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CAPÍTULO I – O DESGASTE DOCENTE COMO OBJETO DE ESTUDO

1.2 O termo desgaste – uma abordagem integradora

O verbete ´desgaste´, no dicionário Houassis (2009), remete à ação ou efeito “corrosivo” de desgastar-se em função de algo, por “contato, fricção ou atrito”; “deterioração ou destruição pelo excesso de uso”, marcado pelo tempo e espaço, no “enfraquecimento, diminuição de força física, sensação de abatimento, envelhecimento e perda de importância”, diante de uma condição que ruína e esfacele quem é desgastado e o que produz o desgaste (PAPARELLI, 2009).

Autores do campo da psicologia do trabalho definem o desgaste como “[...] a perda da capacidade efetiva e/ou potencial, biológica e psíquica (LAURELL, NORIEGA, 1989 apud SANTANA, 2017 p. 115), numa abordagem que trata dos conjuntos biopsíquicos, compostas por cargas de trabalho, que relaciona fatores ambientais com o processo de trabalho. Dentre as cargas de trabalho definidas pelos autores, destacam-se cargas externas ao corpo (cargas físicas, químicas, biológicas e mecânicas) ou internas (fisiológicas e psíquicas).

Em uma abordagem integradora, Seligmann-Silva (1994), no âmbito da Saúde Mental e Trabalho (SM&T), explica o adoecimento e o processo de desgaste, a partir do consumo de substrato e das energias vitais, embasando o desgaste mental, a partir de três níveis: 1) situações clínicas decorrentes do desgaste da substância orgânica, causado por substancias tóxicas; 2) manifestação do mal-estar (físico e mental); 3) desgaste que atinge a subjetividade do trabalhador e fere a identidade, perante a degradação e corrosão de valores. Contudo, o desgaste, segundo a autora, é entendido a partir das experiências que são tecidas diacronicamente com a vida laboral e extralaboral. Ainda no campo da SM&T, diferentes âmbitos da produção do desgaste mental devem ser considerados, como mostra o quadro 2:

Quadro 2. Âmbitos do desgaste mental (continua) Aspectos a examinar em cada âmbito

No local de trabalho 1. Aspectos do ambiente físico, químico e biológico; 2. Aspectos da organização do trabalho e dos conteúdos das atividades; 3. Relações humanas no coletivo do local de trabalho (interpessoais); 4. Sistemas sociais (coletivo de defesa e coletivo de regra). Na empresa 1. Posição e situação atual

- Posição que ocupa no setor em que se insere;

- Características principais (privada/estatal,

nacional/multinacional)

- Dados gerais sobre a situação atual (retração ou expansão; êxitos/fracassos).

2. Política de pessoal - Formas pelas quais promove valorização ou desvalorização dos empregados, negociação/imobilismo em No contexto regional/nacional 1. Conjuntura socioeconômica; 2. Política econômica e conexas: política industrial e tecnológica; 3. Políticas sociais: política de saúde; de educação; previdência social e trabalho (fiscalização das condições de trabalho);

Quadro 2. Âmbitos do desgaste mental (conclusão) Aspectos a examinar em cada âmbito

relação a reinvindicações salariais e de transformação das situações inadequadas de trabalho. Formas de contratação que adota.

Posição em relação à introdução de novas tecnologias 4 Outras vinculadas às condições de vida e trabalho da população/ 5 desenvolvimento social.

Fonte: Adaptado de Seligmann-Silva (1994).

O desgaste do trabalho docente aqui é analisado na medida em que o desgaste físico e psicológico, segundo Rosso, Subtil e Camargo (2016) são interdependentes, ou seja, atuam concomitantemente. Tanto o desgaste físico-corporal (SABBAG, 2017; ROSSO; SUBTIL; CAMARGO, 2016) decorrente do uso constante da voz (GIANNINI; LATORRE; FERREIRA, 2012), permanência em pé por longos períodos de tempo; ambiente com má qualidade térmica, iluminação e ventilação precárias; além do desgaste psíquico, marcado pela exigência de concentração, tempo escasso e o desequilíbrio de demandas e o poder de controle sobre o trabalho (ROSSO; SUBTIL; CAMARGO, 2016).

Pesquisas que abordam o desgaste na rotina docente, desde a preparação de aulas, materiais, organização de atividades complementares, planejamento, confecção de trabalhos, preenchimento de relatórios e fichas em horários extraescolares ou em momentos dedicados a esfera privada, por si só se configuram como fatores inerentes ao desencadeamento do desgaste, somados às condições físicas e materiais insuficientes; excesso de demandas contraditórias (burocráticas, morais, pessoais, profissionais), anexo a jornadas de trabalho extenuantes, que transcendem a esfera pública e privada, contribuem para o processo de adoecimento da categoria docente. Deste modo, tanto o desgaste e as síndromes afetam a saúde do trabalhador, em níveis de ordem social, afetivo, emocional, cujo estressores minam o desempenho profissional nas relações de suporte social e afetiva (CODO, 2007).

O desgaste “metafórico da identidade” (SELIGMANN-SILVA, 1994) e de projetos ou planos de trabalho ou de vida são associadas às situações frustrantes, sobre o que se não pode fazer, tanto pelo trabalho exercido (SANTANA, 2017). As experiências subjetivas são personificadas pela degradação da autoimagem no tempo e no espaço de atuação, na falta de reconhecimento e percepção sobre o desempenho no trabalho, nas expectativas de ascensão na carreira, especificamente no trabalho docente, na elevação do plano de carreira, bem como no desenvolvimento de projetos, planos de ação que se iniciam e não se completam, caracterizam- se como determinantes no processo do desgaste.

O desgaste advindo do plano estrutural é apontado em pesquisas de Rosso, Subtil e Camargo (2016) por meio de fatores estruturais do desgaste docente. Em análise sobre os aspectos materiais, organizacionais e estruturais da docência, verificaram que os fatores associados ao desgaste são extrínsecos na ou da docência. O desgaste na docência origina-se da trama do trabalho cotidiano, nas relações com os alunos e seus atores, e o desgaste da docência apresenta uma conotação que ultrapassa a sala de aula e mantém suas relações com a estrutura social, econômica, política, ideológica. As representações sociais dos professores sobre os elementos estruturais do desgaste da docência seguem duas vias: uma externa ao trabalho, que determina o salário, gestão e controle escolar, por sua vez, amplia o desgaste da docência; e outra interna à docência, que expressa a intensificação, o tempo, espaço e o número de alunos atendidos, ou seja, a captura da subjetividade e a intensificação do trabalho tornam-se presente nas representações do desgaste (ROSSO; SUBTIL; CAMARGO, 2016).

Em síntese, as condições da docência intercruzam-se entre os planos estrutural, simbólico, epidemiológico e psicológico (ROSSO; SUBTIL; CAMARGO, 2016). Os determinantes do capital e trabalho, a organização, o processo de saúde e doença e a experiência vivida penetram na trama cotidiana do trabalho, sob forma de um conjunto de elementos que se acumulam ao longo da carreira, os quais manifestam-se na saúde, no trabalho e na vida do docente. Não somente, as mudanças no contexto de trabalho vêm ocasionando mutações e metamorfoses sobre a prática docente, no qual as diversas demandas emanam que o professor exerça não apenas sua incumbência principal das atividades, fins e meios, porém exigem o cumprimento de tarefas e atribuições que fogem de sua formação, desempenhando “funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras” (OLIVEIRA, 2004, p. 1132).