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Gravidez na adolescência:

2. A transição para a maternidade no contexto da gravidez na adolescência

2.3. Abordagem ecológica da gravidez na adolescência

O desenvolvimento humano é um processo multideterminado e dinâmico e, como tal, não ocorre isoladamente de outras transações que se sucedem nos contextos sociais, daí a necessidade de análise do desenvolvimento da adolescente nunca isolada dos contextos relacionais e sociais mais vastos onde a gravidez está inserida.

Uma linha de investigação sobre a temática, de cariz desenvolvimental, tem vindo a emergir, ultrapassando o foco de análise do meramente individual, para o relacional e contextual, em que se procura estudar os contextos de vida significativos e a sua relevância na adaptação da adolescente à transição desenvolvimental da maternidade (Jongenelen, 2003).

Na tentativa de compreender o desenvolvimento, os modelos teóricos foram evoluindo no sentido de abarcarem mais áreas de aplicação e diferentes contextos. Assim, nas teorias e modelos atuais do desenvolvimento, no seio dos quais a Psicopatologia do Desenvolvimento tem sido uma concepção privilegiada, a gravidez adolescente é perspetivada como multideterminada e com resultados desenvolvimentais muito diversos (Canavarro & Pereira, 2001).

Na Psicopatologia do Desenvolvimento, a ênfase está colocada em definir, traçar e compreender as trajetórias normais de desenvolvimento, em especificar os desvios significativos destes percursos normais, em sublinhar as transformações comportamentais que ocorrem quando o indivíduo segue uma trajetória desenvolvimental atípica e identificar os fatores que estão envolvidos na mudança desse percurso. A dupla focalização na competência face à adversidade por um lado e, por outro lado, na continuidade da inadequação é a essência da investigação sobre o risco e, logo, a compreensão da natureza das trajetórias de desenvolvimento é fundamental (Soares, 2000).

Podemos referir ainda que a Psicopatologia do Desenvolvimento invoca ao reconhecimento da necessidade de estudar o desenvolvimento normal para melhor compreender o atípico, tendo por base a conceção da psicopatologia como um esforço adaptativo (Stroufe, 1989) e, assim, da coerência da adaptação, o que leva a uma dupla focalização nas trajetórias adaptativas e inadaptativas.

Nesta linha, uma das tendências atuais está relacionada com a adoção de uma perspetiva ecológica ou contextual, que reconheceu a importância da interação entre o

indivíduo e os seus contextos para o estudo e compreensão do desenvolvimento humano. As conceptualizações ancoradas no campo da Psicopatologia do Desenvolvimento, nomeadamente o modelo bioecológico (Bronfenbrenner, 1977, 1979; Bronfenbrenner & Morris, 1998), reconhecem a complexidade inerente ao processo de adaptação, na medida que contemplam a importância de um vasto conjunto de variáveis quer intrafamiliares, quer ambientais, enquanto aspetos que influenciam o desenvolvimento, constituindo-se como enquadramento teórico propício ao estudo e análise dos determinantes da adaptação perante situações indutoras de stress, sejam elas normativas ou não normativas (e.g. ocorrência de gravidez na adolescência).

O modelo bioecológico supera uma perspetiva unidimensional e envolve quatro componentes interrelacionados (pessoa-processo-contexto-tempo)23. A dimensão processo

implica as relações dinâmicas entre o indivíduo e o contexto. Assume um papel crucial, pois refere-se a formas particulares de interação entre o organismo e o ambiente (processos proximais), que atuam ao longo do tempo e são postulados como o mecanismo primário na construção do desenvolvimento humano, entendido enquanto “estabilidade e mudança nas características biopsicossociais dos seres humanos ao longo do ciclo de vida e através das gerações” (Brofenbrenner & Morris, 1998, p.995).

Brofenbrenner propõe, no modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano, a existência de quatro sistemas influentes no desenvolvimento humano: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema (Brofenbrenner, 1977). O microssistema consiste no padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experimentados pelo indivíduo em desenvolvimento, num dado contexto; o mesossistema refere-se aos contextos nos quais a pessoa interage ou, por outras palavras, agrupa as interrelacões entre numerosos microssistemas; o exossistema é composto por contextos que não envolvem diretamente o indivíduo, nem onde este tem participação direta, mas que influenciam o seu desenvolvimento; o macrossistema corresponde ao nível mais abrangente do desenvolvimento humano e integra os contextos culturais e o conjunto de valores e crenças que atuam sobre os níveis anteriores (Brofenbrenner, 1977, 1979).

São vários os contextos em que podem atuar fatores que antecedem e se sucedem à gravidez na adolescência, influenciando decisivamente a sua ocorrência e a adaptação à maternidade dela resultante (Araújo-Pedrosa, 2009); o modelo bioecológico ultrapassa uma perspetiva unidimensional do desenvolvimento do indivíduo, integrando-o num contexto

23 A dimensão processo implica as relações dinâmicas entre o indivíduo e o contexto. A pessoa que inclui

as suas características biológicas, cognitivas, emocionais e comportamentais; O Contexto do desenvolvimento, conceptualizado como um conjunto de sistemas que, integrados, constituem a ecologia do desenvolvimento ontogénico; e finalmente, o Tempo, que envolve um conjunto de dimensões temporais, nomeadamente o tempo ontogénico (tempo de vida individual – nascimento - morte), o tempo familiar (localização de cada indivíduo relativamente às gerações anteriores e futuras) e o tempo histórico (referente ao sistema cultural e social que existe na vida do indivíduo e as mudanças que ocorrem neste sistema durante a vida) (Brofenbrenner & Morris, 1998).

dinâmico e multidimensional, em diferentes níveis de organização tais como biológico, psicológico, social, relacional, familiar, institucional, comunitário, cultural e histórico. Os vários sistemas e subsistemas não se exercem de forma autónoma mas através da integração dos seus efeitos de interação (cf. figura 4).

Figura 4: Uma abordagem ecológica no estudo da adaptação à gravidez na adolescência (adaptado de Canavarro & Pedrosa, 2005)

Com a prevalência atual dos modelos multifatoriais do desenvolvimento, tem vindo a ser dada importância aos contextos relacionais e sociais de vida, como parte integrante do desenvolvimento, que esteve, em geral, ausente na conceptualização e investigação empírica na gravidez na adolescência (Jongenelen, 2003).

A investigação psicológica na área da gravidez e maternidade adolescente tem procurado identificar aspetos que podem contribuir para que uma jovem, em processo de formação e desenvolvimento, engravide. Atendendo à multiplicidade de fatores que caracterizam a gravidez nesta fase do ciclo de vida e para uma melhor compreensão deste fenómeno multissistémico, importa esclarecer os múltiplos fatores de risco associados aos contextos individuais, relacionais e sociais das jovens que engravidam.

Assim, no próximo capítulo, vamos deter-nos nos fatores antecedentes associados à ocorrência de gravidez na adolescência.

Indivíduo

Adaptação à gravidez Microssistema

Relação com o companheiro Contexto e dinâmicas familiares

Exosistema

Escola, família alargada, amigos… Apoio social mais lato

Macrossistema

Contexto social, económico, cultural, histórico, legal…