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Todo o período de implantação das ferrovias no Brasil, sob o regime da garantia de juros, e mais tarde durante a desestatização da RFFSA foi marcado pela insuficiência do marco normativo (Acioli, 2007). As respostas históricas e tradicionais dos economistas e criadores de políticos públicas para solucionar as falhas do mercado ferroviário no mundo, fundamentadas, basicamente, na propriedade da infraestrutura ferroviária pelo Estado ou de

uma regulação governamental mais restritiva, podem ser, em verdade, as responsáveis pelas ineficiências que as novas políticas procuram atualmente resolver (Pittman, 2011).

Neste subitem é feita uma análise dos paralelos históricos observados no desenvolvimento ferroviário do Reino Unido, Estados Unidos, China e Brasil, vide tabela 6.24.

O estatismo aplicado nesses países, embora apresente aparentes ganhos de eficiência no curto prazo, não tarda em resultar em crescentes e insustentáveis déficits no longo prazo. A ferrovia, atualmente, não tem, necessariamente, um comportamento tipicamente monopolista, pois, o transporte ferroviário tem, na maioria dos casos, substitutos alternativos em outros modos de transportes, que impedem o pleno comportamento do monopólio natural. Mesmo no recente histórico brasileiro em que as ferrovias estão organizadas em oligopólios geográficos, os preços de fretes são sempre abaixo dos preços rodoviários. Os preços só não são menores porque a competição intramodal foi praticamente abolida com as aglutinações das concessionárias ferroviárias, em parte, causada pela ação estatal. Antes da criação da RFFSA, 42 ferrovias atuavam no Brasil, atualmente apenas 3 firmas privadas “oligopolizam” o setor, controlando quase toda a rede. Fenômeno semelhante ocorreu no Reino Unido, só que não por omissão regulatória, mas de forma deliberada.

Quando a concorrência está presente, o monopólio natural de um setor pode não ter nenhum poder de monopólio (Pittman, 2011). No mercado ferroviário brasileiro, por exemplo, exceção feita ao transporte de minério de ferro, o modo rodoviário compete intensamente com o ferroviário. Pode-se dizer, à luz do histórico da matriz de transporte, que os caminhões estão avançando, apesar da concentração das firmas ferroviárias brasileiras. Enquanto a participação do modo ferroviário decresce, o monopólio da Cosan, Vale e CSN, em termos de extensão da malha ferroviária, cresce.

Tabela 6.24 Exemplos de tradeoff entre falhas de mercado e de governo que agravaram os problemas

Década Local Diagnóstico Narrativa Solução adotada Resultado Solução descartada

1830 Brasil Mercado americano era mais atraente em razão das liberdades à iniciativa privada.

Os projetos de ferrovias brasileiras não possuíam garantias de crédito.

Instituição de garantias de juros e subvenção quilométrica87.

Ineficiência na produção das ferrovias. Aumento das despesas da Coroa.

Aplicar as mesmas liberdades adotadas nos EUA: não interferência nos traçados, concessões perpétuas, etc.

1880 EUA Competição entre as ferrovias desfavorecia regiões agrícolas de menor desenvolvimento

ferroviário.

O poder monopolista ferroviário gera preços abusivos.

Criação da ICC a fim de regular os preços e serviços ferroviários.

Aumento médio dos preços, concentração das empresas ferroviárias.

Estimular o aumento da competição nas regiões com déficit de oferta de transporte88.

1890 Brasil Aumento das despesas com o pagamento de juros às ferrovias improdutivas.

Empresas estrangeiras estão explorando os cofres da República.

Nacionalização das empresas concessionárias.

Aumento das despesas e diminuição da eficiência Repactuar os contratos ou relicitar as ferrovias em melhores termos89. 1920 Reino Unido

Integração das atividades ferroviárias sob uma única empresa diminui os custos de transação.

Ganhos de escala e escopo aumentarão a eficiência das ferrovias Criação de 4 firmas monopolistas regionais. Diminuição da competição, aumento de preços e redução dos níveis de serviço.

Manter a competição entre as firmas privadas, evitar monopólios.

1930 Brasil Estado procura fortalecer sua posição dominante na economia e na política nacional.

Aumento da competição das rodovias afetou o resultado das firmas ferroviárias privadas.

