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Práticas de intervenção social e mudanças das representações sociais

CAPÍTULO II – OS EMBATES TEÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS DE

2.8 Práticas de intervenção social e mudanças das representações sociais

As imbricações entre o estudo das representações sociais e as práticas de intervenção social, no campo das ciências humanas, sobretudo, na psicologia social, em especial, apresenta o consenso de uma prática intencional e deliberada de mudança. As práticas de intervenção em

um estudo, necessariamente, supõem a consideração das representações, na medida em que o conhecimento do pensamento social dos grupos, instituições, organizações, movimentos sociais permite o acesso ao conhecimento do cotidiano, de tal forma que o trabalho sobre as representações admite a valorização dos saberes do senso comum, ressignificação das condições e situações de vida e ainda conscientização crítica de apontamentos ideológicos (JODELET, 2007).

Não necessariamente o estudo das representações sociais sugere uma implicação de intervenção, tampouco o domínio científico da teoria e o seu desenvolvimento, por meio de estudos empíricos não pressupõe a aplicação de intervenção ou mudança. No entanto, os estudos dos dados contribuem para o desenvolvimento dos modelos teóricos e da análise das produções e das representações dos sujeitos ou grupos investigados, uma vez que questões mais amplas ligadas à relação entre teoria e aplicação ou inquirição ou ação necessitam de análises mais profundas, pois os campos de ação ou de investigação constituem-se em espaços de atuação e saberes (JODELET, 2007).

O ato intencional, contestador ou reformador de uma intervenção traduz a preocupação intersubjetiva atrelada ao “desejo de modificar o estado do campo de atuação e transformar as condutas de seus atores na direção de melhor adaptação ou satisfação” (JODELET, 2007, p. 52). O caráter de orientar as ações e a visões sobre o mundo, assumido pela teoria das representações sociais como sistema que inspira um referencial de leitura, quadro teórico que aproxima o não familiar em familiar, e de tal forma o princípio de intervenção, requer o estado do conhecimento das representações sociais. Ademais, para toda e qualquer intervenção social, vale lançar mão de um dos requisitos fundamentais no processo de conhecimento e valorização dos saberes populares, fator inextricável de tomada de consciência sobre as relações entre os saberes e as práticas de transformação social, como também “a importância do trabalho sobre os saberes ingênuos, em termos de desideologização, de conscientização e de formulação de novas necessidades e identidades” (JODELET, 2007, p. 53).

As imbricações entre as representações sociais e as práticas de intervenção ou mudança social podem-se ser caracterizadas a partir de práticas intencionais ou não. Contudo, três formas básicas podem ser exploradas nesse campo de estudo e atuação: a) estado do conhecimento das representações, incitam a modificação dos modos de pensamento; b) transformação das práticas, produzem efeito sobre as representações; c) prática de intervenção intencional sobre as representações, de modo a encaminhar processos de mudança no modo de ser dos sujeitos e de suas condutas (JODELET, 2007, p. 53).

A primeira forma de intervenção decorre do próprio ato de interação e inquirição da prática de pesquisa em representações sociais. A relação sujeito e objeto, cuja interação entre pesquisador e seu interlocutor, se dá em estreita relação visível em procedimentos metodológicos utilizados como entrevistas, permite aos participantes a tomada de consciência de situações ou raciocínios desconhecidos. Vale destacar que essa forma de intervenção emerge do próprio ato da prática de pesquisa, embora não necessariamente a mudança ocorra, mas o processo de conscientização pode ser desencadeado neste processo (JODELET, 2007, p. 57), ou seja, a mudança ocorre de modo indireto. Igualmente, o processo de conscientização desencadeado em seus interlocutores pode originar visões de mundo diferentes, ante as diferentes situações sociais, de tal forma que a mudança permite a alteração sobre o olhar de si mesmo e sobre os outros.

