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Abordagem dimensional: informação, atitude e campo de representação

CAPÍTULO II – OS EMBATES TEÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS DE

2.3 Abordagem dimensional: informação, atitude e campo de representação

A abordagem dimensional proposta por Moscovici (2012) visa explicitar como as representações são construídas e organizadas nos diferentes grupos e classes sociais. Isto possibilita compreender os diversos universos de opiniões que constituem as representações (ALVES-MAZZOTI, 1994). No campo das representações sociais, há três dimensões que situam a sua formação e proporcionam sentido sobre seu conteúdo, assim pode-se elencar: a informação, o campo de representação ou imagem e a atitude.

A “informação, dimensão ou conceito tem relação com a organização dos conhecimentos que o grupo possui a respeito do objeto social” (MOSCOVICI, 2012, p. 62), neste caso, o desgaste docente. “Esses conhecimentos podem ser mais ou menos numerosos, mais ou menos precisos” (DESCHAMPS; MOLINER, 2009, p. 128), noutros termos, refere-se à quantidade e à qualidadede informações que os sujeitos recebem sobre o objeto social, ou seja, como eles organizam o conhecimento. Assim, ao compor a dimensão da informação sob perguntas, estas seriam: Qual a origem destes conhecimentos ou informações sobre o desgaste docente? São conhecimentos provenientes de conhecimentos científicos ou do senso comum? O que os professores sabem e como sabem a respeito do objeto social o desgaste na docência?

A dimensão do campo de representação “remete à ideia de imagem, de modelo social, com conteúdo concreto e limitado das proposições que expressam um aspecto determinado do objeto da representação (MOSCOVICI, 2012, p. 64). O campo de representação ou imagem é referente às características qualitativas e figurativas das representações, de modo que a capacidade de elaboração imagética necessita estar em estreita organização e estruturação, formando um campo de imagem, isto é, “pressupõe uma unidade hierarquizada de elementos” (ALVES-MAZZOTI, 1994, p. 63). No mesmo exercício de transpor em pergunta, logo se questiona: Como é a organização e a estrutura da representação social dos professores da educação infantil sobre o desgaste na docência?

A atitude “termina de explicitar a orientação global em relação ao objeto da representação social” (MOSCOVICI, 2012, p. 65), o sujeito posiciona-se quase que de imediato diante do fato, que somente depois do ocorrido, representa e se informa sobre a tomada da sua posição. Essa atitude pode obter uma orientação positiva ou negativa do grupo em relação ao objeto representado, o que se configura como um posicionamento, julgamento, reação. A atitude “deduz-se que é mais frequente das três dimensões’ (MOSCOVICI, 2012, p. 69). Relativo ao objeto social da pesquisa, pergunta-se: Qual o posicionamento global dos docentes perante ao desgaste na docência?

Tais dimensões estão intrinsecamente articuladas, de modo que se nega a afirmação de que tudo é representação social, embora nem todos os fenômenos sociais da realidade social, material, simbólica são objetos sociais de representações. Igualmente para um grupo social um objeto pode ser considerado uma representação, diferentemente para outro não possa ser (SÁ, 1996). Portanto, por meio das três dimensões é possível realizar o processo de estudo da representação social, “essa tridimensionalidade de uma representação dá sustentação ao estudo em termos de consistência representativa e importância social” (WILBERT, 2009, p. 26), bem como possibilita a organização e descrição do conteúdo da representação, uma vez que permite a “caracterização dos grupos em função de sua representação social” (ALVES-MAZZOTI, 1994, p. 64), isto é, a análise dimensional possibilita compreender as diferenças de um grupo pelo outro, através das representações compartilhadas pelos sujeitos perante um objeto de conhecimento (ALVES-MAZZOTI, 1994).

As representações sociais são onipresentes, circulam em todas as esferas de pertencimento, grupos e classes sociais. O caráter identitário marca a visão positiva dos grupos, ante as produções elaboradas pelos sujeitos, o que confere a construção de normas, valores, hábitos que são incorporados por esses grupos. Basicamente, o que os interessa são as verdades elaboradas por meio dos conhecimentos originados nas práticas sociais, ou seja, nas representações, o conhecimento do senso comum é um processo verdadeiro, que estabelece coesão e consenso (MOSCOVICI, 2012).

Na formação das representações, os fatores sociais e os processos sociocognitivos refletem as condições de produção e estruturação das mesmas, na medida em que os processos sociocognitivos, influenciados pelos determinantes sociais, traduzem as formas como as representações são assimiladas pelos grupos. Estes mecanismos acentuam dois processos que estruturam a construção da representação, bem como fazem parte do “modelo sociogenético,”, os mecanismos formadores das representações: ancoragem e objetivação (DESCHAMPS; MOLINER, 2009, p. 125).

