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A VOLTA DA POESIA PURA

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 133-142)

COMEÇA A REBELIÃO DAS MASSAS

7. REFLEXÕES PARA O FUTURO

7.2 A VOLTA DA POESIA PURA

1932 é o ano que representa a reclusão definitiva de Ortega da vida pública republicana. O entusiasmo com que o prospecto da Agrupación al servcio de la República convocava os intelectuais a participarem da vida pública nacional seria

substituído pela fria expressão “No es eso, no es eso”, com que critica a República. A

decepção com a radicalização do governo republicano o levaria a escrever uma série de

artigos, publicados com o título “Rectificación de la República”.

No final de 1931, Ortega y Gasset publicava uma série de artigos no jornal El Sol66 no qual proporia a criação de “un partido gigante”, de intelectuais, como saída

para reverter o desvio da República. Apesar da sua análise, correta em alguns aspectos, sobre como os diferentes interesses dentro do Governo republicano fragilizavam a consolidação do novo regime, a saída concebida por Ortega ignorava, ou camuflava, as grandes desigualdades existentes no país ao propor a união de operários, intelectuais e capitalistas em prol de um governo para todos, imparcial. No seu próprio discurso condensa elementos que inviabilizavam esta união, ao pedir sacrifícios impossíveis tanto a socialistas quanto a capitalistas e ao indicar como figura destacada de tal partido D. Miguel Maura, filho de Antonio Maura, um republicano conservador como Ortega.

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E aqui também falta uma inserção das questões estéticas para Ortega nesse momento. Será preciso observar como uma das diferenças do fundador da R. de O. , tanto com o comunismo russo quanto com o fascismo e o nazismo, consistia na importância da arte como instrumento de convencimento ideológico das massas, ou melhor, da identificação das massas com a arte naqueles regimes.

Em resumidas contas, este partido “imparcial” e nacional nada mais seria do que

o partido da ideologia de Ortega, esboçada já em La rebelión de las masas e outros

textos “filosóficos”: uma crescente massa trabalhadora, fenômeno histórico ao qual não

se poderia fugir, guiada por intelectuais que conduziriam o destino da nação. A fraca recepção deste projeto e o agravamento da crise do governo republicano levaram o ensaísta a demitir e a se tornar uma vez mais “espectador” da cena política, uma vez que seu projeto era naquele momento, claramente anacrônico, um quase delírio conciliador no meio das radicalizações exigidas pela época. Depois de uma série de posições públicas cada vez mais críticas aos rumos do novo governo, Ortega voltaria aos seus afazeres filosóficos e intelectuais.

Parece que este também foi o rumo da Revista de Occidente. A leitura dos volumes referentes a 1932 aponta uma maior presença da poesia. Os anos de 1929, 1930 e 31 apresentam apenas quatro artigos “poéticos” (isto é, um conjunto de poemas de um mesmo autor) publicados. Em comparação em 1932 se publicam oito conjuntos de poemas. Em janeiro aparecem poemas de Jorge Guillén, agrupados sob o título “Varios

poemas” (R. de O., t. XXXV, 1932); em fevereiro, poemas do livro Espadas como labios (R. de O., t. XXXV, 1932), de Vicente Aleixandre; em março, “Décimas” (R. de O., t. XXXV, 1932) de Juan José Domenchina; en junho “Alta tensión” (R. de O., t.

XXXVI, 1932), de José María Quiroga Plá; em julho “Amor y sombras” (R. de O., t. XXXVII, 1932), de Pedro Salinas; en agosto “Roca maternal” (R. de O., t. XXXVII,

1932), de Manuel Altolaguirre; en novembro, “Salvación de la primavera” (R. de O., t. XXXVIII, 1932), outra vez de Jorge Guillén; e em dezembro, “Donde habite el olvido” (R. de O., t. XXXVIII, 1932), de Luis Cernuda,

Além disso, surgem sete notas sobre o tema, um número bastante significativo se comparado às três notas de 1930 e às três de 1931. São elas, La poesía y "Soledades

juntas", de Vicente Aleixandre (R. de O., t. XXXV, jan. 1932), “Inocencia y misterio”, de Manuel Altolaguirre (R. de O., t. XXXV, mar. 1932), “Josefina de la Torre: Poemas de la isla”, de Agustín Miranda Junco (R. de O., t. XXXVI, jun. 1932), “Sóngoro cosongo”, de Manuel Altolaguirre (R. de O., t. XXXVI, jun. 1932), “La blusa de

Baudelaire”, de Antonio Marichalar (R. de O., t. XXXVII, jul. 1932), “José María de

Cossío: Los toros en la poesía castellana”, de Antonio Espina (R. de O., t. XXXVII,

ago. 1932) e “Espadas como labios”, de Dámaso Alonso (R. de O., t. XXXVIII, dez. 1932).

