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4.5 FALHAS DE GOVERNO

4.5.4 Baixa Transparência

O setor ferroviário, assim como os demais de infraestrutura de transportes, sofre por falta de transparência, e não são claras para a sociedade as prioridades do governo e as escolhas que as promoveram. A experiência mais exitosa, nesse campo, se deu com o Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT), que foi editado e atualizado em 2007, 2009 e 2011, sendo posteriormente descontinuado. Por meio do PNLT era possível não apenas ao mercado, mas também à sociedade, estimar quais as motivações e as prioridades do governo. Assim, os agentes econômicos privados podiam direcionar seus investimentos em convergência com o planejamento estatal. Todavia, nos últimos anos, as sinalizações econômicas do governo têm sido contraditórias.

Nesse sentido, o veto aos anexos da Lei nº 12.379, de 6 de janeiro de 2011, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Viação (SNV) foi um duro golpe à transparência do planejamento público no setor de infraestruturas de transportes. O Anexo III, por exemplo, listava 45.469 km de linhas férreas federais, entre estradas implantadas e planejadas, e foi vetada, alegadamente, por não refletir o planejamento viário nacional. Segundo a Mensagem de Veto, os anexos deixaram de incluir projetos constantes do PNV e fundamentais para o desenvolvimento do País, alguns, inclusive, integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

De fato, os anexos da Lei nº 5.917, de 10 de setembro de 1973, que aprovou o Plano Nacional de Viação, apontavam para um total de 51.530 km de ferrovias implantadas e planejadas, sem contabilizar sete ramais ferroviários que não foram elencados com suas respectivas extensões. A relação descritiva das ferrovias federais poderia ser útil como fundamento para o planejamento transparente de um Plano Nacional de Outorgas de Estradas de Ferro.

Recentemente, o governo tem iniciado um processo de recuperação da transparência. Um marco dessa iniciativa é a divulgação dos dados estatísticos do setor, feito em 13 de junho de 2017, pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil e a Empresa de Planejamento e Logística, que juntos, lançaram o Anuário Estatístico de Transportes 2010 – 2016.

Extinto em 2002, o GEIPOT (Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes) foi o precursor desta iniciativa, mantendo–a por décadas (1970 a 2001). A decisão de reativar o Anuário tem como princípio contribuir para a construção e efetivação de políticas públicas e para o planejamento de transportes. A publicação também possibilita ampliar o conhecimento das atividades do setor pela sociedade, orientando a realização de pesquisas, estudos e análises mais abrangentes, proporcionando melhor compreensão da dinâmica do setor de transportes, bem como o resultado operacional no período, com a exposição de dados consolidados de fontes oficiais (Brasil, 2017).

Se falta transparência no planejamento, esse problema também aflige a regulação do setor. Por mais de três anos, a ANTT não teve sua diretoria completa, por atrasos nas nomeações. O Conselho Nacional de Transportes, desde sua criação, em 2001, pouco se reuniu, e praticamente não atuou no setor de transportes ferroviários.

A transparência no processo decisório tem papel fundamental na legitimação das ações do ente regulador. A partir do momento em que o administrador opta, em adição ao princípio da publicidade, em dar ampla transparência a seus procedimentos internos, ele informa ao público, gera indicadores da qualidade da prestação do serviço e se expõe a todo tipo salutar de controle (Oliveira et al., 2011).

O processo administrativo para a apuração de infrações e a aplicação de penalidades no setor de transportes terrestres, por exemplo, é, anacronicamente, sigiloso e disfuncional em relação ao restante do ordenamento jurídico brasileiro, onde a regra é a publicidade dos processos administrativos. Com a adoção de maior transparência, a sociedade civil terá melhores condições de contribuir com o desempenho do setor, e de intervir para assegurar o respeito ao interesse público, que é o fim primeiro do Estado.

