FLAVIA FERREIRA DOS SANTOS
O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO
INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.
Flavia Ferreira dos santos
O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO
INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.
01 volume
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Literaturas Hispânicas)
Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri
FICHA CATALOGRÁFICA
Santos, Flavia ferreira dos.
Os intelectuais e as massas/ Flavia Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/Letras, 2010.
xi, 130f.: il.
Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri
Tese (Doutorado em Letras neolatinas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2010.
Referências bibliográficas: f. 141-146.
1. Literatura espanhola. 2. Revistas Culturais. 3. Modernidade
FOLHA DE APROVAÇÃO
Flavia Ferreira dos Santos
O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO
INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2010.
_________________________________________________ (Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri, Profa. Dra./ UFRJ)
_________________________________________________
(Ana Cecília Olmos, Profa. Dra./ USP)
_________________________________________________
(Gladys Viviana Gelado, Profa. Dra./ UFF)
_________________________________________________ (Julio Dalloz Aldinger, Prof. Dr. UFRJ)
AGRADECIMENTOS
À CAPES pela bolsa concedida de março de 2008 até agosto de 2010.
À Coordenação do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da
Faculdade de Letras da UFRJ por todo apoio.
A minha orientadora, professora Doutora Silvia Inés Cárcamo Arcuri por todos
os ensinamentos e por me incentivar em todas as etapas da minha carreira acadêmica.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Aos meus filhos, Maria Luiza e João Guilherme, pois é deles que nasce a minha
força para superar as dificuldades. A todos os que cuidaram deles enquanto eu estava
escrevendo.
À minha mãe, que sempre foi o meu exemplo de vida pessoal e acadêmica, pelo
apoio em todos os momentos.
Ao meu pai, pela confiança e incentivo.
Ao meu marido pela enorme paciência e pela orientação em momentos
fundamentais nos quais eu não conseguia seguir adiante.
À minha família, aos presentes e aos que já se foram, porque sem o seu carinho
RESUMO
SANTOS, Flavia Ferreira dos. Os intelectuais e as massas: o papel da Revista de Occidente no início da Segunda República. Rio de Janeiro, 2010. Tese
(Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo. Tese de Doutorado em
Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.
A leitura dos volumes referentes aos anos de 1930 a 1932 da Revista de Occidente (R. de O.), uma das publicações culturais mais importantes da Espanha, revelam uma preocupação constante com o aparecimento da massa não só como fenômeno social que merece ser objeto de análise em si, mas também como ponto de partida para reflexões estéticas sobre a literatura da época. Se em seu projeto inicial
(1923) a publicação se definia não como una revista “temática” – nem literária nem científica – mas sim como um espaço de preocupação com as grandes questões da época nos mais diversos campos do saber, cuja única área a ser evitada era a política, o acirramento das lutas internas pelo poder na Espanha dos anos 30, que desemboca na proclamação da República e, posteriormente, na Guerra Civil, implica em uma readequação do projeto inicial da R. de O. à nova conjuntura. Cabe recordar que neste mesmo período o seu fundador, José Ortega y Gasset, publicava um dos seus livros de maior repercussão: A rebelião das massas. A partir do deslocamento do eixo crítico da
Revista do texto “A desumanização da arte” para “A rebelião das massas”, procuramos observar como se construiu o conceito de “massa” nas reflexões teóricas da publicação e
RESUMEN
SANTOS, Flavia Ferreira dos. Los intelectuales y las masas: el rol de la Revista de Occidente en el inicio de la Segunda República. Rio de Janeiro, 2010. Tese
(Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo. Tese de Doutorado em
Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.
La lectura de los tomos referentes a los años de 1930 a 1931 de la Revista de Occidente (R. de O.) revelan una constante preocupación por el surgimiento de la masa no sólo como fenómeno social a ser analizado sino también como punto de partida para reflexiones estéticas sobre la literatura de la época. Si en su proyecto inicial (1923) la publicación se definía no como una revista “temática” – ni literaria ni científica – sino como un espacio de preocupación por los grandes temas de la época en los más diversos campos del saber, cuya única área a ser evitada era la política, el enconamiento de las disputas internas por el poder en la España de los años 30, que culmina con la proclamación de la República y la Guerra Civil, implica una readecuación del proyecto inicial de la R. de O. a nueva coyuntura. Cabe recordar que en este período José Ortega y Gasset publicaba su libro de mayor repercusión: La rebelión de las masas. A partir del
desplazamiento del eje crítico de la Revista del texto “La deshumanización del arte” hacia “La rebelión de las masas”, buscamos observar como se construyó el concepto de “masa” en las reflexiones teóricas de la publicación y el análisis del contexto inmediato
ABSTRACT
SANTOS, Flavia Ferreira dos. The intellectuals and the masses: the role of the
Revista de Occidente at the beginning of the Second Republic. Rio de
Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo.
Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.
The reading of the volumes encompassing the years from 1930 to 1932 of the
Revista de Occidente (R. de O), one of Spain's most important cultural publications, reveal a constant concern with the appearance of the mass, not only as a social phenomenon which deserves to be an object of analysis in itself, but also as the starting point for esthetic reflections about the literature of the time. If in its original project (1923) the publication defined itself not as a "thematic" magazine – neither literary nor scientific – but as space of concern for the great issues of the time in various fields of knowledge, whose only area to be avoided was politics, the escalation of internal power struggles in 30s Spain, which will culminate in the proclamation of the Republic and, afterwards, in the Civil War, implies a readjustment of the R. de O.'s original project to the new situation. It is worth recalling that, in this same period, its founder, José Ortega y Gasset, published one of his most renowned books: The Revolt of the Masses.
Starting from the displacement of the Magazine‟s critical orientation from the text “The Dehumanization of Art” to “The Revolt of the Masses”, we see how the concept of
“mass” was built in the theoretical reflections of the publication and in the analysis of
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12 1ª PARTE: UMA HISTÓRIA DE INTELECTUAIS SEM MASSA
1. OS PRÓSPEROS ANOS 20 E A CONTURBADA DÉCADA DE 30 24 2. OS INTELECTUAIS E O FIM DA DITADURA DE PRIMO DE RIVERA 40
2.1 ANTECEDENTES 40
2.2 CHEGA A DITADURA 57
2ª PARTE: COMEÇA A REBELIÃO DAS MASSAS
3. METODOLOGIA 67
4. A MASSA 70
5. A MASSA NA REVISTA DE OCCIDENTE 73
5.1 A PSICOLOGIA DAS MASSAS 75
5.2 A CRISE DO ESTADO 84
5.3. VISTO Y OIDO 108
6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 122
7. REFLEXÕES PARA O FUTURO 127
7.1 O PAPEL DA LITERATURA 127
7.2 A VOLTA DA POESIA PURA 132
CONCLUSÃO 137 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 141
ANEXO A (CAPA) 148
ANEXO B (PAG. ARTIGO) 149
ANEXO C (PAG. NOTA) 150
ANEXO E (perfil da revista) 153
ANEXO F (ALEMANHA) 160
ANEXO G (ESTADOS UNIDOS) 167
La revista de Occidente quisiera ponerse al servicio de ese estado de espíritu característico de nuestra época. Por esta razón no es un repertorio meramente literario, ni ceñudamente científico. De espaldas a toda política, ya que la política no aspira nunca a entender las cosas, procurará esta revista ir presentando a sus lectores el panorama esencial de la vida europea y americana(...)
¡Claridad, claridad, demandan ante todo los tiempos que vienen!1
INTRODUÇÃO
La historia de nuestras revistas es la historia de nuestra sociedad y sin esta historia no se explicarían ni la formación de los grupos que la hacen, ni las reagrupaciones que efectúan los individuos que los componen, ni la ruptura que como grupos sufren. (OSUNA,1986, 15).
O presente projeto surgiu como desenvolvimento natural da dissertação de
mestrado “A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação: um estudo do ano
de 1929”, por mim defendida em novembro de 2005. Como consequência, algumas
análises e conceitos incluídos neste texto se encontram em relação direta com o que
pesquisei anteriormente. Por este motivo, pareceu-me relevante assinalar brevemente
alguns aspectos essenciais do referido trabalho2.
A Revista de Occidente (R. de O.) foi uma das publicações culturais espanholas mais importantes das décadas de 20 e 30 na Espanha. Fundada por José Ortega y
Gasset, publicou-se em edições mensais ininterruptas desde 1923 até 1936, ano em que
começava a Guerra Civil espanhola3. Durante este tempo o periódico se constituiu como
o canal de expressão de um grupo que, capitaneado pelo próprio Ortega, sentia-se unido
pelo anseio de discutir sobre os novos rumos da humanidade após a primeira guerra
mundial.
O desejo de captar “los síntomas de una profunda transformación en las ideas, en los sentimientos, en las maneras, en las instituciones” (Revista de Occidente, t.i, 01)
levou a Revista a buscar o que de mais inovador havia em seu tempo. Entre suas
páginas encontravam-se artigos sobre as últimas descobertas em física, biologia,
2 A base deste texto é a conclusão da minha dissertação, com algumas partes alteradas por mim,
especialmente a inclusão de partes das análises do sub-capítulo 6.3 (A inovação política), com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor. Para a leitura completa ver SANTOS, F. F., “A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação: um estudo do ano de 1929”
3
astronomia, filosofia e obras literárias de escritores como Garcia Lorca, Pablo Neruda,
Franz Kafka, Eugenio O´Neill e outros.
A sua origem se deveu à necessidade, revelada por Ortega y Gasset a Fernando
Vela, secretário de redação da revista, de colocar o leitor espanhol ao corrente “de todas
las nuevas ideas en todos los dominios de la cultura” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 59). Este leitor era fundamentalmente culto, oriundo da universidade (estudantes e
professores) e de setores mais abertos de profissionais liberais, entre os quais se
reconhecia uma demanda por outras leituras além das estritamente universitárias e da
sua área de trabalho. Tal público se encontrava não só na Espanha, como também na
América Latina, para onde ia, segundo Fernando Vela, mais da metade dos 3.000
exemplares de cada edição, comprados pela editora Espasa-Calpe. (LÓPEZ
CAMPILLO, 1976, 66)
Para concretizar seus objetivos e seduzir este leitor interessado, propunha-se, em
suas palavras, como uma revista “temática”, “ni (...) un repertorio meramente literario, ni ceñudamente cientifico”– cujo único assunto a ser evitado era as questões políticas, já
que a política “no aspira nunca a entender las cosas” (“Propósitos”, R. de O., t.i, 02).
Apesar do abrangente espectro de assuntos a revista possuía critérios rígidos. Não se
publicava qualquer novidade, pois não bastava ser “novo” para despertar o interesse
crítico. O “novo”, sem o crivo da qualidade, se confundia com a produção massificada, favorecendo, “lo insignificante en detrimento de lo selecto y eficaz” (R. de O, t.i, 02).
Era preciso, portanto, selecionar e hierarquizar a informação de modo a tratar do que
realmente se considerasse relevante.
Dentro desta “seleção”, pretendia-se “atender às coisas da Espanha” e trazer as
novas idéias que chegavam da Europa e da América, não só através de seus
outros países tinha se tornado uma prática de quase todas as revistas da Europa e da
América, e, por isso, a Revista de Occidente, como demonstração de que estaria em sintonia com as novas tendências, não poderia deixar de atuar da mesma forma.
Impulsionada pelos ventos de prosperidade dos anos 20, a publicação se
viabilizou materialmente como conseqüência do desenvolvimento do capitalismo na
Espanha e da consolidação do processo de autonomização do campo intelectual
nacional. Também cumpriu papel destacado na sua trajetória o acúmulo de experiências
do seu fundador, não só do ponto de vista do domínio tecnológico, ao lidar com os
recursos mais modernos da área, mas também em relação a uma rede de contatos
financeiros e intelectuais que serviram de suporte ao empreendimento. Em 1923 Ortega
era um dos intelectuais mais influentes de Espanha e um símbolo do discurso liberal
iniciado com os regeneracionistas, superando a influência da Geração de 98 e
inspirando os “novatos” da Geração de 27.
Apesar do considerável número de colaboradores, somente uns poucos
intelectuais escreviam assiduamente na publicação. Ao lado do ensaísta e do secretário
de redação, Fernando Vela, um seleto grupo de colaboradores garantiu o cuidado na
seleção e apresentação de textos na revista. A R. de O. tornava-se o veículo de
expressão dos anseios dessa “formação”, “modo de organização que representa um setor
fundamental das relações culturais da sociedade moderna” (WILLIAMS, 2000, 35). As opções feitas pela R. de O. - a escolha de seu nome, os objetivos traçados no texto de apresentação do primeiro número da R. de O., intitulado “Propósitos”4, a seleção de textos e a forma de publicá-los – indicam, ao mesmo tempo, o posto que a publicação pretendia ocupar e o distanciamento com respeito a outras forças do campo
intelectual. A partir da configuração imaginária de um mapa ocidental, que a incluía
4“Propósitos” é um texto curto, uma espécie de manifesto, publicado na primeira página do primeiro
como portadora dos novos valores cosmopolitas do pós-guerra, a revista supera a velha
dicotomia “Europa X Espanha” e reivindica para o país a condição de campo intelectual
central, formador de opinião para outros campos.
A ousadia do novo empreendimento editorial de Ortega y Gasset logo se
transformou em um projeto sólido e reconhecido dentro do campo intelectual espanhol.
A partir de então a Revista se transformou em instância legitimadora de um cânone
estético, baseado no conceito do novo, revelado no ensaio orteguiano “A
desumanização da arte”, alheio a todo envolvimento político.
Tal discurso continha uma carga simbólica bem definida, pois ao mesmo tempo
que a publicação se apresentava como o lugar do novo e da pluralidade, estabelecia
critérios de delimitação do que entendia por novo e por plural. Ser portadora dos novos
valores contemporâneos não implicava publicar qualquer texto recente. Não bastava ser
novo para merecer destaque. Ao critério do “novo” devia- se agregar o da qualidade. O
papel da Revista como crítica consistia em selecionar e orientar a leitura do publico em
geral para aquilo que o periódico considerasse relevante. Esta dupla operação se
verificava através dos conceitos de “hierarquia” e “clareza”, definidos nos
“Propósitos”. Deste modo criava-se uma “aura de distinção” a partir da qual se definiam
incluídos e excluídos do cânone.
Contudo, as transformações políticas na Espanha, em curso durante os treze anos
de existência da R. de O., impediram que a publicação mantivesse as mesmas preocupações ao longo do tempo. Na segunda parte da referida dissertação procurei
estabelecer as facetas deste discurso através da leitura dos volumes do ano de 1929, ano
emblemático da crise econômica mundial e auge da crise da ditadura do general Miguel
transição, uma vez que seu projeto cultural “apolítico” já não respondia às demandas do
novo panorama social espanhol. Era preciso questionar-se sobre os caminhos a seguir.
Para Williams (2000, 196), “é característico de toda ordem social, como de toda
forma cultural ativa, que ela deva ser continuadamente produzida e reproduzida”, provocando a existência de “contradições internas, desvios internos e, pois, mudanças internas muito significativas”. Assim, é normal o surgimento de “formas novas” que tanto podem ser “inovações” dentro da forma dominante como podem apresentar-se
como “formas emergentes”, que muitas vezes, se estabelecerão como novas formas “dominantes” (WILLIAMS, 2000, 197). Normalmente, todo processo de substituição de
uma forma dominante por outra, ou de aparecimento de inovações dentro de uma
mesma forma dominante apresenta um período de transição que revela obras que
contém “uma simplificação dos elementos perturbadores da forma anterior”. Segundo o
crítico, o estudo de tais formas de transição é muito importante na medida em que não
deixa escapar “um dos elementos essenciais da produção cultural: a inovação no momento em que acontece; a inovação em processo.” (WILLIAMS, 2000, 198) Assim
como uma forma dominante pode conviver com formas inovadoras e emergentes, pode
fazê-lo com aquelas definidas como “residuais”, que às vezes são “mantidas accessíveis por determinados grupos, como extensão ou alternativa da produção cultura
contemporânea dominante” (WILLIAMS, 2000, 202).
Meu objetivo foi estudar que formas apareciam na Revista de Occidente no referido ano como dominantes, residuais e inovadoras, que desafios enfrentava a
publicação e como por detrás dessas diferentes formas havia um projeto coerente que as
unificava. Naquele momento conviveram a poesia pura, como forma residual, a
biografia “romanceada”, forma dominante, e se anunciaram breves tentativas de
Procuramos demonstrar a inserção deste tipo de abordagem a partir da análise de
duas notas, uma resenha de Manuel García Morente sobre o livro Historias de las agitaciones campesinas andaluzas (R. de O., t. XXIII, 392-395) e um comentário de Fernando Vela sobre um curso filosófico ministrado por Ortega y Gasset. (R. de O., t. XXIV, 263-268)
A primeira nota se referia a uma das questões mais importantes para a
intelectualidade da época: o problema da reforma agrária. Como observamos então, o
discurso de Morente se caracterizava por um leve tom panfletário, destoante da isenção
acadêmica usual
Lo que si resulta admirable, en cambio, es la ignorancia con que los poderes públicos y los eruditos sociólogos oficiales han acudido siempre a los problemas críticos planteados, de cuando en cuando, con trágica agudeza, por el campesino cordobés. [...] Mientras en Madrid y en las grandes capitales negocian y trafican gozan y padecen unos millones de españoles, sucede que allá en las casas blancas apiñadas, [...] en los cortijos que motean en la campiña, en las callejas de los suburbios urbanos, viven otros millones otra vida totalmente diferente y sin relación con la primera [...](R. de O, t.xxiii, 395)
Este tom se acentuava com uma pergunta e uma conclusão, que mais se
assemelhavam a um chamamento à unidade nacional
¿Cómo remediar esta trágica insolidaridad? [...] Lo primero de todo conociéndonos. Debemos conocernos los españoles [...] Y luego después de conocernos organizarnos, esto es, no uniformarnos, sino dejar que todas esas vidas vivan por sí, pero estableciendo entre ellas articulaciones orgánicas, cuyo total sea la nación española. (R. de O., t.xxiii, 395)
A segunda nota se refere a um curso de filosofia organizado por Ortega y Gasset
depois de renunciar à sua cátedra da Universidade de Madri. O episódio remonta a um
decreto de Primo de Rivera de 1928, que concedia às universidades católicas o direito
de dar a seus alunos o diploma universitário sem que estes tivessem que se submeter a
uma avaliação de uma universidade laica. O ato desencadeou a reação da F.U.E.
aos choques constantes, o governo fechou a referida universidade de março de 1929 a
outubro de 1930.
Como conseqüência, alguns professores renunciaram às suas cátedras, entre os
quais o próprio José Ortega y Gasset (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 131). O curso,
ministrado pelo professor demissionário, pretendia ser uma demonstração de força, de
que seria possível mobilizar outras pessoas fora do âmbito universitário para tratar de
filosofia. Dessa forma, os comentários de Fernando Vela, sutis, escondem um ar de
“desforra” pelo êxito, apesar das circunstâncias desfavoráveis.
El suceso ha rebasado la primera fila de los diletantti profesionales. [...] Al periódico que reseñó por extenso las lecciones, piden ejemplares hombres oscuros de oscuros pueblos. No se sabe hasta donde llega una semilla. [...]
Alabemos la perspicacia del que, seguro del disparo, nos ha revelado qué cosas son ya posibles en España [...] No sé qué cosa es más importante: si la nueva filosofía de Ortega o esa revelación casi mágica de una realidad española diferente de la que alimentaba nuestro pesimismo y nuestra pereza. (R. de O., t. xxiv, 263)
Como consequência dessa nova situação Ortega faz um chamamento à minoria
egrégia, os intelectuais, para assumirem os desafios impostos à sua geração.
“[...] Ortega nos decía: „Nuestra nación ha llegado a un momento feliz de su
interno desarrollo... Cuanto depende de las circunstancias es inmejorable. Ahora se va a ver si lo que depende de los hombres, de su capacidad
intelectual y moral, está como suele decirse, a la altura de las circunstancias‟.
(R. de O., t. xxiv, 264)
O desejo de se pronunciar sobre um período politicamente “fervilhante” do país,
que já se manifestava nas notas de 1929 e que foi timidamente ensaiado no surgimento
da seção “visto y oído”5
, em 1931, colocava a R. de O. ante um dilema. Opinar sobre os
conturbados acontecimentos significava abandonar a eficiente tática de “evitar a política”, um importante recurso empregado pela revista para legitimar seu posto dentro
do campo intelectual, e garantir uma certa pluralidade de colaborações. Aparentemente,
5“Visto y oído” foi uma seção publicada nas edições de maio, junho e setembro, incluída dentro do
ao extinguir a referida seção a publicação optava pela volta ao projeto inicial,
abstendo-se de debates cruciais sobre o futuro do país.
Contudo, a questão não é tão simples e se esconde sob uma falsa polêmica.
Embora se autodenominasse apolítica, toda instituição é política no sentido de que
forma parte da organização social de um estado. O discurso “apolítico” é, como afirma EAGLETON (1997, 268) sobre as teorias literárias, em última instância, político. O
desejo de oferecer um espaço de conhecimento e debate ao público culto espanhol
formou, desde o início, parte de um projeto político que se tornou anacrônico, e, por
isso fracassado, após 1930, construído por um setor da intelectualidade espanhola
simbolizado por Ortega y Gasset, de educação estética das minorias que conduziriam o
destino da nação.
