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Pela natureza intrínseca da sua actividade, as instituições de saúde são uma área de risco. Desta forma torna-se fundamental a existência de mecanismos estruturais e reguladores que possam, de forma permanente, dar a conhecer fragilidades e lacunas do sistema. Estas medidas só fazem sentido se todos os colaboradores da instituição forem envolvidos nos processos de gestão do risco.

Na Europa, a gestão do risco na saúde nasceu nos anos 70 nos Estados Unidos mas desenvolveu-se sobretudo na segunda metade dos anos 90, em consequência de estudos sobre erros médicos e eventos adversos em cuidados de saúde, que evidenciavam a dimensão do problema. Isto depois de nos Estados Unidos e no Reino Unido, haver uma explosão de acções em tribunal contra médicos, que conduziu a um acréscimo relevante das situações litigiosas que sobrelevavam brutalmente as custas de saúde com indemnizações sucessivas, perdas de dias de trabalho, subsídios por incapacidade... O conceito de gestão do risco clínico na saúde evoluiu e expandiu-se. Nos anos 70-80, a gestão do risco era sobretudo defensiva passando mais recentemente à gestão do risco preventiva e proactiva apoiada pelo crescente movimento da segurança do doente, colhendo frutos da experiência de outras indústrias na área da segurança, como as da aviação.

7.1 O IMPACTO DO CONCEITO DE GESTÃO DO RISCO CLÍNICO

Do objectivo inicial de evitar o descalabro financeiro associado às queixas em tribunal, passa-se para o objectivo de tornar o sistema de saúde mais seguro – movimento de segurança do doente. Neste âmbito, a JCAHO (2008) lançou os National Patient Safety Goals com intento de melhorar a precisão na identificação do doente; a eficiência da comunicação entre prestadores de cuidados; a segurança no uso de medicação: identificar e, no mínimo, anualmente, fazer revisão da terapêutica que pode ser confundível (nome semelhante, aspecto semelhante), usadas na

instituição e tomar medidas que possam evitar a administração errada destes fármacos, rotular todos os medicamentos e os medicamentos contidos em seringas, balões/frascos de soro; reduzir a probabilidade de acontecimento de danos nos doentes associados ao uso de terapêutica anticoagulante; melhorar a eficácia dos sistemas de alarme clínicos; reduzir o risco de infecções nosocomiais; reconciliar com exactidão a medicação durante o continnum de cuidados; reduzir o risco de dano no doente devido a quedas; encorajar o envolvimento activo dos pacientes nos cuidados que lhe são prestados como estratégia de promoção da sua segurança; melhorar o reconhecimento e a resposta às alterações da condição do doente.

O reconhecimento de que as falhas dos serviços são mais frequentemente devidas a disfunção dos sistemas do que a mau desempenho do indivíduo é a filosofia que suporta a gestão do risco, nomeadamente do risco clínico.

Fragata (2006) define risco como “a probabilidade de ocorrência de um qualquer evento adverso” (p.41). Um evento adverso, de acordo com o autor referido é “uma ocorrência negativa ocorrida para além da nossa vontade e como consequência do tratamento, mas não da doença que lhe deu origem, causando algum tipo de dano” que pode estar relacionado com uma alteração do trabalho clínico, ou mesmo resultando num dano permanente ou morte. A identificação precoce deste risco é a chave para impedir consequências directas nos pacientes, e depende unicamente da criação de uma cultura de confiança, de honestidade, de integridade, e de uma comunicação aberta entre pacientes e profissionais de saúde. Para Fragata (2006) é fundamental para “podermos medir e logo comparar, indicadores de performance e de qualidade” (p.42). Os índices de risco permitem saber com clareza o resultado ou de acordo com Fragata (2006) “a mortalidade, a morbilidade, o número de dias de internamento, os custos gerados…” (p.42).

