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Capítulo 3 – O bairro e a rádio

4.1. A visão dos clássicos sobre o processo de socialização

Na sociologia clássica as estruturas sociais ocupam espaço privilegiado nas análises uma vez que são pensadas a partir de seu poder de coerção sobre os indivíduos. Estes, por sua vez, adotam padrões de comportamento, normas, regras e valores que tem origem nas organizações societárias. Assim, a família, a escola, a religião, a classe social entre outros, são tidos como principais agências socializadoras.

Em Durkheim iremos encontrar um estudo mais sistematizado a respeito deste assunto em seu livro Educação e Sociologia. Para o sociólogo francês, a educação tem como papel fundamental inserir no indivíduo os valores morais necessários para uma vida em sociedade.

Assim, Durkheim define a educação como uma

ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine (1978, p. 41).

Em sua sociologia da educação Durkheim afirma que é através da aprendizagem que os indivíduos se inserem na sociedade internalizando valores, sentimentos e

comportamentos necessários para o convívio social. Nesta perspectiva, as subjetividades individuais têm um papel secundário uma vez que o social se impõe sobre o indivíduo. Assim, fica clara a distinção feita por Durkheim entre indivíduo e sociedade em que o primeiro está submetido a segunda. Embora Durkheim admita que os sujeitos possuam um se ài di idual ,àoà ualàdizà espeitoàape as aos acontecimentos da vida pessoal, para ele é possí elàfala àai daàdeàu à se àso ial à ueà o espo deàasàid ias,àh itosàeàse ti e tosà ueà não estão relacionados a individualidade de cada um.

“egu doà Du khei à ,à p. à esseà se à so ialà oà as eà om o homem, não se apresenta na constituição humana primitiva, como também não resulta de nenhum dese ol i e toàespo t eo .àCo pletaàdize doà ueà o stitui àesseàse àe à adaàu àdeà nós – talà àoàfi àdaàedu aç o .

A inquietação de Durkheim com a questão da educação e seu papel social se justifica na medida em que o sociólogo está preocupado em responder através de quais processos os indivíduos adquirem os hábitos e costumes necessários para a vida social. Ao chegar ao mundo, a criança, ser egoísta e associal,à adaà aisà à ueàu aà t ulaà asa .àÉàassi à ue,à segu doàDu khei à ,àp.à à aàedu aç oà o siste,àpois,àso à ual ue àdeàseusàaspe tos,à

u aàso ializaç oà et di aàdeà adaà o aàge aç o .

Posteriormente a Durkheim, outros sociólogos também se ocuparam em discutir a questão da socialização. Ainda assim, permanece a visão do indivíduo passivo que só através da interiorização de valores, normas e regras sociais é capaz de se tornar um ser sociável. É desta forma que autores como George Mead, Talcott Parsons e Erving Goffman, embora em épocas bem distintas, vão dialogar com Durkheim.

Atribuindo às instituições e seus agentes a função de manutenção da ordem social, concebem a construção da realidade a partir de uma coerência de propósitos entre o indivíduo e o espírito de seu tempo. Seja na metáfora do ator representando um papel (Cf. Parsons, 1973a e b), seja na noção do self (cf. Mead, 1963), ou mesmo na dimensão dialógica e interativa da construção da identidade (Cf. Goffman, 1975), esses autores entendem a organização social como um sistema coerente de contínuas adaptações do indivíduo diante dos ditames institucionais (SETTON, 2005, p. 339).

Na literatura sociológica mais recente, podemos ainda citar a contribuição de Thomas Luckmann e Peter Berger que no livro A construção social da realidade (1983) retomam este debate. Para tanto, os autores partem da distinção entre socialização primária e socialização secundária.

A socialização primária é entendida como a entrada da criança no mundo social em que este é percebido por ela como o único possível, não levando em consideração o universo de opções que se estendem para além. A linguagem aqui surge como um elemento importante uma vez que é através dela que a criança passa a objetivar e ordenar o mundo exterior. Daí em diante, há uma incorporação de saberes que vão servir de base e que vai assegurar o reconhecimento subjetivo do eu e do mundo exterior. Segundo os autores, essa incorporação leva em conta a relação da criança com os adultos responsáveis pela socialização e não somente o ambiente familiar e escolar (Setton, 2005, p. 340).

Po àout oàlado,àaàso ializaç oàse u d iaà àe te didaà o oàse doàaà i te io izaç oà deà su u dosà i stitu io aisà espe ializadosà e/ouà aà a uisiç oà deà sa e esà espe ífi osà eà deà papéisà di etaà ouà i di eta e teà e aizadosà aà di is oà doà t a alho .à áoà o t ioà daà socialização primária, compreende um universo simbólico em que há a percepção de um mundo novo a partir de um campo especializado de atividades obtidas em escolas técnicas e profissionalizantes.

Segundo Setton (2005, pp. 340-341), há um avanço e uma abertura de perspectiva e à elaç oà aoà te a,à poisà aà fo aà o oà osà auto esà oà a o da à pe iteà o e e à aà socialização a partir da perspectiva da mudança social, e não apenas a partir da reprodução da ordem ou da total coerência e identificação entre indivíduo e sociedade, como pregado po àDu khei .

Segundo esta perspectiva percebe-se que o processo de socialização do indivíduo estaria dividido em dois momentos em que as instituições de socialização não são necessariamente complementares umas às outras. Desta forma, os autores atribuem uma participação ativa do indivíduo nas instâncias socializadoras, conferindo a ele maior autonomia e liberdade reflexiva. Esse indivíduo é concebido como tendo capacidade de dialogar, questionar e escolher um universo de relações, bem como os valores que constituem esse universo diferente dos demais.

Embora se perceba um avanço na discussão teórica a respeito do processo de socialização, Setton (2005, p.341) chama a atenção para o caráter datado da contribuição dos autores

aoà i u sta ia àaàso ializaç oàse u d iaàe àu àap e dizadoàespe ializadoàe/ouà na imersão de um universo de símbolos vinculados a um mundo profissional [em que] os autores se baseiam na realidade social de uma época. Luckmann e Berger abordam a socialização secundária derivada de uma situação histórica específica do século XX, em que o processo de diferenciação social e de autonomização dos

campos do trabalho estavam consolidados e haviam construído e fortalecido novos g uposàe ài te aç o .

Compreender a relação entre indivíduo e sociedade tem sido alvo de disputa sociológica desde o surgimento da disciplina. É assim que este tema, um dos pilares desta ciência, tem sido retomado e repensado ao longo dos anos (Cf. Elias, 1994; Giddens, 2000). A complexidade do mundo atual demanda, pois, novos olhares sobre a questão colocando em evidência o papel do ator social e sua experiência de vida em detrimento das análises centradas nas estruturas sociais.