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A gravidez na adolescência enquanto cadeia sequencial de acontecimentos e decisões comportamentais

Gravidez na adolescência:

2. A transição para a maternidade no contexto da gravidez na adolescência

2.1. A gravidez na adolescência enquanto cadeia sequencial de acontecimentos e decisões comportamentais

Alguns autores referem-se à gravidez na adolescência como uma cadeia sequencial de acontecimentos e decisões (Hardy & Zabin, 1991; Miller, Sage & Winward, 2005). A gravidez na adolescência é então “o produto final de uma série de comportamentos que se iniciam com o estabelecimento da atividade sexual e continuam através das relações coitais, contraceção, gravidez e nascimento, e de uma série de decisões conscientes e inconscientes acerca desses comportamentos” (Hardy & Zabin, 1991, pp. 357).

Esta cadeia de comportamentos, tal como descrita na figura 2 (cf. Pg. 46) é útil para ajudar a identificar momentos críticos para a prevenção e intervenção e, desde logo, aponta para um Quadro configurativo da heterogeneidade das adolescentes que engravidam e que não se enquadram num perfil uniforme, bem como para a diversidade de percursos que podem anteceder a transição para a maternidade na adolescência.

Na figura 5 podemos observar os determinantes mais próximos da ocorrência de gravidez durante os anos da adolescência. Cada dimensão reflete uma condição, decisão, ou o nível de envolvimento sexual. A coluna do lado direito contém decisões que antecipam, ou adiam a sucessão para níveis crescentes de envolvimento relacionados à sexualidade.

No caso de uma gravidez não planeada observamos uma diversidade de possibilidades que podem contribuir para a sua ocorrência (cf. Capítulo 1). Nomeadamente, nas adolescentes que se tornam sexualmente ativas numa idade muito jovem, acresce a probabilidade de comportamentos sexuais de risco, como terem múltiplos parceiros, a não utilização de métodos contracetivos e muitas vezes, quando os usam, fazem-no de forma ineficaz ou utilizam mal ou de forma inconstante o preservativo, aumentando o risco de gravidez indesejada.

Como referimos, a maioria das gravidezes adolescentes não são planeadas e as jovens que não planeiam a gravidez vêm-se, em determinado momento, confrontadas com o seu estado e têm que decidir se querem levar a gravidez até ao fim e assumir o papel de mãe.

Figura 2: Sequência de decisões conducentes à gravidez e à maternidade na adolescência (adaptado de Benson, 2004; Canavarro & Pereira, 2001; Miller et al., 2005)

A gravidez nem sempre conduz à maternidade e para algumas jovens a hipótese do

aborto surge como forma de solucionar uma situação desagradável que lhes causa ansiedade

(Benson, 2004). Alguns autores referem como as razões mais frequentes para a interrupção da gravidez, nesta fase desenvolvimental, os sentimentos de imaturidade para assumir a responsabilidade de um filho, o desejo de adiar a parentalidade para uma fase posterior do ciclo de vida, a instabilidade da relação interpessoal com o companheiro, a falta de apoio do parceiro e a prioridade atribuída à educação (Bankole, Singh & Haas, 1998; Santelli, Speizer, Avery & Kendall, 2006).

Santelli e colaboradores (2006) referem cinco motivos que parecem influenciar a decisão de abortar entre as mulheres com idade inferior a 20 anos: (1) ser demasiado jovens (73%); (2) imaturidade para assumir a responsabilidade de um filho (64%); (3) dificuldades financeiras para educar uma criança (56%); (4) ser solteira (45%) e (5) instabilidade na relação com o companheiro (20%).

Coleman (2006) tem sugerido, ainda, que a tendência para enveredar pelo aborto como resolução de uma gravidez indesejada se relaciona com estilos educativos parentais caracterizados por reduzida afetividade, criticismo e exigência.

Sexualidade

Adolescente Abstinência Total

Comportamento Sexual sem cópula Comportamento Sexual Utilização de contracetivos Gravidez Interrupção Voluntária 1. Decisão Sexual 2. Decisão contracetiva 3. Decisão sobre a continuidade ou não da gravidez Cuidar e educar o bebé 4. Decisão acerca da parentalidade Adoção Parentalidade

Em Portugal, volvidos três anos sobre as novas condições da Lei da Interrupção da Gravidez, as características demográficas e reprodutivas das mulheres que interrompem voluntariamente a gravidez tem sido pouco especificada. Antes da despenalização da IVG, eram escassos os estudos que abordam a problemática da tomada de decisão reprodutiva, já que o acesso aos números reais era dificultado pela ilicitude legal do ato.