Em nossa dissertação estudamos a relação entre a poesia pura da chamada Geração de 27 e a sua significativa presença67 nas páginas da Revista de occidente,

fundada no interesse orteguiano sobre a arte nova revelado no ensaio “La

deshumanización del arte”.

Para o ensaísta o fato que separava artistas e massa em lados opostos era a incapacidade destas em compreender uma arte que não fosse mimética, imitação da vida. A nova arte, ao romper com os vínculos das sensações percebidas como humanas, dividia o público não mais entre “aqueles que apreciavam” e “os que não apreciavam” certa obra. A incapacidade de enxergar uma obra simplesmente como “arte”, com um conjunto de códigos próprios, criava por primeira vez uma cisão entre a “minoria seleta” que a entendia e a “maioria” incapaz de entendê-la.

Ao não buscar a imitação da vida, o prazer que proporcionava era puramente estético, o que não podia ser compreendido pela massa. Esta procura o prazer na intenção mimética da obra, desfruta “cuando ha conseguido interesarse en los destinos humanos que le son propuestos” (ORTEGA Y GASSET, 1932, 892) Desta forma reconhecia Ortega que el arte nuevo no es para todo el mundo, como el romántico, sino que va desde luego dirigido a una minoría especialmente dota da. (ORTEGA Y GASSET, 1932, 892)

67 Podemos concluir que a Revista de Occidente funcionou como um espaço de reconhecimento e

divulgação destes poetas. Durante este período e inclusive depois, Rafael Alberti publicou seis vezes (1926-1929), García Lorca, cinco vezes (entre 1926 e 1931), Jorge Guillén, dezenove vezes (1923-1935), Pedro salinas, catorze vezes (1924-1936), Gerardo Diego, 22 vezes (1924-1931) e Luis Cernuda e Vicente Aleixandre menos de 5 vezes na revista de Occidente. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 71) Além do número significativo de textos publicados, é preciso destacar que a grande maioria consistia em poemas (uma pequena parte era de pequenos ensaios sobre literatura), entre os quais estava a produção mais relevante destes autores na época. (SANTOS, 2005, 92)

Além de “abrigá-los e incentivá-los através da Revista de Occidente, o impulso dado por Ortega a estes jovens complementou-se com o lançamento pela editora da Revista das coleções “Centenario de Góngora” (já mencionada), em 1927, e “Los Poetas”, em 1928, que trouxe à luz os livros mais importantes destes escritores (BLANCH, 1976, 39). (SANTOS, 2005, 93)

O interresse de Ortega se baseava no fato de que

lhe interessava especificamente entender a dimensão das transformações propostas por pelos artistas. Para ele, devia-se compreender a arte e a ciência como indicadores das novas tendências humanas, precursoras de um novo pensamento que se aproximava, uma espécie de ante-sala do futuro. E como para Ortega a função de todo ser humano de cada nova geração era aceitar os desafios que lhe impunha a sua época e viver para realizá-los, desvendar os “sinais” desse novo tempo que a arte e a ciência antecipavam constituía uma tarefa fundamental para o homem que quisesse cumprir o seu destino. (SANTOS, 2005, 85)

Nosso objetivo foi estabelecer como em 1929 ainda apareciam textos que indicavam, por um lado a manutenção da produção poética como forma residual (WILLIAMS, 2000, 202) através de poemas de Guillén, Salinas, Diego y Cernuda, e por outro a construção de um discurso que procurava estabelecer as características desta poesia, e, portanto, defini-la como cânone, através da seção de notas.

Observando a poesia publicada em 1932, não se pode ignorar a coincidência de escritores presentes em 1929, nem desconsiderar a semelhante presença de uma importante contribuição teórica realizada na seção de notas.

