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Abordagem crítica da Educação Física: uma possibilidade de presença nos movimentos sociais ambientalistas

PARTE III ELEMENTOS DE CONCLUSÂO 257 9 – CONCLUSÕES

TRANSCLASSISTA E MULTISETORIAL

5.4. Abordagem crítica da Educação Física: uma possibilidade de presença nos movimentos sociais ambientalistas

A proposta é repensar pela cultura do “Se movimentar” o esporte e suas características, transformando-o de modo a oferecer ao ser humano possibilidades de valorização e preservação do ambiente. Neste caso, este trabalho indica alguns elementos apresentados por estudiosos da Educação Física que contribuíram para alterar a lógica do esporte e suas relações com a complexidade social, pois nessa perspectiva, o centro das atividades esportivas é o próprio ser humano em movimento, produtor de cultura. O esporte é então redimensionado totalmente para ter características de uma atividade livre e criativa, na qual o ser humano é quem determina, cria e recria as regras e as formas de interagir esportivamente, é ele quem age e transforma o seu meio e a si mesmo.

As abordagens críticas da Educação Física são extremamente relevantes quando critica o esporte alienador capitalista e constrói possibilidades teórico-metodológicas conscientizadoras. O esporte,

como conteúdo da Educação Física, forma, reforma e/ou revoluciona as relações pessoais, interpessoais e sociais. Ele é um forte fenômeno cultural e possui uma dimensão complexa que envolve códigos, sentidos e significados da sociedade que o cria e o pratica. Questionar suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica e o constrói, é o caminho possível para resgatar, dele, o valor que privilegia o coletivo no individual, defendendo o compromisso da solidariedade e respeito humano.

Já na década de 1980, a EF tem contribuições neste sentido. Busca valorizar a cultura dentro e fora da escola como elemento fundamental para construir o conhecimento, abrindo novas perspectivas de conteúdos para além do esporte. Indicações, como estas, para organizar o conhecimento na escola, estão nas sugestões do Coletivo de Autores (1992) e das proposições do professor Kunz (2003) para transformá-lo didaticamente, eles indicam danças regionais, lutas, jogos brincadeiras como elementos a serem valorizados pelas aulas.

A valorização da cultura local, através da valorização da diversidade local, das expressões culturais do “Se movimentar”, contribui para compreensão, construção e reificação de uma autêntica cultura específica da comunidade que possuem signos, sentidos e significados (COLETIVO DE AUTORES, 1992). O primeiro passo, para tanto é, partir da conscientização e do reconhecimento do estado de ser e estar no mundo, enquanto ser histórico e cultural. Os trabalhos pedagógicos na dimensão da Educação Ambiental na Formação em Educação Física podem reconhecer a cultura, como possibilidade para definição de conteúdos específicos, demonstrando haver outras opções além dos esportes para trabalhar no campo da Educação Física e Natureza.

Segundo Bakhtin (1979, p. 30) os signos são uma representação ideológica que não pode entrar no domínio da ideologia sem não tomar forma, criar raízes e adquirir um valor social. Portanto, cada uma dessas atividades ou conteúdos traz valores sociais de determinada cultura, construída historicamente ao longo do desenvolvimento de cada indivíduo, de cada grupo, de cada tempo-espaço. Lúria (in VIGOTSKY, 2001) afirma que essas marcas culturais se identificam dentro dos processos sociais de organização dos seres humanos, na nossa sociedade com todas as suas contradições. As brincadeiras, jogos, e movimentos

proporcionados pela aula de Educação Física estão carregados de representações sociais e, ao mesmo tempo, podem ser construídas e modificadas pela história, valores e cultura de seus participantes.

Na Educação Física, historicamente, sua legitimação se deu a partir da valorização de práticas e atividades corporais para a valorização e manutenção de corpos saudáveis, buscou cunhar um ser humano cada vez mais forte, mais ágil, mais veloz e mais empreendedor. Na escola, a Educação Física assumiu a função também eugenista, higienista, militarista disciplinadora de corpos.

Outras influências que buscaram mudanças na cultura da Educação Física ajudaram a traçar outros caminhos para a Educação Física, contribuindo para consolidar novos conhecimentos e abordagens, delimitado um campo teórico com elementos possíveis para estabelecer relações entre ser humano e natureza.

“O homem se apropria da cultura corporal dispondo sua intencionalidade para o lúdico, o artístico, o agonístico, o estético ou outros, que são representações, idéias conceitos produzidos pela consciência social e que chamaremos de significações objetivas. Em face delas, ele desenvolve um sentido pessoal que exprime sua subjetividade e relaciona as significações objetivas com a realidade da sua própria vida, do seu mundo e de suas motivações... Por tanto os temas da cultura corporal, representa um sentido significado onde se interpretam, dialeticamente a intencionalidade/ objetivos do homem e as intenções objetivas da sociedade”. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 62).

Os conteúdos da Educação Física, desta forma, podem permitir que cada pessoa participe das mais diversas atividades de forma integral, pois ela estabelece conexões com sua própria realidade social, interpretando-a e explicando-a a partir de interesses e objetivos claros e definidos. Ao mesmo tempo Leontiev (in VIGOTSKI, 2001) em seus estudos sobre o desenvolvimento da criança e os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar, acrescenta que a ação na atividade corporal.

“Não provem da situação imaginária, mas pelo contrário, é esta que nasce da discrepância entre operação e ação; assim não é a imaginação que determina a ação, mas são as condições da ação que tornam necessária a imaginação e dão origem a ela”.