Numa investigação efetuada, em 2008, constituída por 53 participantes do sexo feminino que procuraram a Consulta de Aconselhamento Reprodutivo da Maternidade Doutor Daniel de Matos dos Hospitais da Universidade de Coimbra, para interromper a gravidez, as principais motivações para abortar entre as mulheres mais jovens (até aos 24 anos de idade) destacam-se razões relacionadas com perceções de imaturidade (e.g. ser demasiado nova; medo de não conseguir ser boa mãe) e motivações vinculadas ao relacionamento interpessoal com o companheiro (e.g. não querer ser mãe solteira, imaturidade da relação, pressão por parte do companheiro para abortar) (Guedes, 2008).

Outras adolescentes decidem levar a gestação até ao fim e a investigação tem referido que um número muito diminuto das jovens que engravidam opta por entregar o bebé para adoção (1-2%) (Resnick et al., 1990, cit. in Benson, 2004).

Entregar um filho para adoção é uma decisão difícil e complicada. A gravidez na adolescência é caracterizada por uma resposta emocional complexa: o desespero e o medo são apenas algumas das emoções experienciadas pelas jovens quando descobrem que estão grávidas e percebem que não podem manter a criança por qualquer motivo (Theron & Dunn, 2006).

De acordo com um estudo, efetuado com jovens que não estavam grávidas, a adoção surgia como a possibilidade menos considerada e discutida para resolver uma gravidez não planeada (Daly, 1994). As adolescentes da amostra mostravam opinião favorável em relação à adoção, mas consideram-na um processo demasiado complexo e juridicamente difícil.

A literatura tem agrupado por categorias, os principais aspetos que levam uma adolescente a optar pela adoção, nomeadamente: aspetos sociodemográficos, o apoio familiar e a opinião do pai do bebé (Howerton, 2010).

As jovens que têm uma perceção positiva da adoção são provenientes de famílias de NSE mais favorecido, em que o desempenho académico e profissional são valorizados (Namerow, Kalmuss & Cushman, 1993). De acordo com os mesmos autores, as adolescentes brancas e mais velhas apresentam, também, uma maior probabilidade de fazer essa opção. Além disso, são jovens que referem não se sentir preparadas para exercer a parentalidade (Daly, 1994).

As pessoas significativas na vida da adolescente parecem desempenhar um papel importante na decisão de entregar o recém-nascido para adoção. Essas pessoas são na maioria das vezes os pais, o pai do bebé ou outros membros da família (Benson, 2004). O apoio parental, especialmente da mãe, surge como um dos principais determinantes da decisão de uma adolescente optar pela adoção. Namerow, Kalmuss e Cushman (1993) constataram que as

adolescentes que decidem pela adoção têm geralmente o apoio da mãe nessa tomada de decisão.

As adolescentes que decidem prosseguir a gestação e pretendem cuidar do bebé pertencem, em geral, a famílias numerosas e a agregados familiares mais carenciados, apresentam baixas aspirações académicas e percecionam como escassas as oportunidades profissionais (Benson, 2004), contudo, as atitudes acerca da parentalidade são perspetivadas de forma positiva, sendo aceite com maior naturalidade. Vários estudos internacionais referem que muitas adolescentes atribuem baixos custos a uma gravidez precoce, devido não só às baixas aspirações académicas e à perceção de escassas oportunidades profissionais (Grant et al., 2002), mas também porque a gravidez na adolescência parece constituir o meio mais adequado para as jovens obterem estatuto social e se tornarem independentes e responsáveis (Szigethy & Ruiz, 2001).

No que se refere ao panorama nacional, estudos empíricos conduzidos em alguns dos bairros de realojamento social de Lisboa, demonstram que a gravidez precoce e consequente maternidade constitui um fenómeno esperado e alvo de valorização, em consequência da existência de padrões intergeracionais nos processos de gravidez na adolescência. Muitas destas jovens assistiram à gravidez das irmãs, das vizinhas, das cunhadas e mesmo as suas mães já foram mães adolescentes (Malta, Roque, Duarte & Ventura, 2007).

O contexto comunitário e cultural é determinante na aceitação da gravidez na adolescência. Em determinadas zonas habitacionais existe um maior risco de gravidez precoce, resultado de circunstâncias sociais mais desfavoráveis mas também da existência de determinadas normas da comunidade relativas à atividade sexual e à gravidez (Lourenço, 1998). A maternidade adolescente parece ser um projeto individual e uma valorização pessoal e social (Pereira, 2001).

Como refere Malta e colaboradores (2007) a este respeito, a parentalidade adolescente parece ser o projeto de vida de muitas jovens quando outros falham: como a escola, a vida familiar, a procura de curso profissional ou emprego. “Estas jovens não se sentem “competentes” em mais nada, sendo a gravidez e a posterior maternidade um momento de valorização” (pp.12).

Este aspeto será aprofundado no próximo capítulo.