Encampação em série de firmas privadas e públicas estaduais.

Aumento da expansão da malha por interesses estratégicos, políticos e partidários.

Idem

87 A solução mantenedora do poder político da Coroa demorou cerca de três décadas para gerar resultados. 88 A desregulamentação só foi aplicada nove décadas depois.

Década Local Diagnóstico Narrativa Solução adotada Resultado Solução descartada

1940 Reino Unido

Burocracia resiste a abandonar posições de poder após o fim da Guerra.

Ganhos de escala e escopo aumentarão a eficiência das ferrovias

Criação de uma firma estatal monopolista nacional.

Aumento significativo dos gastos públicos e redução da eficiência da produção ferroviária.

Idem

1950 Brasil Aumento da ineficiência das diversas empresas nacionalizadas.

Idem Idem Idem Idem

1990 Reino Unido

Aumento significativo dos gastos públicos e redução da eficiência da produção ferroviária.

Empresas privadas são mais eficientes que as públicas

Privatização das ferrovias com segregação horizontal

Continuidade do aumento dos gastos públicos

Privatização com segregação geográfica, em termos próximos aos de 1920.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa avaliou o setor ferroviário brasileiro à luz de uma comparação internacional com benchmarks globais, como Reino Unido, Estados Unidos e China, a fim de identificar e propor a incorporação das melhores estratégias adotadas entre os países analisados. O trabalho evidencia que se houver intervenção regulatória mínima e segurança jurídica suficientes, em algumas condições específicas, o mercado privado terá interesse de emergir no setor ferroviário brasileiro. Ferrovias integralmente privadas podem ocupar lacunas que o Estado não é capaz de preencher por insuficiência financeira e desinteresse natural de agir, pois, por obrigação legal, deve atuar em outras áreas prioritárias, como saúde, educação, segurança e previdência.

Além disso, o benchmarking evidência que a exploração imobiliária é um instrumento capaz de financiar novos serviços ferroviários, tanto no transporte de cargas quanto no de passageiros. Todavia, para que esse instrumento possa ser, adequadamente, aplicado, no Brasil, é preciso que o mercado seja dotado de livre capacidade de iniciativa. A maior liberdade atribuída à ferrovia privada não significa, necessariamente, a renúncia da ferrovia estatal. A evidência que se extrai do benchmarking é que o transporte ferroviário pode ser tratado como uma atividade econômica livre, devido ao poder de concorrência dos demais modos de transportes.

A pesquisa identificou comportamentos, possivelmente ideológicos, na preferência declarada pela titularidade pública ou privada das ferrovias brasileiras, em semelhante paralelo à pesquisa de Lopes (2014), sobre financiamento de rodovias, uma vez que as opções declaradas não são explicáveis somente pelas características intrínsecas das ferrovias estudadas. Os resultados também evidenciam a queda da preferência pela ferrovia estatal e aumento do interesse pela ferrovia concessionada, mantendo-se constante a preferência pela ferrovia integralmente privada, em relação à pesquisa de Resende et al. (2009).

A pesquisa não encontrou evidências internacionais suficientes para recomendar a alteração do marco regulatório em favor da desintegração vertical e acesso aberto (open access). A comparação internacional indica que essa opção é altamente associada ao transporte de passageiros, subsidiado, cuja infraestrutura ferroviária é gerida majoritariamente por empresas ou entidades estatais. O contexto brasileiro, no entanto, recomenda a ratificação do modelo de integração vertical e desintegração geográfica, visto que o mercado brasileiro é majoritariamente de cargas, caracterizado por baixa densidade de infraestrutura e gestão privada.

Quanto ao modo de seleção dos licitantes em eventuais processos de outorga de ferrovias, a preferência dos atores interessados entrevistados é pelo critério de menor valor de tarifa. Todavia, a evidência que se extrai do benchmarking é que a concorrência tem maior aptidão para manter preços módicos que os preços pactuados em leilões. Além disso, o tratamento da firma ferroviária como uma empresa imobiliária tem mostrado bons resultados quanto à manutenção da modicidade tarifária em substituição aos subsídios públicos, a exemplo do que pode ser observado nos EUA, Hong Kong e Japão. Assim, recomenda-se que o maior valor de outorga seja aplicado, sempre que possível.