A segunda forma de intervenção, pautada na transformação das práticas de modo espontâneo ou intencional, age de tal forma nas representações, sob um efeito direto que atinge sua organização e o seus significados. Aqui, o ciclo de intervenção é alterado, de modo que a influência das práticas de intervenção ocasiona a modificação das representações. A prática de intervenção é orquestrada a fim de atingir diretamente uma mudança, sem a pretensão de tomar por conhecimento as representações ou estudá-las. (JODELET, 2007). Portanto, o processo de intervenção segue o caminho inverso, inicia pela prática de modificação de condutas e práticas dos sujeitos, sem, contudo, ter como foco a modificação das representações.

A terceira forma de intervenção, entre as representações sociais, tem por objetivo o modelo que aspira à mudança social. Nesta forma, o conhecimento das representações sociais dos sujeitos sociais norteia as tomadas de posição, de modo que serve de orientação e de guia para as ações, “os cientistas postulam que a prática social depende da visão que os sujeitos sociais, indivíduos ou grupos, têm da interpretação que fazem de sua realidade” (JODELET, 2007, p. 56). O modelo de intervenção segue o postulado de conhecer e explorar as elaborações dos sujeitos, de modo a evidenciar os principais obstáculos ou facilidades que promovam o desenvolvimento de práticas de intervenção. O trabalho de intervenção é direcionado sobre o modo de pensamento social dos sujeitos, atuando na identificação e na modificação da representação, e, por consequência nas atitudes.

As representações sociais possuem a função de facilitar a “economia cognitiva”8 (informação verbal), de orientar as atitudes, isto é, as atitudes predispõem a cognição das

8 Citação utilizada pelo prof. Drº Ademir José Rosso, na disciplina de Seminário Especial em Representações

representações. As atitudes possuem um cunho normativo, fundado em valores, sentimentos, crenças e experiências (LIMA, 2010). Igualmente, a atitude é uma construção hipotética que admite a tendência psicológica do estado interior do sujeito, sobretudo, é observável em situações onde se expressam comportamentos avaliativos em tons favoráveis ou desfavoráveis. As atitudes também são veiculadas por meio de um julgamento avaliativo, que pode ser caracterizado por três formas: a) julgamento avaliativo em direção a um posicionamento favorável ou desfavorável; b) julgamento de intensidade perante posicionamentos extremos ou fracos; c) julgamento de acessibilidade, refere-se ao posicionamento imediato, ativado automaticamente na memória, em razão do comportamento do sujeito, ante o objeto de atitude. As atitudes de julgamento avaliativo também sugerem respostas avaliativas que se diferenciam entre si: a) respostas avaliativas cognitivas: referente às opiniões, ideias e pensamentos sobre o objeto de atitude; b) respostas avaliativas afetivas: corresponde às emoções e sentimentos desencadeados diante do objeto de atitude; c) respostas avaliativas comportamentais: diz respeito aos comportamentos e às intenções comportamentais que as atitudes podem ser manifestadas. (LIMA, 2010). Contudo, são desencadeadas em razão de um objeto específico, que pode estar presente ou ausente. Este objeto de atitude, diz respeito desde entidades abstratas ou concretas, como, por exemplo, política, democracia, comportamentos, hábitos, atitudes sociais, atitudes relacionadas às pessoas, o que caracteriza um posicionamento de “atração interpessoal” (LIMA, 2010, p.190.), como também atitudes a si próprio, configurando-se pela autoestima.

A definição das mudanças das atitudes e das práticas sociais sugere a interdependência com as representações. Os mecanismos de influência e persuasão são utilizados em busca da indução e imposição de interesses de grupos majoritários, principalmente na sociologia, cuja “tendência é a de conceber a mudança das representações em termos de influência” (JODELET, 2007, p. 57).

Ao que se refere ao papel do interveniente, o compromisso político de mudança concebe a intervenção como práxis, a qual possibilita a elaboração de projetos de ação, tomada de decisões, esclarecimento sobre condições de vida e experiência, valorização dos saberes de grupos minoritários, catalisação e compreensão da conscientização crítica e não ingênua. Seja por modelos de influência, persuasão, interação, forma de comunicação intersubjetiva, negociação, diálogo, a consideração das representações sociais é elemento imprescindível, no trabalho de pensar, conhecer, interpretar o pensamento social, em vista de orientar a mudança das representações (JODELET, 2007).