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4. METODOLOGIA

4.1. ABORDAGEM CENTRADA NA INVESTIGAÇÃO-AÇÃO

Uma das questões que esta investigação se propôs a responder foi, em que medida a investigação-ação é uma abordagem adequada ao contexto e facilitadora de processos de educação e de desenvolvimento local? Cabe ressaltar que neste estudo a denominação investigação-ação foi utilizada como sinônima de pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011; EL ANDALOUSSI, 2004; BARBIER, 2007; DIONNE, 2007), investigação participativa (LUCIO-VILLEGAS, 2014) e “investigação-na/pela-acção” (ESTEVES, IN: SILVA & PINTO, 2014).

De acordo com Barbier (2007, p. 13), a pesquisa-ação surge no “desdobramento histórico da sociologia tendo, por um lado, como preocupação, a revolução epistemológica e, por outro, a eficácia política e social”, destacando-se dois períodos:

 O mais americano – emergência e consolidação –, quando emerge e vai se concretizando desde antes da II Guerra Mundial até a década de 1960, principalmente

com a Action-Research desenvolvida por Kurt Lewin nos Estados Unidos. Para este autor havia quatro tipos de Action-Research: (i) Action-Research diagnóstica – estabelece um diagnóstico e recomenda medidas saneadoras; (ii) Action-Research

participativa – envolve os participantes desde o início da pesquisa; (iii) Action- Research empírica – mais aplicado pela medicina clínica; e (iv) Action-Research experimental – diz respeito a um estudo controlado da eficácia relativa de diferentes

técnicas utilizadas em situações sociais mais ou menos idênticas; e,

 O período da radicalização política e existencial que se refere a um processo mais europeu e canadense, que a partir da década de 1970 aos dias atuais entrou nos manuais de pesquisa. Na Alemanha, com Habermans e Lüdemann (1977); na França, Barbier (1977) que propôs a “teoria pesquisa-ação instituticional” (Idem, 2007, p. 34, grifos do autor); na Suiça, Finger (1981); Stenhouse, na Inglaterra, só para citar alguns dos autores que se debruçaram sobre este tema ao longo dos últimos 50 anos.

Segundo Thiolllent (2011, p. 115-116), as mudanças sociais, políticas, intelectuais que se aceleraram a partir da década de 1980 modificaram as formas de se buscar conhecimento sobre a realidade e impactaram os modos de se fazer pesquisa. De acordo com este autor “Na década de 1980, a metodologia de pesquisa participante e de pesquisa-ação estava associada à democratização e à busca de maior liberdade após décadas de autoritarismo”, apresentando-se numa dimensão mais de militância. No entanto, a partir dos anos 90 do século passado, com os processos de globalização e ascensão do estado neoliberal, “várias atividades educacionais, sociais e ambientais são deixadas ao setor privado ou […] ONGs”. Neste contexto, as universidades são estimuladas a uma maior abertura para reduzir desigualdades educacionais que levavam à exclusão social, sendo um campo fértil para concretização de projetos educativos, extensão e pesquisa, por meio de metodologia participativa e de pesquisa-ação em diversas áreas do conhecimento.

Dionne (2007, p. 21) destaca as contribuições da pesquisa-ação para o desenvolvimento local considerando que, “Além de nos confrontar com nossos marcos epistemológicos de objetividade, a pesquisa-ação nos confronta com suas próprias finalidades de ação e com as possibilidades endógenas de desenvolvimento. Ela é, ao mesmo tempo, ferramenta de mudança e de formação”, não se reduzindo a uma simples metodologia de pesquisa, pois implica dimensões reflexivas e ativas, pessoais e coletivas, singulares e objetivas, não se restringindo a uma única linha metodológica.

Mas, como tem sido definida a pesquisa-ação ou investigação-ação? Para Lucio- Villegas (2014), a investigação participativa remete a processos participativos que, por sua

vez, são processos educativos que contribuem para a formação cidadã e para a democracia participativa. Este autor define a investigação participativa com base em sete características, quais sejam: (i) o problema nasce na comunidade, que o define, o analisa e o resolve; (ii) o fim último da investigação é a transformação radical da realidade social e a melhoria de vida das pessoas envolvidas, ou seja, os membros de uma comunidade; (iii) exige a participação plena e integral da comunidade durante todo o processo de investigação; (iv) compreende toda uma gama de grupos de pessoas que não têm poder: explorados, pobres, oprimidos, marginalizados, etc.; (v) é um processo que pode desencadear em todos os envolvidos uma melhor tomada de consciência dos seus próprios recursos e mobilizá-los para um desenvolvimento endógeno; (vi) é um método de investigação mais científico do que a investigação tradicional, no sentido em que a participação da comunidade facilita uma análise mais precisa e autêntica da realidade social; e (vii) o pesquisador é um participante comprometido que aprende durante a pesquisa e não se refugia na indiferença. Neste sentido, ela remete à noção de pesquisadores e participantes trabalhando juntos em torno da resolução de um problema comum.