A partir das estratégias de seleção e orientação da leitura, definidos nos
princípios de hierarquia e clareza, a R. de O. construiu o seu discurso, baseado na sustentação teórica da fenomenologia. e no desejo de estabelecer o lugar do homem e da
verdade na sociedade moderna. Ao centrar o seu debate no indivíduo a poesia pura e a
biografia se destacaram como formas dentro da publicação, pois correspondiam ao
protagonismo do indivíduo e aos conceitos de pureza dos pressupostos filosóficos de
Ortega6. Em seu famoso ensaio “La deshumanización del arte” interessava ao ensaísta a arte como precursora das novas tendências de ação e pensamento do homem do século
XX. Evidentemente, um projeto de “educação estética” tão “contemplativo” não poderia
se manter no centro das discussões do campo intelectual durante a Segunda República e
a Guerra Civil, momento em que se necessitavam ações e propostas mais concretas.
6
Isto não significa afirmar que a publicação não se alterou. A inserção em 1931
da seção “Visto y oído” e a criação, no mesmo ano, da coleção “Libros de política” pela
editora R. de O. denotam o anseio de seus colaboradores de se manifestar sobre problemas da sociedade espanhola da época. Embora o estudo do ano de 1929 não fosse
conclusivo sobre o comportamento da R. de O. durante os anos da Segunda República pôde nos induzir a algumas reflexões.
Assim, o chamado “giro estético de 1930”, - em vez de ser propriamente uma
transformação real de objetivos se apresenta como uma reorganização interna do projeto
inicial, que precisava se adaptar às novas condições do campo intelectual espanhol e do
contexto histórico que o determinava. A R. de O., como veículo de expressão de um grupo, alçou tímidos vôos em direção aos problemas mais emergenciais da Espanha,
cujas origens aparecem, modestamente, nos volumes de 1929, para depois, talvez,
recuar e voltar a ser o “recinto tranquilo y correcto” (“Propósitos”, R. deO., t. i, 03) tão
almejado na primeira edição.
Cabe pensar se realmente a Revista conseguiu se ausentar do calor das
discussões políticas após 1930, e perguntar pelas conseqüências da manutenção de um
projeto “cultural e apolítico” entre 1931 e 1936. Ao desistir da seção “visto y oído”
deve-se perguntar por que a revista se calou se tinha algo a dizer. Como todo discurso
político o silêncio é também uma forma de manifestação. O estudo do ano de 1929 não
pôde fornecer conclusões, mas despertou a pergunta pelo que significou o “silêncio” da
revista a partir de então.
Foi a partir desta pergunta que propusemos inicialmente o estudo dos volumes
da R. de O. de 1930, ano apontado pela crítica como o de uma mudança estética dentro
do projeto original, até 1936, último ano de publicação da sua primeira fase. No entanto
nosso foco no período de transição do fim da Ditadura de Primo de Ribera até os anos
iniciais da 2ª República. Deste modo restringimos o nosso estudo a um relevante
período de intensa atividade polítca de Ortega y Gasset e seu grupo, marcado pelo início
da oposição política orteguiana à ditadura em 1929, passando pela intensa atividade
política de 1931 e concluindo com a posterior decepção com os rumos radicais do novo
regime, o que levou o filósofo a se “retirar” da vida pública em 1932.
É também neste período que Ortega publica La rebelión de las masas, um livro que sintetiza a concepção do autor do papel do intelectual como representante de uma
minoria seleta responsável por guiar as massas no processo de contrução do Estado.
Frente à incapacidade das massas para guiarem o seu destino, a preocupação de Ortega,
situada no debate político do começo da Segunda República espanhola, procurava
estabelecer as bases do novo regime burguês, definindo as relações de poder inerentes
ao seu funcionamento. No entanto, o receio do poder da participação massiva que
implica um sistema democrático, o levou por caminhos no mínimo ambíguos, que se em
alguns momentos reafirmavam a importância da democracia, em outros excluíam a
massa das decisões de poder.
Conceitos como a defesa da guerra como cirurgiã da História, ou a ideia de que
há nações-massa, destinadas a serem subjulgadas pelas nações que guiam os destinos do
mundo eram no mínimo discursos perigosos em épocas de ascensão dos discursos
fascistas e nazistas. Nosso trabalho consistiu em analisar como nesse mesmo período o
discurso da R. de O. se aproxima das ideias contidas em La rebelión de las masas e se distancia do seu outro ensaio canônico: La deshumanización del arte. Em outras palavras, nosso objetivo foi estudar como, numa época de profundas transformações
(a arte desumanizada) para a reflexão sobre exatamente o que era essa massa e como as
novas classes dominantes deveriam lidar com elas.
Eric Hobsbawn (2004, 07), no prefácio de Era dos extremos, afirma que “Não é
possível escrever a história do século XX como a de qualquer outra época, quando mais
não fosse porque ninguém pode escrever sobre seu próprio tempo de vida como pode (e
deve) fazer em relação a uma época conhecida apenas de fora, em segunda ou terceira
mão, por intermédio de fontes da época ou obras de historiadores posteriores” (2004, 07). O autor aponta, ainda, que “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos
sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos
fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX”. Por isso os
historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais
importantes que nunca no fim do segundo milênio. (2004, 13)
Acreditamos que tais afirmações são ainda pertinentes aos estudos do século
XXI e podem ser estendidas para além do território da história aos diversos campos do
saber em sua relação com o presente e em seus estudos historiográficos. Desde esta
perspectiva é que nos propusemos estudar a Revista de Occidente. .
1ª PARTE
OS PRÓSPEROS ANOS 20 E A CONTURBADA DÉCADA DE 30
Esperamos poco a poco, corrigiendo en cada número los defectos del anterior, conseguir que algún día sea esta Revista el recinto tranquilo y correcto donde vengan a asomarse todos los espíritus resueltos a ser claros. (Revista de Occidente, t. i, 03)
A Revista de Occidente, nos seus treze anos de existência, testemunhou uma parte significativa da conturbada história espanhola do século XX. Entre 1923 e 1936
aconteceram no país nada menos que um golpe militar, uma experiência republicana e o
início de uma guerra civil de proporções arrasadoras, à qual a revista não sobreviveu.
Somou-se a estes fatos a ilusão do breve renascimento econômico mundial após a
Primeira Guerra e a decepção subseqüente, após a crise de 1929. Paralelamente, foi um
período de grande florescimento cultural, que vinha desde o final do século XIX, no
qual a atividade política dos intelectuais espanhóis aumentou progressivamente,
passando em alguns casos da simples “separação entre arte e política” ao convicto
engajamento, como no caso de alguns poetas da geração de 27.
Por ser um período complexo e de grandes impasses históricos, ainda que a
publicação se declarasse não-política nos seus “propósitos”, tal contexto inevitavelmente incidiu sobre os seus rumos. Como afirma Bourdieu (1966, 144),
deve-se entender a autonomia de um campo intelectual como parte um processo histórico
geral do qual o campo não se dissocia por completo, principalmente quando de trata de
períodos de maiores conflitos históricos. Justamente em tais épocas é que as relações
entre um campo intelectual e a história mais se enlaçam.
O surgimento da publicação antecedeu em poucos meses o golpe militar
executado pelo general Miguel Primo de Rivera, com apoio da monarquia de Alfonso
traria prosperidade econômica ao país. As transformações políticas do período refletem
o acúmulo de tensões e conflitos entre um sistema arcaico de governo e uma crescente
burguesia de uma parte do país em modernização, aliado à profunda desigualdade
social, que remonta a períodos anteriores e aos quais nos referiremos em seguida.