Outro exemplo da falha do governo está na falta de transparência e imprecisão em que trata a questão da extensão da malha ferroviária. Segundo a ANTT (2017), a extensão total da malha

ferroviária é de, oficialmente, 29.075 km, em 2017. No entanto, é sabido na que a rede em efetiva operação é, na prática, de pouco mais de 10 mil km, como apontam auditorias do Tribunal de Contas da União (Felix e Cavalcante Filho, 2016). Segundo a auto declaração das concessionárias, em 2017, a rede em efetiva operação era de exatos 20.539,841 km, como ilustrado na tabela 4.9.

Tabela 4.9 Extensão líquida da malha ferroviária do Brasil em 2017 (em km)

Fonte: ANTT (2017)

Não obstante, na recentíssima publicação oficial do governo federal (Anuário Estatístico de Transportes 2010–2016) a extensão total da malha ferroviária é indicada como sendo de 30,6 mil km. Se a primeira vista o valor agregado parece convergir, quando são analisados os dados desagregados71, percebe-se que a publicação de Brasil (2017) é alicerçada,

basicamente, no Plano Nacional de Viação de 1973 (PNV, 2017), com inúmeras inconsistências, como, por exemplo, as ausências das EF–151 (FNS) e EF–334 (FIOL), maiores obras do governo federal em execução no setor ferroviário.

Tais falhas de governo, em parte, explicam porque a qualidade da infraestrutura ferroviária, apesar de todos os avanços decorrentes das concessões, ainda é insuficiente no Brasil.

71 Disponível em :

https://www.transportes.gov.br/images/bit/Tabelas_Anu%C3%A1rio_Estat%C3%ADstico_de_Transportes/03_I nfraestrutura/02_Ferro/3.2.1.pdf Acessado em 21/06/2017.

Ferrovias Bitolas (km)

(1,6m) (1m) Mista Inoperante Líquido

Rumo-ALL (MN) 735,261 735,261 Rumo-ALL (MO) 1973,118 722,420 1.250,698 Rumo-ALL (MP) 1.544,012 655,672 888,340 Rumo-ALL (MP) 242,071 236,211 5,860 Rumo-ALL (MP) 269,236 48,499 220,737 Rumo-ALL (MS) 7.223,370 2.223,233 5.000,137

Estrada de Ferro Paraná Oeste 248,098 248,098

Centro-Atlântica (FCA) 7.088,859 963,867 6.124,992

Centro-Atlântica (FCA) 2,630 2,630

Centro-Atlântica (FCA) 130,643 12,519 118,124

VLI-FNS-Norte 744,500 127,900 616,600

VLI-FNS-Central 855,798 855,798

Ferrovia Tereza Cristina 163,447 163,447

Transnordestina (FTL) 4.275,137 3.059,997 1.215,140 Transnordestina (FTL) 20,000 1,000 19,000 MRS 1.612,567 216,169 1.396,398 MRS 72,886 18,587 54,299 Vale EFC 977,969 977,969 Vale VM 872,684 247,903 624,781 Vale VM 21,532 21,532 Total 6.472,737 22.086,784 514,297 8.533,977 20.539,841

5 O ESTUDO DE CASO

O estudo de caso visa compreender o atual setor ferroviário brasileiro, à luz de duas investigações exploratórias paralelas. A primeira compara os benchmarks internacionais, selecionados por critérios qualidade e extensão, a fim de identificar padrões e características internacionais que possam explicar por que a qualidade da infraestrutura brasileira é insuficiente. A segunda investiga a adesão dos atores interessados a determinadas opções de exploração, possivelmente mais aptas ao desenvolvimento ferroviário brasileiro.

Em ambas investigações são usadas técnicas não paramétricas para análise dos dados. No levantamento dos atores é usado o conceito de NPR (Número de Prioridade de Risco), seguindo a lógica de Análise de Modo e Efeitos de Falhas (FMEA), a fim de mensurar a criticidade dos riscos apontados pelos atores interessados.