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TÍTULO VII – Dos crimes contra a família (artigos 235 a 249 do CP)

2. Capítulo III – Dos crimes contra a assistência familiar:

2.1 Abandono material (artigo 244 do CP):

2.1.1 Sujeitos:

Ativo – crime próprio (ou especial), o tipo penal aponta aqueles que podem figurar

como sujeito ativo:

a) Cônjuges – artigo 1566, III do CC;

b) Pais – quanto aos filhos menores de 18 anos ou inaptos ao trabalho (tal inaptidão pode ser física, mental, oriunda de acidente grave, enfermidade incurável, etc. – há de ser ABSOLUTA, pois se o filho tiver como prover sua subsistência, cessa a obrigação alimentícia);

c) Ascendentes, desde que não sejam os pais – v.g. avós, bisavós, etc. Tais sujeitos só podem praticar o delito do artigo 244 do CP na sua terceira e última modalidade, em relação ao descendente gravemente enfermo (artigo 244, parte final do CP);

d) Descendentes – em relação aos ascendentes inválidos (nesse caso de qualquer idade), ou maiores de 60 anos, se necessitados de amparo material.

ATENÇÃO: Em respeito ao artigo 229 da CRFB/1988 (“[…] e os filhos maiores têm o dever […]”), somente maiores de idade podem ser sujeito ativo do crime do artigo 244 do CP.

Passivo – são os cônjuges, o filho menor de 18 anos, o filho inapto ao trabalho, o ascendente inválido ou maior de 60 anos que necessite de assistência material, bem como qualquer descendente ou ascendente gravemente enfermo (não importando o grau de parentesco).

ATENÇÃO: Em respeito ao Princípio da Legalidade a figura do IRMÃO não pode figurar como sujeito ativo do crime do artigo 244 do CP (nesse sentido: TJ/MG, Proc. nº 2.0000.00.512446-7/000 [1], Rel. Walter Pinto da Rocha, pub. 24/1/2006).

A questão da ordem preferencial alimentícia prevista no Código Civil:

Os artigos 1696, 1697 e 1698 do CC estabelecem uma ordem preferencial de prestação de alimentos, discute-se se tal regra tem aplicação no artigo 244 do CP, para tanto temos duas correntes:

1ª Corrente – o Direito Penal deve ser interpretado de acordo com as previsões do Direito Civil, aplicando-se a regra de preferência alimentícia. Assim, um ascendente ou descendente remoto somente será responsabilizado criminalmente quando o parente mais próximo demonstrar impossibilidade total de prestar assistência material.

2ª Corrente (Julio Fabbrini Mirabete, Heleno Cláudio Fragoso e Cleber Masson) – não

se aplica a regra de preferência alimentícia em razão da autonomia do Direito Penal em face do Direito Civil, havendo em Direito Penal uma obrigação solidária.

2.1.2 Objetividade jurídica:

Protege-se a família, mormente o dever de assistência que uns tem para com os outros.

2.1.3 Objeto material:

É a renda, pensão ou outro auxílio. 2.1.4 Núcleos do tipo:

Existem três modalidades previstas no caput do artigo 244 do CP, são elas:

a) Deixar, sem justa causa, de prover os recursos necessários à subsistência do cônjuge, do filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho, ou do ascendente inválido ou maior de 60 anos:

“Deixar de prover” – não fornecer os meios necessários.

SUBSISTÊNCIA ALIMENTOS

São as necessidades básicas (v.g., alimentação, remédios, vestuário e habitação), NÃO incluindo gastos secundários (v.g., lazer, viagens, cursos de línguas, etc.).

Previstos no artigo 1.694 do CC, são os meios necessários para que a pessoa possa “[…] viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.

ATENÇÃO: O artigo 244, 1ª parte do CP faz menção a SUBSISTÊNCIA.

CUIDADO: Em que pese o artigo 226, §3º da CRFB/1988 reconhecer a UNIÃO ESTÁVEL como entidade familiar equiparada ao casamento e o artigo 1.724 do CC estabelecer as mesmas obrigações do matrimônio, aos companheiros NÃO se aplicam as disposições do artigo 244, 1ª parte do CP sob pena de analogia in malam partem.

b) Faltar ao pagamento da pensão alimentícia fixada judicialmente:

“Faltar o pagamento” – não honrar com a obrigação estabelecida em juízo (nesse sentido: STF, RExt nº 807, Rel. Min. Nelson Jobim, Plenário, j. 13/06/2001).

Obs.: os alimentos que se refere a segunda parte do artigo 244 do CP podem ser de qualquer natureza (v.g., gravídicos, provisórios ou definitivos).

ATENÇÃO: Nesta modalidade é perfeitamente possível o companheiro como sujeito ativo, que deixa transcorrer in albis o prazo para pagamento de alimentos arbitrados em juízo.

c) Deixar de socorrer, sem justa causa, ascendente ou descendente gravemente enfermo:

“Deixar de socorrer” – negar proteção e assistência; negar o dever de solidariedade com pessoa gravemente enferma.

“Enfermidade grave” – “é a séria alteração ou perturbação da saúde, física ou mental” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte especial. São Paulo: José Bushatsky, 1959, v. 3, p. 598).

1ª Nas duas primeiras modalidades trata-se de TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO. Obviamente que a pluralidade de vítimas enseja pluralidade de crimes.