Afirma Pierre Vilar (1992, 59) que “<A história contemporânea> do povo
espanhol começa, na realidade, com os seus primeiros esforços para se readaptar ao
mundo moderno.” Existia entre grande parte da intelectualidade espanhola do fim do
século XIX e início do século XX o sentimento de que a forma como se desenvolveu o
Estado espanhol, sobretudo a forte identidade entre o poder e a Igreja Católica, impediu
o desenvolvimento da Espanha como próspera nação capitalista. O atraso na
modernização das estruturas econômicas e de poder custou caro a esse país que não
acompanhou o desenvolvimento dos demais países, mas que, anacronicamente, ainda se
achava uma potência colonial no fim do século XIX. A perda das últimas colônias
americanas em 1898, na guerra contra os Estados Unidos, se tornou um símbolo da
decadência espanhola.
O país viveu nos séculos XIX e XX o acirramento de um processo de lutas e
divisões internas fruto das disputas de poder entre uma oligarquia “terrateniente” (representante do que ainda era a nobreza) e a nova burguesia enriquecida, reflexo da
luta histórica de superação política das estruturas feudais pelas formas capitalistas de
poder. Desde as tentativas de Carlos III de trazer o espírito da Ilustração ao país no
século XVIII, o poder da Igreja e da elite conservadora freou as propostas de mudanças
mais radicais.
Instituições medievais como a Inquisição e a Mesta (o sindicato de proprietários
de gado, que dispunha de privilégios reais) prolongaram a sua existência até o século
no processo de modernização capitalista, proposta desde Godoy (primeiro ministro de
Carlos IV), foi algumas vezes protelada e, quando levada a cabo, não promoveu a
distribuição da terra. Em vez de minifúndios trabalhados por pequenos proprietários, os
terrenos foram comprados pelos grandes proprietários, aumentando a concentração da
terra. Este era o perfil de Andaluzia, a região sul do país, de território fértil e população
miserável submetida às piores condições de exploração.
No outro extremo do desenvolvimento estava o nascimento de uma próspera
burguesia no País Vasco e Catalunha, na primeira região devido à indústria siderúrgica e
na segunda, a uma forte indústria têxtil. O crescimento demográfico e a conseqüente
urbanização fortaleceram-nas e provocaram o surgimento de um proletariado
organizado e a valorização de sentimentos regionalistas opostos à centralização do
Estado Espanhol desde Madri. A Espanha se tornara um espelho de desigualdades
sociais e conflitos internos.
No plano político, as reformas foram de tal modo adiadas que a luta entre o
velho e o novo sistema gerou um período de profundo desgaste do sistema monárquico.
Desde os Reis Católicos a “unidade espanhola” esteve atrelada ao papel da monarquia e
o aparecimento da Segunda República foi, sobretudo, o resultado da perda de
credibilidade daquela, dividida entre o desejo de modernização e aceitação do
capitalismo e a velha forma absolutista “católica” de poder (JACKSON, 1999, 25). Assim, a Espanha viveu durante o século XIX um período de várias guerras fratricidas e
instabilidade.
No início do século XIX sofreu a disputa entre Carlos IV e Fernando VII, pai e
filho, que culminou com o exílio de ambos e a ascensão francesa do Imperador José I,
irmão de Napoleão Bonaparte, em 1808. Graças à luta do povo espanhol pela
francês”, governou no pior estilo da “contra-reforma”. Após a morte deste monarca, em
1833, surgiram as guerras Carlistas de disputa pela sucessão, na qual se enfrentaram
“conservadores”, em torno do irmão do rei, Carlos, e “liberais”, na defesa da filha do
monarca, Isabel. Uma vez concluída a luta e transformada a princesa em Isabel II, o seu
reinado demonstrou-se instável, e a rainha, devido aos seus hábitos escandalosos,
impopular. Em 1868, um golpe a afastou do poder e estabeleceu um governo provisório,
seguido pelo coroamento de Amadeo de Saboya e um curto governo republicano,
derrubado pela volta da monarquia e a subida ao trono do filho de Isabel II, Alfonso
XII, em 1875.
Não se pode compreender a história deste período sem destacar a participação
dos militares.
Entre 1833, en que comenzó la guerra carlista, y 1875, en que se instauró la Monarquía constitucional, el ejército dirigió los destinos del país. El único
medio de cambiar de gobierno era el „pronunciamiento‟, una repentina
sublevación de un general, de común acuerdo relativamente poco sangrienta y en torno al cual se agrupaban las fuerzas de oposición como única esperanza de cambio. (JACKSON, 1999, 26)
Esta participação não só não diminuiu após 1875 como esteve presente em todos
os momentos de lutas internas do século XX, que culminaram com a ascensão do
General Francisco Franco em 1939. Além dos “pronunciamientos”, golpes militares que
se tornaram comuns na época, o exército muitas vezes garantiu a governabilidade
funcionando como aparelho repressor dos movimentos populares.
Desta forma, um “pronunciamiento” em Sagunto, em 1874, restaurou a Monarquia Borbônica, na figura de Alfonso XII, e pôs fim ao continuo “vaivém” de governos. Os anos da “Restauração”, nome dado a período que vai de 1875 a 1923,
Proclamou-se uma Constituição que estabelecia a monarquia parlamentar e
garantia certas liberdades de expressão. Este sistema, na verdade se transformou em um
pacto de governabilidade entre os Partidos Conservador e Liberal. Selou-se a alternância
de poder entre os dois partidos no parlamento e gerou-se um sistema eleitoral
profundamente corrupto, marcado pela fraude e pelo “caciquismo” nas cidades do interior, que desmoralizou o regime constitucional e desferiu o golpe de morte na já
desgastada imagem da monarquia.
Tal “turno pacífico”, expressão como se tornou conhecido o arranjo, não podia
existir com o consentimento nacional, dada a insatisfação que este modelo gerava em
vários setores da população. Outrossim, o assassinato de Cánovas em 1897 por um
militante anarquista, fragilizou sobremaneira este sistema e os Partidos Conservador e
Liberal se desintegraram progressivamente até 1917 (JACKSON, 1999, 27). Os
protestos vinham de vários lugares.
Por um lado, tal alternância de poder excluía a participação de liberais não
ligados aos dois partidos e não refletia a crescente influência dos movimentos populares
- e com eles, o desenvolvimento dos movimentos anarquista e socialista – e regionalistas. Nessa época surgiram as primeiras formas organizadas de atuação
proletária - como a primeira seção espanhola da Associação Internacional de
Trabalhadores (1871), a CNT (Confederación Nacional del Trabajo, 1911), sindicato
ligado ao movimento anarquista, o PSOE (Partido Socialista Obrero Español, 1879), a
UGT (Unión General de Trabajadores, 1888), sindicato socialista - e alguns partidos
regionalistas - a Lliga regionalista (nacionalismo catalán, 1901) e o PNV (Partido
Nacionalista Vasco, 1894).
Dois fortes movimentos populares sacudiram o período: a semana trágica de
concentraram na manutenção dos territórios espanhóis no norte da África, em Marrocos.
Em 1909, após a derrota na batalha de Melilla, o exército decidiu mobilizar os
reservistas catalães, o que desencadeou uma greve geral e uma onda de revoltas durante
vários dias, com graves distúrbios urbanos, como queimas de templos e conventos. O
exército restabeleceu a ordem à força e condenou-se a fuzilamento um pedagogo
anarquista, Francisco Ferrer y Guardia, como responsável pelo movimento. O episódio
desencadeou uma onda de protestos nacionais e estrangeiros e provocou a queda de
outro dos pilares da política de “turno” da Restauração: o chefe de governo na época, o
conservador Antonio Maura.
