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CAPÍTULO I UMA LENTE SOBRE A CULTURA, AS ORGANIZAÇÕES, A

1.3 A CULTURA ORGANIZACIONAL SOB DOIS OLHARES

1.3.1 A visão funcionalista

A Administração Comparativa ou Transcultural e a Cultura Corporativa assumem a posição funcionalista e vêem a cultura como uma ferramenta, que serve para atender as necessidades biopsicológicas do homem, e como uma variável interna, capaz de regular e adaptar o homem em suas estruturas sociais, respectivamente. Estas concepções orientam-se sob o ponto de vista de que as organizações são organismos que se configuram como instrumentos sociais para que tarefas sejam realizadas, ao mesmo tempo em que produzem bens, serviços e subprodutos como artefatos culturais distintos (rituais, lendas e cerimônias). Há

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Neste estudo, utilizo o conceito de modelo, proposto por Rubem Alves (1993, p. 59), que indica que "Um modelo é um artefato construído pelo cientista. Quando falamos em artefatos, pensamos em coisas fabricadas com o auxílio de materiais sólidos, como relógios, máquinas de moer carne, cortadores de unha, satélites artificiais. Todos são artefatos produzidos pela arte dos homens [...]. Para se construir um modelo, fazemos uso não de materiais sólidos, mas de conceitos".

ainda uma outra percepção de que as organizações conformam estruturas adaptativas que existem nos processos de troca com o ambiente e, neste caso, tanto cultura como organização são estudadas por meio de modelos de relacionamento que ocorrem no interior e exterior das organizações e buscam a previsibilidade e o controle organizacional (SMIRCICH, 1983).

Reafirmando estes pensamentos de Smircich, pode-se dizer que a “corrente predominante”, de inspiração funcionalista e instrumental, representada por autores como Deal e Kennedy, Peters e Waterman, Schein, Pettigrew, Weick, Allaire e Firsirotu, advoga que a cultura pode ser, ou não, eficiente e bem sucedida, “diagnosticável”, reconhecível. Além disto, desde que se tomem certas precauções metodológicas, a cultura pode ser transformada, manipulada, mudada e até criada por líderes, campeões, heróis e modelos, que lhe imprimem valores e símbolos. Isto é, a cultura, nesta orientação, é entendida como uma variável que a organização possui (AKTOUF,1993, p. 40).

Schein (1992, p. 12) elaborou um completo estudo sobre cultura organiza- cional, baseando suas idéias no campo da psicologia organizacional. Para ele,

a cultura organizacional é o modelo dos pressupostos básicos, que determinado grupo tem inventado, descoberto ou desenvolvido no processo de aprendizagem para lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna. Uma vez que os pressupostos tenham funcionado bem o suficiente para serem considerados válidos, são ensinados aos demais membros como a maneira correta para se perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.

Schein (2001, p. 31) considera que a cultura pode ser apreendida através de três níveis: o primeiro, intitulado nível dos artefatos visíveis, é o mais externo e perceptível, “o que se vê, ouve e sente enquanto se está por lá”. O segundo é chamado de nível dos valores; e o terceiro, onde se encontram as certezas tácitas profundas, é nomeado de pressupostos básicos. Menciona, ainda, que a cultura organizacional deve ser estudada através de uma postura clínica e não etnográfica e que ela surge, evolui, sobrevive e se modifica numa abordagem dinâmica e funcional (SCHEIN, 1992).

Pettigrew (1979; 1996, p. 146), baseada em Schein (1985), Barney (1986) e outros, refere que a cultura organizacional é um fenômeno “que existe numa

variedade de níveis diferentes”. Para este autor, “no nível mais profundo, a cultura é pensada como um conjunto complexo de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios”, sendo estes pressupostos e crenças apresentados externamente pelas “estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização”. Ele menciona, também, ser muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar as crenças e pressupostos básicos de uma organização, mesmo que para modificar a cultura organizacional tenha que haver uma alteração de ambas.

No Brasil, Fleury (1996, p. 22), partindo da concepção de Schein e acrescentando-lhe a dimensão política, que entende ser inerente ao fenômeno da cultura organizacional, propõe que a cultura organizacional seja concebida

como um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.

Fleury (1996), então, indica uma proposta metodológica para desvendar a cultura de uma organização, envolvendo o histórico das organizações, o processo de socialização de novos membros, a política de recursos humanos, o processo de comunicação, a organização do processo de trabalho e técnicas de investigações (qualitativas ou quantitativas) dependentes do enfoque dado ao estudo.

Freitas (2007, p. 13) aponta que a visão funcionalista, que enxerga a cultura como uma variável, é a mais corrente, pois indica respostas pragmáticas para os problemas de ordem gerencial “e é onde encontramos praticamente todas as contribuições sobre análise de performance, design e análise organizacional, como também estudos normativos, prescritivos e interpretativos sobre o funcionamento da organização”. Para esta autora, a cultura de uma organizaçãoexpressa, além de um modo de vida, um conjunto de normas, crenças e valores que acabam por repercutir no que se faz e no como se faz no cotidiano desta organização, isto é, na forma como o trabalho se organiza, como a autoridade é exercida e como as pessoas são recompensadas ou controladas. Freitas (2006, p. 97) entende a cultura organiza- cional sob dois aspectos

primeiro, como instrumento de poder; e, segundo, como conjunto de representações imaginárias sociais que se constroem e reconstroem nas relações cotidianas dentro da organização e que se expressam em termos de valores, normas, significados e interpretações, visando um sentido de direção e unidade, tornando a organização fonte de identidade e de reconhecimento para seus membros.

Como exemplo do emprego da corrente funcionalista, na área da saúde, apresento o estudo de Forte (1996), intitulado “Cultura organizacional em saúde: padrões culturais em emergências hospitalares”, que buscou compreender os padrões culturais das organizações de emergências hospitalares de Fortaleza- Ceará. Em sua pesquisa, a autora identificou fatos que acabaram por construir os padrões culturais em emergência hospitalar e, afora isto, verificou a existência de um número bem grande de padrões negativos que, sendo prejudiciais ao funcionamento do serviço, conduzem a uma cultura disfuncional. Para tal, Forte (1996) utilizou os enfoques teóricos metodológicos de Schein (1982).

Nesta mesma linha, Perroca & Soler (1998), em “O desempenho profissional de enfermeiras de um hospital de ensino: influência da cultura organizacional”, desvelaram aspectos culturais de um hospital de ensino através da percepção de enfermeiras. Entre eles, destacaram a existência da hegemonia médica, com a subordinação das enfermeiras, e a exigência da instituição com o cumprimento de funções sem que esta proporcione condições para tal. As autoras utilizaram um referencial teórico, que compreende autores como Schein (1992), Fleury (1989), Freitas (1991), Pettigrew (1989), entre outros, e adotaram a fenomenologia para situar o fenômeno cultura organizacional.

O estudo intitulado “O processo de formação de cultura organizacional em um hospital filantrópico”, de autoria de Machado & Kurcgant (2004), desvendou traços culturais de um hospital filantrópico. Foram empregadas como referencial metodológico as proposições de Thevenet (1989), e Schein (1986) guiou a construção da entrevista. Ficou evidenciado que, quando um grupo ingressa em uma instituição, há uma tendência a considerar que alguns valores devem ser transformados, acarretando uma reestruturação na maneira de gerir a organização, o que ocasiona um conflito caracterizado pela ânsia da mudança e a conservação do antigo.