[...] la estética purista elaborada en los años veinte continuó siendo practicada en la década siguiente. Varios poetas de la generación del 27, con Juan Ramón Jiménez a la cabeza, continúan fieles a un ideal de pureza poética. Las poéticas que Salinas, Guillén Altolaguirre, Diego y Domenchina, entre otros, escribieron para la Antología de Gerardo diego dan testimonio del hecho. (GEIST, 1980, 192)

Um grupo ao qual se somaria Vicente Aleixandre, cuja poesia de raíz surrealista

“aunque reduce la importancia de la razón en la poesía, continúa la tendencia evasiva del purismo, que huye de un mundo alienante”. (GEIST, 1980, 187) Além de publicar

poemas do livro Espadas como labios, Aleixandre apresenta um comentário sobre a poesia de Manuel Altolaguirre, a qual define como “una poesía libre, con un anhelo de libertad que sirve a lo humano sin precio, y sin política en sus páginas en cuanto

realidad práctica”. Após estabelecer a relação do poeta com a revista Litoral, Aleixandre

La “soledad”, de Manuel Altolaguirre [...] es también una originalidad radical, como ocurre siempre que una sustancia lírica pasa a través de un auténtico temperamento. Su voz viene a prolongar una línea muy clara de la poética española [...]

Cerrado el libro, una impresión señorea sobre todas: la de que ante todos los poetas de hoy acaso sean muy pocos los que hayan conseguido en el mismo excelso grado que él lo que es la suprema consagración de la misteriosa actividad: hacer su poesía „trascendente‟” (R. de O., t. XXXV, 1932, 120)

Como dissemos anteriormente, estas são linhas iniciais de um trabalho que precisa considerar ainda, além das outras manifestações literárias publicadas na R. de O.no mesmo período, um outro aspecto relevante apontado por Marichalar em Visto y oído e que a parece também em alguns comentários da revista: a questão da literatura de massas presente, por um lado nas histórias de detetives, e por outro no sensasionalismo das notícias cotidianas que aproveita as formas do relato ficcional para “roubar” o espaço da literatura. Nossa pretensão será observar a tendência da R. de O., de abrigar esta poesia pura, uma literatura duplamente deslocada, pelo compromisso político, de um lado, pelo sensacionalismo das notícias dos jornais de massa, por outro.

CONCLUSÃO

Antenada com o que de mais atual havia no seu tempo, a R. de O. pretendia trazer as novas idéias que chegavam da Europa e da América e abrir novos horizontes para a intelectualidade espanhola. A publicação se distinguia por apresentar textos de autores nacionais e estrangeiros que hoje são destacados e reconhecidos pela historiografia de suas áreas. Como afirmava o seu editor no prólogo da primeira edição, não se tratava de uma revista temática – nem literária nem científica – e sim de um espaço de preocupação com as grandes questões da época nos mais diversos campos do conhecimento.

De fato a revista publicava uma grande variedade de artigos, entre os quais dedicava uma parte importante à literatura. Parece que suas portas se mantinham

fechadas unicamente à política, a qual, segundo Ortega y Gasset, “não aspirava a entender as coisas” e talvez por isso não merecesse fazer parte de um projeto cujo desejo é o de “saber”. Assim, por um longo período este foi o perfil da Revista,

concentrada no objetivo de criar uma intelectualidade capaz de dirigir a nação.

A idéia de modernização espanhola pela via do acesso à cultura e do papel do intelectual como condutor deste projeto não era nova nem no país nem no mundo ocidental. Fazia parte de um projeto de um humanismo liberal de modernização

conservadora, que buscava “reformar” alguns preceitos da sociedade capitalista que

devolvesse a tranquilidade, sobretudo às classes médias burguesas, profundamente abaladas pela guerra, sem, no entanto, propor uma transformação radical, como a revolução soviética.

Segundo a crítica, a partir de 1930 os problemas sociais e políticos passaram a se destacar na Revista de Occidente e na sua editora e ao mesmo tempo diminuiu o espaço dedicado à literatura. Relaciona-se esta mudança ao crescente interesse de Ortega y

Gasset pela política após a publicação do seu livro A rebelião das massas (1930).Este fato não é estranho uma vez, que o cenário político mundial e espanhol passava a ser marcado por instabilidades políticas de grandes dimensões, às quais não mais se podia

fazer “ouvidos surdos”.

No mundo a grande depressão de 1929 era o estopim de uma crise que levaria Hitler ao poder e o mundo à segunda guerra mundial, da qual não podemos esquecer que a guerra civil espanhola foi uma espécie de “ante-sala”. Na Espanha, se vivia a pressão contra o fim da ditadura do General Primo de Rivera, que culminaria na segunda República e na Guerra Civil.