Em 1917, as tensões sociais fomentadas pelo aumento do custo de vida
acirraram-se ainda mais, e a insatisfação abarcava vários setores. Oficiais de menor
patente fundaram as “Juntas militares de defensa”, espécie de sindicato que reivindicava
melhores salários e condições de trabalho; e setores da burguesia realizaram em
Barcelona uma assembléia de parlamentares para pressionar o governo a convocar
eleições para “Cortes Constituyentes”. Porém, a ação mais devastadora viria dos
movimentos operários. No mesmo ano, em 10 de agosto, se deflagrou uma greve geral
revolucionária, liderada pela UGT. Seu objetivo era proclamar uma “República
democrática socialista” nos moldes da revolução russa iniciada em fevereiro.
Ao contrário da movimentação russa, a unidade do exército, “juntistas” ou não,
conseguiu sufocar a rebelião após três dias de lutas sangrentas e assustar a burguesia. A
vitória “le hacía [ao exército] dueño de los destinos de España.” (VICENS VIVES,
1985, 356) Este episódio, pela sua envergadura, abalou profundamente o esquema de
poder, a ponto de marcar a etapa terminal da Restauração.
criara-se na Espanha um exército conservador usado muitas vezes para reprimir os
movimentos populares. Foram eles os que tinham, de fato, sustentado a monarquia e
“garantido” a ordem da Restauração. Em “compensação”, Alfonso XIII garantiu um orçamento avantajado ao exército, através das cortes, e financiou as suas “aventuras marroquinas”. Paradoxalmente, este pilar do sistema também seria a sua ruína. Em
1921, a derrota na batalha de Annual, localidade marroquina perto de Melilla, na qual uma rebelião popular matou doze mil soldados espanhóis (GARCIA DE CORTAZAR y
GONZALEZ VESGA, 1995, 546), desencadeou uma onda de protestos.
El desastre de Annual retificaba la crítica del 98 [perda de Cuba], en el preciso instante que las fuerzas conservadoras hacían del Ejército la columna vertebral del orden político y social en España. Incluso la persona de Alfonso XIII se vio incluida en la demanda de responsabilidad que los partidos de izquierda exigieron desde el Parlamento. (VINCENS VIVES, 1985, 368)
Ante a possibilidade de ter que dar explicações sobre o desastre em Annual no
Parlamento, e politicamente encurralado, o exército impôs um golpe militar dirigido
pelo general Miguel Primo de Rivera.
Apesar da história de lutas e participação popular até o momento descritas, a
ditadura se implantou sem uma resistência significativa.
[...] la masa neutra española recibió con satisfacción la noticia [...] El caos civil, militar y social de los últimos cinco años, había roto los nervios del hombre de la calle y éste deseaba paz y un gobierno que implantara radicalmente unas medidas de emergencia. [...] Por otra parte, los mismos elementos disidentes del viejo sistema constitucional abrieron crédito de confianza a Primo de Rivera: la burguesía catalana, los socialistas e incluso ciertos republicanos – como Lerroux – estimaban posible que la Dictadura militar despejaría a su favor la incógnita planteada por las últimas cuestiones políticas y sociales. (VINCENS VIVES, 1985, 368)
Assim é que a ditadura do General Primo de Rivera em 1923 se instalou com
certa tranqüilidade. A instabilidade não desapareceu completamente, mas “Se inicia un periodo de paz social en el que desaparecen, casi por completo, atentados, huelgas
1995, 557). É preciso destacar, no entanto, que esta tranqüilidade inicial, relacionou-se também ao caráter autoritário do governo, que suspendeu os direitos civis e declarou
“Estado de Guerra”.
Sem a onda de prosperidade mundial que coincidiu com seu governo, a ditadura
não sobreviveria tanto tempo. Os preços se estabilizaram e a indústria se desenvolveu,
“a ritmo lento pero seguro” (VINCENS VIVES, 1985, 371). Investiu-se em obras de
infra-estrutura, como a criação da primeira grande rede de estradas da Espanha, e em
empreendimentos estatais, como a criação de CAMPSA (monopólio do petróleo e
derivados).
No entanto, não se alteraram as estruturas política, econômica e social
espanholas. Sob a ilusão de prosperidade, o governo não resolveu as questões centrais
de um desenvolvimento tardio e desigual, subvencionado por um Estado também falido.
O resultado, depois da suave brisa, era um vendaval em 1929. O rápido período de
“progresso” se convertia em mais uma época de crise, que levaria à demissão do ditador
em 1930 e à fuga do Monarca em 1931, deixando livre o caminho para a Segunda
República.
Depois da saída de Primo de Rivera, o rei Alfonso XIII ainda tentou uma
alternativa chamando para assumir o poder o General Berenger, com o pretexto de
organizar o país para um retorno à normalidade constitucional. No entanto, a pouca
demonstração prática dessa intenção e a agitação política do momento, que tinha
provocado a queda do próprio Primo de Rivera, levou à demissão do novo governo
pouco mais um ano após a sua configuração. Abandonado pelas diferentes forças
políticas que o acompanharam em outras empreitadas (Monárquicos, Liberais,
Conservadores e até os Reformistas) Alfonso XIII optou por mais um militar, o
convocou eleições, como forma promover certa abertura política que desse sustentação
à Monarquia.
No entanto, o resultado da votação confirmou uma grande vitória dos
republicanos nos grandes centros urbanos. A habilidade política destes em capitalizar o
resultado das eleições “como uma espécie de plebiscito Monarquia X República e o
ambiente de festa popular instalado” (BAHAMONDE, 200, 544) foram fundamentais.
Dado o claro isolamento político da Monarquia, proclamou-se a República em 14 de
abril de 1931, tendo como presidente o católico conservador Niceto Alcalá-Zamora e
obrigando o rei a se exilar.
O peso dos desafios impostos ao novo sistema, de modernizar um país tão
atrasado, e a demora em efetivamente começar a resolvê-los, fruto das dificuldades
econômicas do período e, principalmente, das profundas diferenças de projeto entre os
vários grupos que assumiram o poder, feriram a credibilidade e inviabilizaram a
estabilidade do novo regime, deixando o caminho livre para o avanço das tropas
franquistas.
El nuevo régimen estaba llamado en apariencia a enterrar la vieja España cacique de la Restauración. Se esperaba de él un verdadero revolcón social con la palanca de la reforma agraria y el protagonismo del movimiento obrero; un correctivo a la omnipresencia de la Iglesia; un reajuste de los cuerpos armados, que a un tiempo podase los recargados cuadros de oficiales y ahuyentase el espectro del militarismo; una labor cultural y de educación ciudadana para hacer realidad las fórmulas democráticas y, finalmente, una respuesta política a la singularidad regional de la península (GARCIA DE CORTAZAR y GONZALEZ VESGA, 1995, 567)
O problema é que nem todas estas questões interessavam a todos os grupos
comprometidos com a República e os grupos interessados em uma mesma questão nem
sempre (ou quase nunca) concordavam com o modo de resolvê-las. Este era o preço a
pagar por uma “aliança” que incluía setores conservadores, republicanos de esquerda e
[...] República era sinónimo de modernización política y democracia, pero no era todo. La República [...] era percibida y sentida emocionalmente como el símbolo de las expectativas que se abrían, y por ello fue entendida de muy distintas formas, y a ella apeló un nutrido inventario de aspiraciones muy diferentes. Por ello no cabe hablar de una sola República, aunque formal e institucionalmente sólo hubiera una, sino de varias repúblicas, o dicho de otro modo, distintas formas de entender el régimen republicano en función de aspiraciones sociales, proyectos políticos o inquietudes culturales y vitales diversas.
Deste modo a Espanha tinha dado o passo “mais fácil”. Restava então arrumar a
casa.
El objetivo de acabar con la Monarquía estaba colmado, y la adhesión mayoritaria y popular al régimen era un hecho. Pero se abrió un gran debate sobre la orientación que tomó, mientras las tensiones empezaron a aflorar fruto de expectativas políticas, sociales, económicas e ideológicas contrapuestas. (MARTÍNEZ, 2000, 545)
O primeiro biênio (1931-33) se caracteriza por uma composição inicial de
“centro-esquerda” que tenta tomar as primeiras medidas para “mudar o rumo da história
da Espanha”. (GARCIA DE CORTAZAR y GONZALEZ VESGA, 1995, 566) e para
garantir a legitimidade do novo regime. O primeiro governo provisório estava
composto, assim, por um amplo espectro de partidos que iam desde setores mais
conservadores como “Derecha Liberal Republicana” (depois Partido Republicano
Progresista), partido do presidente Alcalá-Zamora, e o Partido Radical, a tendências
mais progressistas, como Acción Republicana, do chefe de governo, Manuel Azaña
(presidente em 1936), e Partido Republicano Radical Socialista (dissidência da AR mais
à esquerda). Também incluía o PSOE (“Partido Socialista Obrero Español”), e os
partidos regionais autonomistas ORGA (Organización Republicana Gallega Autónoma)
e o Partido Catalanista Republicano. (MARTÍNEZ, 2000, 547)
Como primeira medida, devia-se garantir a base legítima do Estado, motivo
pelo qual se convocaram eleições para as cortes constituintes, com o objetivo de
estabelecer a nova Constituição Republicana, promulgada em dezembro de 1931. A
nova Carta Magna estabeleceu as bases do sistema democrático, que na prática
entre eles o de dissolver as cortes unicamerais, o poder legislativo, no máximo duas
vezes durante o seu mandato de sete anos, e um chefe de governo, nomeado pelo
presidente somente com a aprovação das cortes.
Além disso, o texto final e suas leis complementares asseguraram a igualdade
entre os cidadãos, definindo Espanha como uma “República democrática de trabalhadores de toda classe”, e incluíram o sufrágio universal e o voto para maiores de
23 anos (o que instituía o voto feminino e dos soldados). Também afirmaram o caráter
laico do Estado, com a separação de Igreja e Estado e a liberdade de consciência e de
cultos, retirando a subvenção estatal à Igreja Católica, garantindo o fim da
obrigatoriedade do ensino de religião nas escolas e, inclusive, proibindo a existência de
instituições religiosas de ensino. Reconhecia-se, também, o casamento civil e o direito
ao divórcio. Por fim estabelecia o direito à expropriação de terras, com direito à
indenização, para uso social, cujo objetivo patente era o de promover a reforma agrária,
e garantia o direito de cada região a estabelecer um estatuto de autonomia.
Como se observa, uma grande parte destas reformas correspondia
essencialmente aos anseios de socialistas e de republicanos esquerda, o que contribuiu a
atrelar a imagem da República a estes grupos. 7
La constitución resultaba la plasmación de un proyecto intelectual para modernizar el país y democratizar sus estructuras, pero no había sido el resultado de un amplio consenso. Había quedado mutilada por los que se inhibieron o se opusieron, y en todo caso era producto de un consenso de izquierdas, vertebrado por socialistas y republicanos de izquierda, a los que quedó asociada, perdiendo la vocación universalista con la que había nacido. (MARTÍNEZ, 2000, 564)
A sua promulgação gerou descontentamentos por parte dos setores mais
conservadores, ligados à Igreja e das oligarquias que poderiam ver as suas terras
7
confiscadas para a reforma agrária, além de provocar a saída do governo da Derecha
Republicana e do Partido Radical.8 Do mesmo modo, a regulamentação de direitos
trabalhistas e o fortalecimento do papel dos sindicatos (o que favoreceria à UGT)
propostos pelo ministério do socialista Largo Caballero despertaram o medo dos
empresários e a oposição da CNT.
Se a Constituição desagradava aos setores mais conservadores, deveria, então,
responder aos anseios da classe trabalhadora, operários (base política do PSOE, através
da UGT) e camponeses (muitos afiliados a FNTT, braço político da UGT, que cresceu
após 1931), e do eleitor urbano em geral, os quais depositaram na República as suas
esperanças de melhoria de vida. No entanto, a fuga de capitais, as dificuldades
econômicas de um período marcado pela depressão de 29 e as dificuldades políticas
tornaram difícil a realização de projetos ousados e caros. A expropriação de terras, cuja
proposta inicial foi suavizada na constituinte, e o assentamento de famílias ficaram
muito abaixo do esperado, o número de escolas primárias estatais criadas para substituir
a ampla rede católica não foi suficiente9 e houve um aumento do desemprego. A demora
em se conseguir resultados efetivos, acabou minando o amplo apoio popular inicial.
Além das dificuldades de gestão, a coalizão teve que responder às diversas
movimentações oposicionistas ao regime, fossem elas à direita ou à esquerda.
Modernizar o país implicava acabar com a longa tradição de ingerências católicas e
militares no Estado. Este fato, consumado de forma radical na Constituição e nas
8 Após a promulgação da Constituição a Derecha Republicana e o Partido Radical não compuseram o
novo Governo, que se reduziu a uma aliança republicana de esquerda-socialista. A saída do Partido Radical, segunda maior bancada do parlamento, e a sua aproximação aos setores oposicionistas serão fundamentais para a composição de centro-direita do segundo biênio da República (1933-36).
9
medidas adotadas pelo governo, pouco a pouco situavam a católicos e militares, além
dos próprios monarquistas, num campo oposto ao da República.
A questão religiosa era extremamente delicada, uma vez que o amplo apoio
popular à república não significava o fim das profundas raízes católicas do povo
espanhol nem o fim do enorme poder da Igreja e da sua influência, principalmente no
campo. Após 14 de abril de 1931 a Igreja observou com desconfiança o novo sistema.
Depois das primeiras medidas provisórias desfavoráveis, um setor, representado pelo
Cardeal Segura, disparou os primeiros ataques, elogiando as relações entre a Monarquia
e a Igreja e taxando as medidas laicizantes de “atentado contra a Igreja”, além de incitar
os fiéis à oposição. Paralela à influência eclesiástica existia um forte anti-clericalismo
popular, de tipo mais emocional do que liberal, que tinha crescido ao longo do século
XIX, associando à Igreja os males que assolavam o país. Deste confronto surgiram os
ataques a igrejas e conventos em maio de 1931, por ocasião da Criação de um Círculo
Monárquico em Madri. (MARTÍNEZ, 2000, 553) O Cardeal Segura se negava a
reconhecer o regime e foi expulso do país. Desde então as relações foram sempre
conflituosas. A aprovação da Constituição, com as medidas laicizantes já citadas, e a
dissolução da Companhia de Jesus em 1932, a mais influente ordem eclesiástica do país,
aumentaram ainda mais a insatisfação da Igreja, o que levará um setor a se organizar
para intervir nas eleições através da CEDA (Confederación Española de Derechas
Autónomas), como veremos mais adiante.