O mecanismo da ancoragem é caracterizado como o “processo pelo qual os indivíduos escolhem um quadro de referência comum que lhes permite apreender o objeto social” (DESCHAMPS; MOLINER, 2009, p. 127). O sujeito em sua estrutura cognitiva faz menção ao sistema de referências já enraizado, no qual o objeto perturbador, estranho, não familiar incorpora-se a este sistema tornando-se familiar. Este processo é a formação de uma resposta ao que é ameaçador, os sujeitos moldam, adaptam o objeto estranho, de acordo com o que é familiar. A precedência desse processo, parte de seu caráter organizador e utilitário, atua no plano instrumental, o qual “tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens

comuns em um contexto familiar” (MOSCOVICI, 2011, p. 60). Ao associar as informações com o que já é preexistente, o caráter aproximativo permite “que algo desconhecido e inquietante, que incita nossa curiosidade, seja incorporado a nossa própria rede de categorias e nos permite compará-la com o que nos consideremos um membro típico dessa categoria” (MOSCOVICI, 1981, p. 8).

A ancoragem tem como proposição a classificação, categorização, nomeação do objeto desconhecido, o qual confere o poder de conhecê-lo, ou seja, “pela classificação do que é inclassificável pelo fato, de se dar nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá- lo” (MOSCOVICI, 2011, p. 62). Ao assumir uma posição, o objeto do conhecimento atribui um aspecto positivo ou negativo, o qual se integra em uma escala hierárquica, assim “ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa” (MOSCOVICI, 2012, p. 61). O processo de ancoragem possibilita ao objeto ou ideia a capacidade de comparação a um modelo ou categoria já incorporado e este passa a ser reapresentado e enquadrado dentro do sistema de referências pré-estabelecido. A ancoragem é o processo de assimilação e acomodação do não familiar em familiar, o inclassificável torna-se conhecido, interpretado e familiar. Os professores da educação infantil perante aos processos geradores do desgaste tentariam resgatar sistemas de referências conhecidos e familiares, como forma de aproximação e compreensão dos objetos novos e estranhos que confrontam o que é consensual e estabelecido. A ancoragem permite a organização dos conhecimentos dentro de um quadro de referência, de modo que os professores iriam lançar mão do caráter instrumental e operatório da nomeação e classificação do que seria considerado fatores desencadeadores do desgaste docente.

O mecanismo de objetivação corresponde à transformação da não familiaridade em algo tangível, concreto e real, cuja aproximação realiza a verdadeira essência com a realidade, na medida em que o objeto intelectual e abstrato se torna real e concreto, em sua concretude física e material (MOSCOVICI, 2012). Segundo Moscovici (2012), no universo intelectual, a entidade abstrata do objeto de representação emerge sob forma material. Isto significar dizer que objetificar é descobrir o caráter icônico, figurativo, imagético de uma ideia, por meio da capacidade de associar o objeto específico a um significado concreto e real. Este processo, conforme Vala (2010), desenvolve-se em três momentos: construção seletiva; esquematização; naturalização. A construção seletiva ou descontextualização das informações ou cognições a respeito de um objeto sofrem um processo de classificação e de seleção, em vista da formação de um todo coeso, que seja organizado a fim de se obter informações úteis acerca do objeto. A esquematização refere-se à organização das informações para que estabeleçam um padrão de relações estruturadas. E, por fim, a naturalização diz respeito à materialidade dos conceitos, o

abstrato se torna concreto, por meio de sua expressão em imagens e metáforas, aproximando a realidade e os conceitos.

A grande massa de informações e produções são acopladas a estruturas materiais, na tentativa de aproximação do signo linguístico a algo material, isto pressupõe a interligação com as imagens, numa comparação explícita ou implícita. A imagens atuam no plano figurativo e no campo de representação ou imagem, a corporificação pode ocorrer por meio de imagens e metáforas, operando na condensação e organização dos significados. Logo, o mecanismo de objetivação ilumina e atenua o não familiar, proporcionando sua contraproposta concreta, na medida que ao ser colocada no plano sensível dos sentidos físicos, torna-se capaz de emergir representações inconscientes.

A articulação dialética entre estes dois processos “permite compreender como o funcionamento do sistema cognitivo interfere no social e como o social interfere na elaboração cognitiva” (ALVES-MAZZOTI, 1994, p. 62). Em síntese, os processos de ancoragem e objetivação possibilitam à transformação do não familiar em familiar, a princípio trazemos para a nossa esfera particular, no qual podemos interpretá-lo, posteriormente, reproduzimos na esfera física e concreta, o que, consequentemente, podemos controlar (MOSCOVICI, 2012).