2ª Na última modalidade (artigo 244, parte final do CP) trata-se de TIPO PENAL MISTO CUMULATIVO, ou seja, o cometimento de uma das duas primeiras modalidades em concurso com a terceira, enseja o reconhecimento de concurso material (artigo 69 do CP).

3ª A expressão “justa causa” constitui elemento normativo do tipo, devendo ser interpretada como o dever que a acusação tem de provar acima da dúvida razoável a razão espúria para o não pagamento da obrigação.

2.1.5 Elemento subjetivo:

É o DOLO, não há modalidade culposa. 2.1.6 Consumação e tentativa:

Trata-se de crime FORMAL (de CONSUMAÇÃO ANTECIPADA ou de RESULTADO CORTADO), consumando-se no momento em que o agente deixa, dolosamente e sem justa causa, de prover recursos necessários à subsistência, falta ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada ou deixa de socorrer ascendente ou descendente gravemente enfermo.

Trata-se, também, de crime de perigo CONCRETO, a sua consumação reclama prova da exposição da vítima ao perigo de dano à sua integridade física.

Obs.: mesmo sendo polêmico na doutrina, o entendimento que prevalece é de que subsiste o crime do artigo 244 do CP quando terceiro garante a subsistência da vítima.

A tentativa NÃO é admitida (crime omissivo próprio ou puro), crime unissubsistente (não é possível fracionar o iter criminis). Rogério Greco ressalta que, mesmo com dificuldade, o caso concreto é que vai dizer a possibilidade ou não do conatus.

2.1.7 Ação penal:

Ação penal pública incondicionada.

2.1.8 Figura equiparada ou modalidade especial de abando material (artigo 244, §1º do CP):

“Frustrar” – iludir ou enganar;

“Elidir” – eliminar, afastar. O legislador se equivoca na redação já que uso o verbo “ilidir” que significa refutar ou rebater.

“Pessoa solvente” – pessoa capaz de cumprir com a obrigação.

O agente usa de expedientes para frustrar o pagamento, chegando ao ponto de abandonar seu emprego, ou combinando com seu empregador para trabalhar sem carteira assinada.

Mirabete adverte, in verbis: “o dispositivo era, a rigor, dispensável, uma vez que quem frustra ou elide o pagamento da pensão já está faltando com esta, o que caracteriza o crime previsto na segunda figura típica. É evidente, porém, o intuito de evitar-se que o sujeito ativo abandone o emprego ou se coloque intencionalmente em situação de não poder efetuar o pagamento para alegar justa causa na sua omissão” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Pena: parte especial. 22ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2007, v. 3, p. 33)

2.1.9 Prisão por inadimplemento de pensão alimentícia e detração penal:

O artigo 5º, LXVII da CRFB/1988 e o artigo 733 do CPC, permitem a prisão civil por dívida na hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. Essa modalidade de prisão, não se confunde com a prisão penal prevista no artigo 244 do CP.

Rogério Greco e René Ariel Dotti sustentam ser possível a detração penal (artigo 42 do CP), por caracterizar medida favorável ao réu. Trata-se de posição minoritária refutada pelos seguintes argumentos:

1º Argumento – o artigo 42 do CP não menciona a prisão civil como uma das possibilidade de detração penal, fala somente em prisão provisória (preventiva ou temporária) e medidas de segurança.

2º Argumento – A CRFB/1988 define a natureza civil da prisão por alimentos, qual seja, meio coercitivo para o adimplemento de obrigação alimentícia. Mesmo o artigo 733, §2º do CPC mencionar a palavra “pena” não há caráter punitivo.

3º Argumento – A prisão penal visa punir o criminoso e prevenir, contra a prática de

outro crime. O pagamento da dívida não elide o crime.

Nesse sentido diz Cleber Masson (2013, p. 199), in verbis: “É preciso lembrar que o raciocínio diverso poderia tornar inócuo o crime tipificado no art. 244 do Código Penal. Basta pensar na situação do devedor de alimentos que, preso civilmente, cumprisse toda a sanção sem quitar o débito. Como a pena do delito é sensivelmente branda, além de ser normalmente fixada no patamar mínimo (detenção de um ano), muitas vezes a prisão civil importaria na impossibilidade de execução da sanção penal, esvaziando o crime de abandono material” (MASSON, 2013, p. 199).

2.1.10 Classificação doutrinária:

O abandono material é crime SIMPLES (ofende um único bem jurídico); PRÓPRIO (somente pode ser praticado pelas pessoas indicadas no tipo penal); FORMAL, de CONSUMAÇÃO ANTECIPADA ou de RESULTADO CORTADO (consuma-se com a prática da conduta criminosa, independentemente da produção do resultado naturalístico); de PERIGO CONCRETO (exige prova da situação de perigo ao sujeito passivo); PERMANENTE (a consumação se prolonga no tempo, durante todo o período em que subsistir a falta dolosa e injustificada da assistência material); de FORMA LIVRE (admite qualquer meio de execução); OMISSIVO PRÓPRIO ou PURO (a omissão está descrita no tipo penal); UNISSUBJETIVO,

UNILATERAL ou de CONCURSO EVENTUAL (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e UNISSUBSISTENTE (a conduta é composta de um único ato, necessário e suficiente à consumação. Exceto na modalidade equiparada onde a conduta é plurissubsistente).