Os militares desde o início também tramaram contra a República. Muitos eram
simpáticos ao velho regime, fruto do poder do exército como “afiançador da ordem”. A
insatisfação só foi aumentando ao longo do tempo, principalmente depois da política de
reorganização e modernização do exército, planejada da por Manuel Azaña. O então
forma de dotar a República de lideranças fiéis ao novo regime. Deste modo obrigou os
militares a um juramento de fidelidade à República e promoveu a aposentadoria
voluntária de generais e oficiais, além de reorganizar a justiça militar, restringindo-a ao
âmbito interno. Estas e outras medidas geraram desconforto entre os oficiais e em 10 de
agosto de 1932 se realizou uma primeira tentativa fracassada de Golpe, liderada pelo
general Sanjurjo.
Su morfología recuerda al pronunciamiento del siglo XIX de carácter cívico-militar, en una mezcla confusa de militares y civiles monárquicos alfonsinos, carlistas – aunque no en nombre de la Comunión -, nacionalistas fascistas y algún monárquico liberal, con fines muy heterogéneos, desde el frontal ataque al régimen para instaurar la Monarquía [...] hasta un cambio de gobierno. (MARTÍNEZ, 2000, 592)
A revolta foi sufocada e o seu líder condenado a morte, pena comutada em
prisão perpétua. Além disso, áreas de grandes proprietários ligados ao golpe foram
confiscadas para a reforma agrária e se perseguiram os monarquistas.
Era natural que os monarquistas conspirassem contra o regime desde o primeiro
momento, procurando como aliados os militares insatisfeitos com as reformas.
Contrários à República por convicção política, se dividiam em carlistas (organizados no
partido Comunión Tradicionalista) e alfonsinistas (através de Renovación Española).
Após o golpe, atuaram de forma colaboracionista, inclusive com uma tentativa,
infrutífera, de unificação das “linhas sucessórias”, chegando a fazer um pacto com
Mussolini para derrubar o governo.
Por outro lado, além de enfrentar os setores mais conservadores (militares,
monarquistas e religiosos), a República teve que lidar com as Greves e manifestações
organizadas pela CNT, o sindicato anarquista. Desde o seu congresso de junho de 1931
a CNT optou pelo não-reconhecimento do novo regime e a “ação direta” rumo a um
“comunismo libertário”. Assim, estimulou a Greve geral e a insurreição popular como
burguês, incapaz, portanto, de defender os interesses do povo. A partir de 1931
organizou várias greves na cidade (Telefónica) e no campo andaluz, misturadas a
ocupações de cortiços. A crise culmina em janeiro de 1933, quando a CNT promove
uma insurreição geral e várias localidades da área de influência cenetista se rebelam.
Em Casa Viejas, uma pequena cidade andaluza, os rebeldes são assassinados pela
“guardia civil”. A dura repressão ao movimento provocaria a queda do governo,
chefiado por Azaña, e o desgaste das relações entre republicanos e socialistas, os quais
se afastam do governo e adotam uma linha mais radical.
Assim, marcada pela campanha anarquista de abstenção, pelo desânimo dos
trabalhadores e camponeses, pelo medo da burguesia à revolução e, finalmente, pela
desarticulação das esquerdas, que concorrem separadas ao pleito, a direita venceu as
eleições de 1933, dando início ao chamado biênio conservador ou de centro-direita.
Da união de partidos católicos de direita, especialmente da “Acción Popular”,
surgira em 1933 a CEDA (Confederación Española de Derechas Autónomas), com o
objetivo de ser um partido de direitas organizado para influir nos rumos da República, a
partir das próprias instituições do sistema republicano. Seu lema era "Religião, Família, Pátria, Ordem, Trabalho e Propriedade"
Através de alianças com outros partidos conservadores a CEDA se tornou o
partido com mais cadeiras no parlamento e com o apoio do Partido Radical, o segundo
maior, definiu o novo governo. Uma vez no poder a direita revogou medidas do período
anterior, favorecendo a Igreja, anistiando os insurretos de Sanjurjo e devolvendo as
terras expropriadas a seus antigos donos. A reação foi grande culminando com as
revoltas de outubro de 1934, duramente sufocadas.
“Aunque constitucionalmente era un nuevo episodio político con una base de
entendida de forma distinta, cuestionándose los soportes en los que había descansado
hasta entonces.” (MARTÍNEZ, 2000, 596). Como diría Lázaro de Tormes ao mudar de
amo “Escapé del relámpago y di en el trueno”. Para os camponeses e trabalhadores a
situação tinha piorado.
Após escândalos envolvendo o governo de Lerroux, em 1936 o presidente
Alcalá-Zamora dissolveu as Cortes e convocou novas eleições. Desta vez a esquerda se
uniu na Frente Popular e saiu vitoriosa. A direita protestou e o país se converteu em
foco de pequenos ataques violentos e rebeliões. Em 13 de julho de 1936, o líder da
oposição José Calvo Sotelo é assassinado pela “Guardia de Asalto”, polícia da
República. Era o pretexto para o início do “Pronunciamento” (golpe militar), que levaria
à Guerra Civil.
Procuramos até agora mostrar um panorama do contexto histórico espanhol no
qual a Revista de Occidente se inseria. Passaremos, a continuação, a observar como, em função da conjuntura assinalada, se posicionava a intelectualidade espanhola (ou parte
2. OS INTELECTUAIS E A DITADURA DE PRIMO DE RIVERA
Unos venían de lejos, de principios de siglo, como el intelectual de protesta, el que proponía agitar espíritus; otros habían logrado imponer desde 1913 la figura del intelectual como miembro de una minoría selecta; pero estaban ya también moviéndose por la escena, tanteando su papel y su posición en la obra, los nuevos, los que acababan de aparecer, habían descubierto al pueblo y pugnaban por salir a su encuentro. En 1930, algunos de esos modos de presencia de intelectuales vinieron a coincidir en un propósito común: liquidar la monarquía, alumbrar la República: en ese punto, nada separaba a fin de año a Unamuno de Ortega, a Ortega de Azaña o de De los Ríos, ni a todos éstos de los jóvenes, los nacidos en torno a 1900 [...].” (SANTOS JULIÁ, 2006, 210)
Se, como vimos anteriormente, a ditadura de Primo de Rivera se instalou com
relativa tranquilidade graças um desejo plasmado em vários setores da sociedade de
volta à ordem, os últimos anos de seu governo foram marcados por vários confrontos.
Antes de analisar estes últimos anos, convém observar quem eram alguns dos
intelectuais envolvidos no processo e a partir de que caminhos chegam à reivindicação
da República em 1930. Vale destacar que este não pretende ser um capítulo sobre a
história dos intelectuais do primeiro terço do século XX, mas sim sobre a trajetória de
uma parte da intelectualidade de perfil liberal e a construção de um relato sobre a
origem da decadência espanhola que se relaciona diretamente com o pensamento de
Ortega y Gasset. Por tanto a inclusão ou a ausência de nomes importantes do campo
intelectual espanhol responde às necessidades de compreensão de tal processo.
2.1. ANTECEDENTES
Analisar essas trajetórias implica diretamente em abordar a questão dos
discursos históricos que se criaram desde o fim do século XIX sobre a crise da nação.
Espanha versos Europa, essência nacional versos ingerência estrangeira, Espanha velha
versos Espanha Nova, decadência, regeneração, velha e nova política são eixos que