Embora esta mudança de foco pareça ir de encontro ao programa “apolítico”

definido no prólogo da primeira edição, mantinha a intenção original de “sintonia” entre o projeto da revista e a intelectualidade espanhola, envolvida agora nas inquietudes sociais do fim da ditadura do General Primo de Rivera e o estabelecimento da 2ª República. Na verdade, se tratava de uma “reorganização” de um projeto em função de uma nova realidade social. Uma série de intelectuais que podiam refletir sobre a massa a partir do debate estético da arte desumanizada precisaram passar à análise das massas como fenômeno com o qual precisariam lidar, uma vez que com a proclamação da República, estes se tornaram representantes do poder . Com o acirramento das disputas internas dos diversos interesses que compuseram o grupo republicano, e o agravamento das contradições políticas na Europa, campos vão se demarcando no cenário político

espanhol, fazendo com que seja impossível uma idéia de “neutralidade” e levando o mundo intelectual e artístico nacional a uma cisão “precisamente por la cuestión de la

relación entre arte y sociedad” (RAMOS ORTEGA, 2001:25). Deste modo, o projeto da Revista não estava isento de posição.

Do ponto de vista ideológico, a “isenção” ou a neutralidade, ou ainda a preocupação “cultural” da Revista é também um projeto político, característico deste

humanismo assustado pelo surgimento da massa. Vimos em nossa dissertação como

problema deste humanismo não era “não ser político”, uma vez que tudo é político se

entendemos política como forma de organização social humana. Seu problema estava em negar seu caráter político em nome de uma suposta isenção, de uma leitura dos fatos

por cima de toda “ideologia” como verdades isentas de posicionamento (EAGLETON, 1997). “A pretensão de que o conhecimento deve ser „isento de valores‟ é, em si, um

juízo de valor” (EAGLETON, 1997:19) que, no caso de Ortega y Gasset e a sua

representação “da lei natural que divide o mundo entre minorias egrégias e massas incultas”, constitui a base de um discurso que se pretende hegemônico e estabelece a

sua verdade como uma verdade compartilhada pelas demais classes a que submete. Assim, embora a Revista mantivesse o seu discurso de isenção, o fato é que a publicação, de verdade, se debruçou sobre questões que estavam no centro do debate político daquele momento, em estreita sintonia com as ideias do seu fundador. Assim, durante os anos 30 observa-se na publicação um crescente interesse sobre a questão da massa. Desde artigos de fundo psicológico que caracterizam os sentimentos e emoções humanas, passando pelo debate sobre o papel do Estado, e chegando até a uma breve coluna política sobre episódios do conturbado panorama espanhol, se levantaram questões sobre o que é a massa, como se comporta, quais são os seus gostos, como se reproduz... Fosse como alusão “implícita” ou “debate “explícito”, pensar a massa (não como algo abstrato, distante, mas sim a massa que estava nas ruas naqueles anos), o papel do Estado e a sua forma (Monarquia, República, ditadura, democracia), ou mesmo o lugar da literatura neste novo cenário eram, em si, questões vitais para a intelectualidade da época.

Época de contrastes, de mudanças bruscas que exigiam ações rápidas dos intelectuais. Ortega y Gasset, por exemplo, em 1929 rompeu com a ditadura de Primo de Rivera, em 1930 vaticinou que a Monarquia estava morta, no ano seguinte participou

da criação da “Agrupación al Servicio de la República”, se elegeu deputado e em

seguida abandonou seu cargo por desacordos com a Constituição e se distanciou da vida política, o que de certa forma também significou se distanciar da República”.

As opções políticas da R. de O. e de seu fundador levaram a um esvaziamento da publicação, com a saída de vários colaboradores de peso. Tal saída não se deveu a que alguns intelectuais não tivessem espaço para expressar-se num projeto “cultural” como o da Revista, uma vez que vimos como o discurso da publicação adquire tons políticos. A debandada se devia, pois, a que o espaço da publicação não servia para o que estes tinham a dizer.

O deslocamento do eixo estético subsidiado pelo ensaio “La deshumanización

del arte” para a análise da “massa” presente em La rebelión de las masas leva a revista a se aproximar dos debates da sua época. No entanto, este discurso, profundamente nacionalista e conservador, seria lido, anos mais tarde, como o germe de uma corrente fascista que serviria de suporte ao franquismo. Sem desconsiderar a relevância do empreendimento orteguiano para a difusão de uma importante parte da produção intelectual espanhola e internacional do momento, podemos afirmar que o forma da construção do discurso da R. de O., revestido de neutralidade e de autoridade científica, e perfeitamente coerente com os seus princípios, serviu, pelo menos no período estudado, de porta voz de discursos perigosos para a democracia. Nos tempos de crises atuais, momento em que se observa a releitura e a revalorização de nacionalismos exacerbados (cuja xenofobia é uma consequencia natural), torna-se muito importante reler o passado. Com distanciamento histórico, sim, com isenção, impossível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 133-142)

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