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4. A DIMENSÃO DO ERRO NA PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE

4.4 ABORDAGEM DO ERRO À LUZ DA ÉTICA

O ICN (2000), através do seu código de ética para enfermeiros, diz que estes têm “4 responsabilidades fundamentais: promover a saúde, prevenir a doença, restaurar a saúde e aliviar o sofrimento. A necessidade de cuidados enfermagem é universal. Está inerente à enfermagem o respeito pelos direitos humanos, incluindo o direito à vida, à dignidade e a ser tratado com respeito. Os cuidados de enfermagem não contemplam restrições quanto à idade, cor, credo, cultura, incapacidade ou doença, género, nacionalidade, política, raça ou estatuto social. Os mesmos são prestados à pessoa, à família e à comunidade, coordenando os seus serviços com os grupos afins”.

Em presença de um erro há sempre a considerar diferentes pontos de vista. Fragata e Martins (2005) consideram “em primeiro lugar o da vítima, o doente, que é lesado fisicamente e defraudado, moralmente nas suas legítimas expectativas de melhoria ou de cura. Em segundo lugar, o do, ou dos profissionais envolvidos (...) Finalmente existem os familiares do doente, os responsáveis institucionais, a opinião pública e a sociedade em geral” (p.273). E para Thompson et al (2004) “o doente, tem direito a ser encorajado e a “obter dos médicos e outros prestadores directos de cuidados, informação actualizada e compreensível relativamente ao diagnóstico, tratamento e prognóstico” (p.404). O doente tem por isso direito à verdade sobre tudo o que o

envolve. Se sobre si foi praticado um erro, pelo princípio ético da justiça, ele tem direito a ter conhecimento do mesmo e a ser reparado fisicamente e indemnizado pelos danos causados. A Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina (n.d.) configura que “qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efectuada depois da pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida”. Quando um doente dá o seu consentimento informado presume que está e vai ser informado de tudo o que se irá passar e fá-lo numa base de confiança. Esta relação, tendo em conta os cuidados de enfermagem que se vão prestar, baseia-se na responsabilidade fiduciária, que significa que “alguém está confiado aos nossos cuidados, que se entrega voluntariamente aos mesmos e que confia.” (Thompson et al, 2004, p.80) Pressupõe-se assim, na relação enfermeiro-doente um “contrato de cuidar e ser cuidado”. Thompson et al (2004) referem que “o dever legal do cuidar dos enfermeiros (...) deriva da natureza do contrato implícito ou real entre os prestadores de cuidados e aqueles de quem eles cuidam ou que lhes confiaram as suas vidas. (...) O não cumprimento do dever de cuidar enquanto profissionais não só pode ser moralmente condenável por quebra de confiança, como alvo de um processo judicial” (p.110).

Sempre que se omite a verdade, esta situação contribui para deteriorar a relação de confiança com o doente e com a sociedade, pelo cariz da profissão que os enfermeiros exercem. É em todas as situações muito difícil lidar e admitir o erro, ainda mais profissional e que envolve pessoas, quer pela natural frustração, quer pela inevitável comparação com o desempenho de outros colegas, seja ainda pelo receio de má reputação, incriminação, culpabilização, condenação...Há uma consciência pesada naquele que provocou danos num ser humano que confiou nele e nos cuidados que oferecia, há a frustração, o peso individual e social. Fragata e Martins (2005) acreditam que esta “cultura de culpabilização individual pelo erro cometido e a condenação decorrente, seja ela hierárquica, institucional, ou a divulgação pública (...) fazem com que em torno do erro se criem reacções de ocultação e de fuga, que só são naturais.” “A culpabilização compensa socialmente e faz notícia fácil, mas não é a

forma mais séria de abordar este tipo de casos e não contribui para facilitar a confissão espontânea.” (p.277, p.279)

Reason (1997) pensa que seria benéfico adoptar uma política de avaliação de erros que considere “maus sistemas e boas pessoas” transferindo a culpa mais para o sistema e menos para os indivíduos (como citado em Fragata e Martins, 2005, p.278). Para Fragata e Martins (2004) esta teoria baseada na abordagem sistémica dos erros, facilitará a confissão voluntária dos erros por parte de quem os comete, fazendo uma comparação do campo da saúde ao campo da aviação onde os erros são cada vez mais controlados e monitorizados prevenindo-se assim acidentes e danos humanos.

Na perspectiva de Fragata e Martins (2005) é essencial distinguir os “erros honestos” e os erros por violação de regras, ou por negligência. Ambos são erros cometidos por pessoas e se os primeiros podem ser desculpáveis os segundos não. Onde há um erro não existe necessariamente negligência, dado que errar é, não só humano, como muito frequente.

Para além de relatar o erro cometido, o enfermeiro deve comunicar também erros cometidos por colegas e membros da equipa multidisciplinar, salvaguardando o anonimato. A atitude do enfermeiro que oculta tal informação, não serve a causa do doente, nem o prestígio da profissão, pelo que o seu dever ético e legal é denunciar esses casos aos superiores para que se tomem medidas. Não se trata de romper a lealdade com outros profissionais, mas salvaguardar os direitos dos doentes e o seu direito à verdade.

De acordo com Fragata e Martins (2005) e reportando-nos ao erro de enfermagem, em caso deste se verificar, o profissional deve procurar inteirar-se de forma completa e segura do que sucedeu e qual é a situação actual; tem a obrigação moral e ética de dizer toda a verdade ao doente e familiares directos; ter um discurso sincero e honesto explicando que erros acontecem e que tudo será feito para remediar, dentro

do possível os danos causados; aceitar a responsabilidade pelo resultado mas evitar a culpabilização; se o erro foi remediado, deve comunicar-se ao doente o mesmo após tudo ter passado e se encontrar estável; nunca evitar o contacto, deve-se mostrar empenho em assistir com a maior disponibilidade; documentar no diário de enfermagem toda a evolução do indivíduo e referir as conversas importantes com os familiares.

Dizer a verdade, no momento e no local certos, mantendo uma atitude coerente e uma presença constante entre o doente e a família, são do ponto de vista ético e humano, as melhores formas de compensação, em caso de erro. A responsabilidade não se ausenta e a atribuição de culpas mantém-se sob a competência dos tribunais.

5. A VERTENTE MAIS ESTUDADA DO ERRO EM ENFERMAGEM – O