De acordo com Barbier (2007, p. 61-63), é preciso considerar, além das sete dimensões anteriormente mencionadas, as “dimensões do vir-a-ser do ser humano […]. Levá- las em consideração, conduz-nos para a pesquisa-ação existencial, pessoal e comunitária, e até mesmo transpessoal no momento em que a pesquisa se torna mais interna, permanecendo, contudo, coletiva” que se sustentam para além de “unicamente nos alicerces das Ciências Sociais, mas assumem plenamente a dimensão filosófica da existência humana requalificada”. Assim, a pesquisa-ação existencial (Idem, 2007, p. 68) é ao mesmo tempo uma “arte” (exige uma saída do esquema habitual de formação proposto pelas ciências clássicas, propõe uma reflexão-ação que visa uma transformação da realidade do ser no mundo, “toca no contexto pelo “não-agir” que se atualiza pela expressão individual e coletiva do que foi feito e poderia ser refeito diferentemente)”, tem um rigor clínico (avaliação permanente, rigor dos campos conceituais e teóricos, incluindo suas incertezas, da implicação dialética do pesquisador, escuta-ação – científica, filosófica e mitopoética), é desenvolvida coletivamente remetendo à presença ativa de um grupo envolvido na pesquisa, e tem por objetivo a adaptação de si ao mundo, ou seja, reflete uma mudança de atitude do sujeito, do grupo e da realidade.

A pesquisa-ação ou investigação-ação, no entendimento de Esteves (In: SILVA, 2014, p. 269-271), pode se dar na “investigação-na/pela-ação […] organizada em torno da produção de conhecimento sobre a realidade e […] da introdução de transformações numa determinada situação com o propósito de dar solução a problemas” e se desenvolve por meio de um

processo de aprendizagem social que envolve todos os participantes, incluindo pesquisadores, instituições e comunidade, em torno da resolução de um problema, objeto do estudo. Desse modo, converge para aprendizagens colaborativas (TORRES & IRALA, 2014).

Thiollent (2011, p. 20) considera a pesquisa-ação como “um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou resolução de um problema coletivo […] pesquisadores e os participantes estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”, onde se destacam os aspectos da resolução de problemas, da tomada de consciência e da produção coletiva de conhecimentos.

A pesquisa-ação, na perspectiva de Dionne (2007, p. 79), está mais ligada à ação, que deve ser realizada coletivamente, desde à tomada de decisão à avaliação final, associando “atores e pesquisadores em procedimentos conjuntos de ação com vista a melhorar uma situação precisa, avaliada com base em conhecimentos sistemáticos da situação inicial e apreciada com base em uma formulação compartilhada de objetivos de mudança” e concretizada por meio de quatro fases de intervenção, a saber: identificação das situações iniciais, projetação das ações, realização e avaliação. Desta maneira, a pesquisa-ação é um processo de intervenção coletiva, envolvendo/ implicando pesquisadores e atores na transformação de uma problemática concreta, possibilitando a aquisição de novos conhecimentos, fortalecendo a relação entre teoria e prática.

Para El Andaloussi (2004, p. 115), “a pesquisa-ação inscreve-se em uma démarche globalizante que tenta articular teoria e prática, ordem e desordem, simples e complexo, objetivo e subjetivo, quantitativo e qualitativo, distanciamento e implicação do pesquisador, etc.”, que se baseia nas seguintes características: (i) a observação participante e estratégica permite o acesso aos fatos da realidade pesquisada pela “implicação do pesquisador e à consideração da intersubjetividade de todos os participantes” (Idem, 2004, p.120); (ii) a implicação se refere à permissão dada ao outro para se apropriar “de uma parte do nosso espaço e que nos aproprie em troca de uma parte de seu espaço” (Idem, 2004, p. 124), redistribuindo papéis, abrindo espaços e instituindo livre circulação entre pesquisa e ação; (iii) a complexidade se refere ao campo de paradoxos da pesquisa-ação que possui objetivos de ação, de pesquisa e de pesquisa-ação; é no agir interdependente entre participantes e pesquisador que o conhecimento é produzido e a realidade é transformada; (iv) o lugar do pesquisador remete a um duplo lugar “um tempo durante o qual ele trabalha para ver e fazer ver e um outro tempo em que ele levanta os dados acumulados pelo trabalho teórico” (idem, 2004, p. 129), assim está implicado, desempenhando um papel ativo na instalação do dispositivo para alcance de mudanças e produção de saber, negociando as bases do seu

engajamento dentro de um clima de confiança com base em relações transparentes e democráticas que se ancoram em objetivos práticos e teóricos; (v) a posição dos atores é a de contribuir “ativamente para o desenvolvimento da pesquisa por intermédio da prática, da formação e da avaliação”, ajudando a construir com liberdade a mudança desejada da qual deverá ser o maior beneficiado (p. 130-131); e (vi) parceria construída com base no respeito à liberdade dos participantes e aos seus ritmos, necessidades e valores. Desse modo, a pesquisa- ação é um sistema aberto e democrático em torno de uma problemática social em que o pesquisador deve assegurar respeito aos valores éticos, ritmo próprio de cada parceiro, participação de todos, permitindo trocas, informação e formação mútua, criando um clima de reciprocidade, com relações de igualdade, confiança e democracia.

Com base nos autores estudados, se pode afirmar que a pesquisa-ação é uma abordagem facilitadora de construção coletiva de processos educativos para jovens e adultos, do tipo não formal, estruturantes de processos de desenvolvimento local por meio de aprendizagens colaborativas e produtoras de novos conhecimentos sobre o contexto, moldadas em tempos-espações favoráveis à transformação social por meio da participação democrática e cidadania ativa, concretizadas nos círculos de diálogo (MARQUES & FREITAS, 2017; BOHM, 2005; MATURANA & YÁÑEZ, 2009; PAIVA & SALES, 2013; TORRES & IRALA, 2014; FREIRE, 1976; FRAGOSO, 2005a; 2005b).