distritos industriais, quais sejam: coexistência singular de concorrência e de solidariedade entre as empresas do distrito; efervescência inovadora da base, favorecida pelo clima industrial reinante no distrito; grande mobilidade, tanto horizontal quanto vertical, dos postos de trabalho; cooperação entre os membros com vistas ao alcance dos objetivos econômicos e/ou melhorar o ambiente geográfico e social do distrito propriamente dito.

Sengenberguer e Pike (2002), consideram como princípios organizacionais fundamentais para o sucesso dos distritos: a flexibilidade nas atitudes empresariais, seja na busca de mercado ou habilidade na negociação; eficiência coletiva por meio da especialização e da coordenação; concorrência e cooperação; desenvolvimento regional endógeno; forte entrelaçamento entre comunidade de negócios e comunidade social; competência empresarial;

preocupação com a qualificação e especialização da mão-de-obra e um novo papel para o governo local e regional.

Em suma, o distrito industrial pode ser definido como sendo um grande complexo produtivo, em que a coordenação das diferentes fases e o controle da regularidade de seu funcionamento não depende de regras preestabelecidas e de mecanismos hierárquicos – como é o caso da grande empresa privada –, mas, ao contrário, são submetidos, ao mesmo tempo, ao jogo automático do mercado e a um sistema de sanções sociais aplicados pela comunidade. A proximidade espacial permite ao distrito industrial apostar, na prática, em economias de escala ligadas ao conjunto dos processos produtivos, sem perder sua flexibilidade e adaptabilidade frente aos diversos acasos do mercado (BECATTINI, 2002).

Dessa forma, é possível que uma determinada quantidade de pequenas empresas implantada numa mesma região possa atingir níveis de eficácia comparáveis aos de uma grande empresa, contribuindo fortemente para o desenvolvimento local e regional. Assim, os distritos industriais se caracterizam como um importante ambiente para a aquisição, desenvolvimento, utilização e o financiamento de recursos, auxiliando os pequenos empreendimentos a superarem o problema da inferioridade de recursos em relação a grandes empresas e conquistando melhores economias de escala e de escopo.

Enfim, e após as diversas análises expostas acima, se verifica que os distritos industriais representam uma forma de organização social da produção de maneira organizada e eficaz, cujas características essenciais resultam na busca de eficiência coletiva, baseada na atuação conjunta dos agentes envolvidos no distrito que se inter-relacionam formando redes de cooperação que se transformam em recursos humanos, tecnológicos e materiais que são

responsáveis pelo êxito, desenvolvimento e sustentabilidade desta forma de organização industrial.

No documento ArranjoProdutivoLocal (páginas 56-63)