(LEONTIEV apud VIGOTSKY, 2001, p. 127).

O movimento entre o imaginário e o real, representa muito mais do que uma simples atividade corporal criada e imaginada, seja ela completamente competitiva, puramente saudável, ou mesmo ingenuamente lúdica. As atividades proporcionadas pela Educação Física são repletas de sentidos e significados da sociedade em geral e, mais especificamente, de cada indivíduo construído socialmente e carregado de representações sociais e de ética.

Nesta perspectiva, os estudos sobre o esporte escolar, com contribuição significativa da fenomenologia, trazida pelo professor Kunz, (2003) trazem a análise de que o esporte pode ser tematizado com vistas ao desenvolvimento do aluno em relação a determinadas competências da autonomia, da interação social e da competência objetiva, imprescindíveis na formação de sujeitos livres e emancipados como propõe a Educação Ambiental Emancipadora. Segundo ele, o fenômeno social do esporte pode ser compreendido na sua dimensão polissêmica quando é transformado numa atividade de interesse real dos participantes. Conforme Trebels (1979, apud KUNZ, 2003), isso significa que compreender o esporte, nessa dimensão, deve abranger também:

“Ter a capacidade de saber se colocar na situação de outros participantes do esporte, especialmente aqueles que não possuem aquelas devidas competências ou habilidades para a modalidade em questão; 2- ser capaz de visualizar componentes socioculturais no campo esportivo (a mercantilização, por exemplo); 3- saber questionar o verdadeiro sentido do esporte por intermédio dessa

visão crítica poder avaliá-lo”. (TREBELS, 1979 apud KUNZ, 2003, p. 28).

No contexto escolar, a proposta de construir possibilidades para um esporte “educativo”, significa dizer que ele precisa de uma transformação didático-pedagógica, que deve ser oportunizada a reflexão e o diálogo sobre essas práticas para conduzir uma verdadeira superação do esporte de alto rendimento e do ensino tradicional.

A valorização de expressões da cultura, como conteúdos da Educação Física tratados na Formação profissional na graduação, representa na dimensão ambiental uma possibilidade de valorização da vida no planeta. Ela está articulada com as relações sociais, culturais e econômicas. É onde o esporte de alto rendimento, voltado para o lucro dá vez ao esporte cooperativo com base na economia solidária e passa a representar uma prática cultural da vida humana, uma prática que seja impossível dissociar-se das atividades naturais e de sobrevivência, entre elas: o trabalho e a cultura. Falar sob esta base teórica é sem dúvida reconhecer a produção que nasce das relações de vida de sobrevivência. O debate passa pela compreensão da base material de vida, a economia, que encontra nas relações de trabalho as formas culturais de sobrevivência. Trabalhar com as expressões da cultura para a preservação da vida no planeta significa trabalhar com o dia a dia dos trabalhadores, significa oferecer a possibilidade de trabalhar não mais na lógica do esporte espetáculo, mas, em uma lógica que tem como estratégia, a valorização da liberdade, companheirismo, a autogestão, a solidariedade, representando uma opção autônoma de sujeitos.

É a possibilidade de alterar a cultura econômica não mais centrada na industrialização, na propriedade privada e no consumo exacerbado, mas na valorização da solidariedade, na techné, as iniciativas de

cooperação, companheirismo, colaboração, comunidade,

comunitarismo, coletividade, coordenação, valores que caracterizam uma ação conjunta e solidária. Esta proposta traz como pressuposto a gênese de uma nova cultura de trabalho, a partir dos quais, pode se tornar visível à elaboração de um projeto de desenvolvimento, tendo em vista interesses dos setores populares. Isto significa trabalhar de acordo com a economia popular proposta por Guitierrez e Gadotti (1999) cujas estratégias objetivam: sobrevivência humana; subsistência humana; e estratégia de vida anticapitalista.

As organizações sociais vêm oferecendo à sociedade opções de alterar as relações entre ser humano e a natureza, entendendo o esporte como um dos fenômenos que causam a destruição no arcabouço econômico, pode-se pensar em aproximações da Formação em Educação Física aos Movimentos Sociais Ambientalistas, que buscam alternativas econômicas para uma vida compartilhada.

Os pressupostos alternativos radicam em duas grandes opções: 1) extinção das lógicas concorrenciais e competitivas que têm como finalidade a maximização do lucro;

2) extinção das estruturas hierárquicas de autoridade formal, por forma a que a execução de tarefas e funções e o processo de tomada de decisão sejam baseados numa participação democrática e autogestionário;

3) fim da oposição entre produtores e consumidores, introduzindo relações de identidade generalizada entre os processos de produção, de troca, de distribuição e consumo de bens e serviços. A identidade entre produtores e consumidores é possível desde que as suas relações sejam incrustada numa rede baseada numa solidariedade sistemática. (Ferreira, 2003, p. 15)

Neste contexto, as organizações governamentais e não- governamentais vêm contribuindo de forma direta e indireta para a formação da sociedade. São formulações de documentos, tratados e diretrizes que buscam amenizar a relação de destruição ambiental. As formulações que propõe medidas amenizadoras podem não ser as melhores formas para restabelecer outras relações menos destrutivas entre ser humano e natureza, porém nelas há possibilidades para construir novas relações culturais.

Neste sentido, a dimensão da Educação Ambiental pode contribuir para pensar em uma Formação em Educação Física, mas não sem antes perguntar: Quais características básicas da Educação Ambiental que estamos nos referindo?

6. A POLÍTICA PÚBLICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL