• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I UMA LENTE SOBRE A CULTURA, AS ORGANIZAÇÕES, A

1.3 A CULTURA ORGANIZACIONAL SOB DOIS OLHARES

1.3.2 A visão interpretativista

A Cognição Organizacional, Processos Inconscientes e Organizações e o Simbolismo Organizacional têm a visão de que a cultura é uma metáfora e estão associadas ao modelo interpretativista. Estes flancos concebem a organização como uma maneira peculiar da expressão humana e como um mecanismo epistemológico que fundamenta o estudo das organizações como fenômeno social. Soma-se a isto a visão de que o mundo social e organizacional existem como relacionamentos simbólicos, os quais possuem significados que são sustentados pela interação humana (SMIRCICH, 1983).

A Cognição Organizacional pressupõe a cultura como um master contract, onde estão inclusas a auto-imagem da organização e as regras que constituem e regulam as crenças e ações à luz desta sua auto-imagem. A perspectiva simbólica procura interpretar, ler ou decifrar o discurso simbólico através do qual a experiência torna-se significativa. Os Processos Inconscientes e Organizações enfatizam as expressões dos processos psicológicos inconscientes, onde as organizações são entendidas como uma projeção destes processos inconscientes e analisadas sob dois ângulos: o de fora da consciência e o de suas manifestações conscientes (SMIRCICH, 1983).

O simbolismo organizacional trata a cultura como sistemas de símbolos e significados compartilhados e busca descrever os sistemas temáticos de significados que estão subjacentes às atividades (temas de cultura), para decifrá-los e compreendê-los. Estes temas representam, enquanto expressões de várias modalidades simbólicas, o cerne da linguagem simbólica de uma organização como cultura (SMIRCICH, 1983).

Assim, sob a perspectiva simbólica, na análise organizacional, uma organização “é concebida como um padrão de discurso simbólico, que precisa ser interpretado, lido ou decifrado para ser compreendido”. Neste caso, a linguagem, como simbólica, mantém os padrões, e facilita o compartilhamento de significados e realidades expressos em valores, crenças e ações. A análise cultural processa-se, então, pela interpretação e compreensão que os indivíduos possuem sobre suas experiências e como estas se relacionam com suas ações (PAZ & TAMAYO, 2004, p. 30-31).

Autores como Chanlat (1993), Dupuis (1993) e Aktouf (1993), entre outros, são seguidores deste modelo em que as organizações são vistas como grupos que constroem significados, sendo que o reconhecimento destes significados ocorre pela leitura e interpretação das ações simbólicas expressas pelos sujeitos. Este olhar tem resultado em uma maneira diferenciada de perceber os fenômenos das organizações, qual seja a de captar a dinâmica organizacional a partir das interações cotidianas do grupo que está sendo estudado. Aktouf (1993, p. 51), por exemplo, segue a idéia de que a cultura “é um complexo coletivo feito de ‘representações mentais’ que ligam o imaterial ao material”, e de que a imaterialidade simbólica inscreve-se nas estruturas e nas vivências do cotidiano, mantendo uma relação com o material, que é anterior ao imaterial.

A questão da dimensão simbólica no universo organizacional parece remontar à década de 30 do século XX, quando foram efetuados os estudos de Elton Mayo e seus colaboradores, nos quais já transpareciam alguns indícios da presença da cultura nas organizações, enquanto sistemas ideológicos e simbólicos (AKTOUF, 1990).

A perspectiva simbólica importa-se em descobrir como a vivência torna-se significativa e inclui três focos: a maneira como os indivíduos interpretam e entendem suas experiências e como esta interpretação está ligada à ação; “o exame dos processos básicos, através dos quais os grupos chegam a compartilhar interpretações para as experiências que permitem a organização das atividades”; e “como criar e manter um senso de organização e atingir interpretações comuns das situações que coordenam a ação” (FREITAS, 1991, p. 6).

Wright (1994) menciona que, a partir da mudança da visão da organização como racional e cheia de fatos objetivos, para um paradigma em que esta é encarada como um grupo, em que os significados são socialmente construídos, houve a necessidade da utilização da abordagem interpretativa, para dar conta da compreensão dos fenômenos organizacionais.

No rumo do interpretativismo, Morgan (1996, p. 141) cita que é possível entender conceitos organizacionais corriqueiros, regras e procedimentos como esquemas interpretativos pelos quais se constrói e se dá sentido à realidade organizacional, bem como é possível compreender a maneira através da qual a organização dá sentido ao seu ambiente como um processo de reinterpretação

social.

Segundo Thévenet (1989) a cultura é o patrimônio de uma coletividade, o resultado de sua experiência, que é representado pelo conjunto de referências dos seus integrantes para lidar com a realidade. A cultura de empresa, que se manifesta através da criação coletiva de sinais e símbolos, define a identidade desta empresa, sendo que o sistema de regras organizacionais é condicionado pela cultura. Neste prumo, a cultura não só operaria através das pessoas como também dos sistemas de gestão e de outros processos organizacionais. Para este autor, na relação entre cultura e gestão, questões como a coesão interna da organização e a relação com o meio devem ser levadas em conta. Uma gestão competente, nesta concepção, não estaria relacionada apenas com a capacidade de resolver problemas, mas, também, com as possibilidades de inter-relação com outras organizações na busca pela realização da missão institucional.

Ainda para Thévenet (1989), tal como para Morgan (1996), a mudança da cultura não pode ser operada de maneira mecanicista. Para o primeiro, a empresa pode ser uma cultura e pode ter uma cultura. Estes dois autores assentam-se no interpretativismo por terem o mesmo entendimento sobre a dificuldade da mudança da cultura organizacional citada acima. E, mais ainda, pela aproximação de Thévenet com Geertz, na medida em que ambos observam a organização como portadora de cultura e ela mesma, a própria cultura.

Na mesma orientação, Pettigrew (1979), que anteriormente havia sido considerada como pertinente à corrente funcionalista10, junta-se a Geertz (1989, 2001a, 2001b) e Thévenet (1989), em sua concepções de que o homem cria sua cultura e é, também, criado pela mesma. A autora assume que cultura organizacional é “um sistema de significados aceitos pública e coletivamente por um dado grupo num dado tempo. Esse sistema de termos, formas, categorias e imagens interpretam para as pessoas as suas próprias situações” (PETTIGREW , op. cit., p. 574).

Porém, foi Geertz (1989, 2001a, 2001b), um dos principais representantes da antropologia interpretativa/hermenêutica, quem emprestou, de maneira mais 10

Este posicionamento de autores em uma ou outra corrente é uma maneira didática de agrupar seus pensamentos acerca de cultura organizacional. Por vezes, os distanciamentos epistemológicos sobre cultura e cultura organizacional postuladas são tão sutis e tênues que os autores poderiam compor qualquer uma das vertentes.

contundente, suas concepções de cultura ao simbolismo organizacional, que se converteram em um dos modelos interpretativos mais utilizados nos estudos organizacionais11. Para Geertz (1989), a cultura é um sistema de relações e significados que permite uma descrição inteligível de comportamentos, valores, crenças e princípios dos diferentes grupos.

Seguindo as pegadas de Geertz, Barbosa (1996, p. 16) refere que a cultura administrativa é

Um sistema de símbolos e significados de domínio público, no contexto do qual as tarefas e práticas administrativas podem ser descritas de forma inteligível para as pessoas que dela participam ou não. Do ponto de vista mais pragmático pode ser entendida como regras de interpretação da realidade, que necessariamente não são interpretadas univocamente por todos, de forma a permanentemente estarem associados seja à homogeneidade ou ao consenso. Estas regras podem e são reinterpretadas, negociadas e modificadas a partir da relação entre a estrutura e o acontecimento, entre a história e a sincronia.

Nesta idêntica linha, Motta (1995, p. 199) enfatiza a questão do significado, quando refere que “a cultura é um sistema de símbolos e significados compartilhados [...]”. Segundo o autor, as ações simbólicas expressas pelos indivíduos necessitam ser interpretadas, lidas ou decifradas para que sejam entendidas, pois “a cultura é um contexto de significados” (MOTTA, op. cit. p. 201). Cavedon (2000, p. 33-34) também relaciona a cultura organizacional com uma rede de significações “que circulam dentro e fora do espaço organizacional, sendo simultaneamente ambíguas, contraditórias, complementares, díspares e análogas implicando ressemantizações que revelam a homogeneidade e heterogeneidade organizacionais”.

Exemplificando a corrente interpretativista, através da produção científica em forma de artigos na área da saúde, cito a investigação “Interfaces das mudanças hospitalares na ótica da enfermeira-gerente”, de Costa et al. (2004). Nesta, os autores apoiaram-se no referencial teórico de Chanlat (2000) e Motta (1991), tendo por opção metodológica a análise de conteúdo de Bardin (1979) e a técnica de Análise Temática. Os resultados da pesquisa indicaram que as mudanças nos 11

Clifford Geertz e a antropologia simbólica interpretativa/hermenêutica serão enfocados mais detalhadamente no Capítulo II deste estudo.

modos de gestão foram influenciadas pela dinâmica organizacional, pela formação profissional das gerentes e pelas especificidades da função gerencial, sendo o Sistema Único de Saúde o principal fator externo que interfere na organização e os fatores organizacionais e profissionais aqueles que influenciam o cotidiano das gerentes.

Outro exemplo parte do estudo “O conflito como realidade e desafio cultural no exercício da gerência do enfermeiro” onde Prochnow.; Leite; Erdmann. (2005) denotaram especificidades culturais expressas como conflitos no âmbito da gerência do enfermeiro em um Hospital Universitário, através do referencial teórico de Geertz. Os resultados da investigação apontaram para a incorporação de elementos ideológicos e de mecanismos de controle e de poder, que se manifestam na organização do trabalho. Perceberam, também, a efetivação de políticas alicerçadas em valores da própria profissão, sendo que as práticas exercidas destacam uma construção cultural que auxilia na compreensão dos processos cognitivos, sociais e comportamentais, que organizam as interpretações e as respostas para prática gerencial do enfermeiro.