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4.2 FALHAS DA TOPOLOGIA

4.2.4 Abandono de Ramais

Como dito anteriormente, apesar da informação oficial de que a extensão da malha ferroviária é de 30.6 mil km (Brasil, 2017), a rede em operação, em 2017, é de pouco mais de 20 mil km. Os trechos abandonados ou subutilizados são consequência da incompatibilidade entre os resultados operacionais esperados, ao longo de sua exploração, e as despesas com os investimentos demandados pelas exigências de execução do contrato.

Muitas das linhas férreas foram subutilizadas justamente porque perderam competitividade na comparação com o modo rodoviário, com a ocupação urbana irregular dos terrenos lindeiros à faixa de domínio ferroviário e, até mesmo, da ocupação da própria faixa, que provocaram a redução da velocidade das composições e aumentaram o risco de acidentes em níveis insustentáveis.

Em 2011, a ANTT identificou trinta e três trechos abandonados ou subutilizados e fixou prazo para apresentação de cronograma de recuperação pelas concessionárias. Uma síntese dos ramais abandonados pode ser observada na tabela 4.3.

Tabela 4.3 Ramais abandonados ou inoperantes por concessionária em 2011 e 2017

Concessionária (2011) Abandonados Extensão (km) Concessionária (2017) Inoperantes Extensão (km) Percentagem Transnordestina Logística 1.623 Transnordestina (FTL) 3.060 71,26

ALL Malha Paulista 650 Rumo-ALL (MP) 940 45,75

ALL Malha Oeste 309 Rumo-ALL (MO) 722 36,61

ALL Malha Sul 1.716 Rumo-ALL (MS) 2.223 30,77

Vale (VM) 247 27,72

VLI (FNS) Norte 127 17,17

MRS Logística 234 13,92

Ferrovia Centro–Atlântica 1.246 VLI (FCA) 976 13,51

Total 5.544 8.534

Fonte: Revista Ferroviária (2017); ANTT (2017).

Desde então, a situação não melhorou. Os 5.544 km de ramais ferroviários identificados como abandonados ou subutilizados pela ANTT, em 2011, passaram a ser 8.534 km, classificados como “não operacionais”, na autodeclaração das concessionárias, prestadas à ANTT, em 2017. Na malha da Transnordestina, por exemplo, 71,26% dos ramais não estavam operacionais. O único ramal que se mantinha operacional, informado na Declaração de Rede de 2017 (ANTT, 2017), era a ligação São Luís – Teresina – Fortaleza, indicado com uma seta, na figura 4.5. Todos os demais ramais são declarados “não operacional”, como pode ser observado na ilustração da figura 4.5. Na malha da Rumo-ALL (malha paulista) onde 45,75% do total não se encontra em operação, o percentual de ramais inoperantes na bitola métrica é de 97,57%. Esse fenômeno é uma evidência da falha provocada pela agregação geográfica indiscriminada de ramais sob o comando de uma mesma firma. Na ausência de competição intramodal, a concessionária pode focar sua atividade nos ramais mais lucrativos, mantendo cativos e inoperantes os ramais que potencialmente lhe fariam concorrência, se estivessem na posse de outras firmas. O abandono de ramais é uma consequência do processo de licitação por regiões geográficas sob a gestão das antigas superintendências da RFFSA, mas que foi agravado pela omissão da regulação ao permitir a aglutinação49 das concessionárias em um menor número de firmas.

49 Em 1998, houve a fusão entre a FERRONORTE e NOVOESTE formando a Brasil Ferrovias. Em 2002, a

Figura 4.5 Ramais inoperantes na malha da concessionária Transnordestina Logística, em 2017.

Fonte: ANTT (2017)

Para solucionar a questão, Felix e Cavalcante Filho (2017) sugerem que:

as concessionárias poderiam ser incentivadas a atuar na exploração de

operações urbanas consorciadas50, por meio da revitalização da rede para uso de

veículos leves sobre trilhos ou de metrô de superfície. A lei deveria prever, então, a possibilidade de reversão de parte dos recursos advindos de contribuição de

melhorias51, objeto da requalificação dos ramais ferroviários, diretamente para

as empresas exploradoras da infraestrutura que implantassem serviços de transporte de passageiros, de maneira a aumentar o leque de atuação das administrações ferroviárias. Essa alternativa de solução produziria receitas não tarifárias, com a exploração imobiliária e comercial de áreas revitalizadas pelo transporte de passageiros, que poderiam ser reinvestidas em ramais para o

de bitola larga, contendo a Malha Norte e a parte da malha Paulista de bitola larga, cujo nome continuou a ser Brasil Ferrovias, e um corredor de bitola métrica, contendo a malha Oeste e a parte da Malha Paulista de bitola métrica, cuja denominação passou a ser Novoeste Brasil. Porém, ambas as firmas continuaram a ter o mesmo grupo controlador. Em 2006, as duas ferrovias foram incorporadas pela ALL. Em 2003, a VALE assume o controle acionário da FCA e, em 2007, a VALE assume a concessão da Ferrovia Norte-Sul Tramo Norte (Benini, 2012)

50 Operações urbanas consorciadas é um instrumento do Direito Urbanístico instituído pelos artigos 32, 33 e 34

do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001).

51 Contribuição de melhoria é um tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação que representa a

valorização imobiliária auferida pelo contribuinte pela realização de uma obra pública, previsto no art. 145, III, da Constituição Federal.

transporte de cargas. Ter-se–ia, assim, uma situação de ganha–ganha para o

transporte de passageiros e de carga52.

A ANTF vem, há muito, apontando as invasões nas faixas de domínio, o conflito de fluxo nas passagens em nível e as deficiências de traçado como problemas prioritários do setor ferroviário (Lang, 2007). Sua solução, além do interesse econômico evidente, também tem relevante interesse social envolvido, pois representam a melhora da qualidade de vida das comunidades afetadas, ao diminuir externalidades negativas tais como os acidentes nos cruzamentos e os congestionamentos urbanos. Como, na maioria dos casos, as ferrovias vieram primeiro que as rodovias, os contratos atuais não previram essas obras como obrigações dos concessionários. No entanto, o Estado tem dificuldades, e de natureza não apenas fiscal, para executar obras públicas. Assim, seria oportuno que houvesse, além de programas públicos53 para remoção desses gargalos, meios para que as concessionárias ferroviárias pudessem fazer a desobstrução dos ramais, custeadas por financiamento público oriundo de taxação pigouviana54 do setor rodoviário e ferroviário (Felix e Cavalcante Filho, 2016).