Os objectivos da gestão do risco são, de acordo com a Oliveira (2005) “desenvolver e implementar processos para identificar e priorizar riscos; estabelecer sistemas para

lidar com os riscos identificados, eliminando-os ou reduzindo-os a um nível aceitável; reduzir o efeito directo e consequente e o custo de incidentes que ainda possam ocorrer, a partir da criação de medidas de suporte efectivas; proteger o hospital e o seu pessoal de responsabilidades legais.” Na perspectiva da Ordem dos Enfermeiros (2005), para que estes objectivos sejam alcançados deve haver um compromisso dos órgãos de gestão da instituição de saúde com a gestão do risco clínico, uma transmissão dos objectivos da mesma aos profissionais para que se envolvam e participem activamente nela. Em paralelo, devem ser criados mecanismos formais que permitam avaliar a efectividade das estratégias, planos e processos de gestão do risco, bem como, desenvolver e implementar mecanismos formais para a participação imediata de todos os incidentes, avaliação das consequências potenciais e investigação das causas, para a determinação de falhas no sistema, sem atribuição de culpa. Esta é uma premissa-chave para a evolução da relação entre as organizações de saúde e os erros. As organizações de saúde não desenvolveram ainda a capacidade de aprender com os erros cometidos, e sobretudo: não melhoraram sistemas de trabalho de forma a reduzir a probabilidade de ocorrência de erro humano; não desenvolveram nos colaboradores, competências que lhes permitissem lidar com situações de emergência internas ou externas; não investiram na criação de mecanismos de participação, reflexão e análise dos incidentes ou acidentes, preconizando uma cultura organizacional mais aberta, onde os erros e as falhas pudessem ser participadas e discutidas. As organizações de saúde em Portugal ainda não amadureceram o suficiente para afirmarem o valor de uma abordagem do risco baseada na prevenção e na aprendizagem com o erro.

A gestão do risco clínico está intimamente ligada à qualidade em saúde. Na perspectiva de Fragata (2006) para o cidadão comum, um serviço de saúde com qualidade é “aquele que é de fácil acesso, tem uma boa cota de humanização, é transparente e responsável e tem boa reputação” (p.27). Na óptica dos profissionais de saúde a qualidade apresenta variadas vertentes: “o resultado imediato e o resultado à distância (…) o procedimento técnico em si, desde ao diagnóstico, à indicação e à

execução técnica, o tempo que foi necessário para o realizar e a presença ou ausência de complicações” (p.27). Mas também os ganhos pessoais, a satisfação pessoal “pela realização técnica e humana conseguidas, pela reputação pessoal…” (p.27). Já para os gestores hospitalares, a qualidade traduz-se em “tempos de internamento, taxas de cancelamento, transferências para outros hospitais, ratios de pessoal, tempos mortos no bloco operatório, custos de produção do acto médico, satisfação dos utentes, dos clientes e organizações a montante e imagem e reputação institucional.” (Fragata, 2006, p.27) Para a Organização Mundial de Saúde (2000) “qualidade dos cuidados é o grau em que os serviços de saúde para os indivíduos aumentam a probabilidade da prestação de saúde desejável e são consistentes com a sabedoria profissional” (como citado em Fragata, 2006, p.25). Esta definição tem como base as dimensões que a mesma organização divulgou em 1990: “qualidade dos actos médicos, eficiência económica, gestão do risco (evicção de danos ou eventos adversos relacionados com o tratamento) e a satisfação dos doentes” (como citado em Fragata, 2006, p.25). Para além destes factores, Fragata (2006) considera que o envolvimento dos doentes e da sociedade civil, pela humanização e informação adequada e individualizada, favorece a chegada dos “feed-backs”, reputação e “accountability” e deve sobrepor-se às perspectivas dos gestores e dos técnicos de saúde prestadores de cuidados, pelo menos nas opções e nas escolhas. Para além dos princípios anteriormente descritos este autor inclui ainda, o acesso e a equidade no acesso aos cuidados de saúde e a eficácia, tendo em conta os “outcomes” ou resultados a longo prazo, uma preocupação diferida.

Os “scores” de risco que hoje são utilizados para fazer a gestão do risco “permitem prever com grande fiabilidade a morbilidade e a mortalidade” nos internamentos, sobretudo no que refere ao pós-operatório. É esperado, que um indivíduo submetido a uma cirurgia seja tratado da causa que motivou a doença e que no período de convalescença se restabeleça do impacto da anestesia e da cirurgia e recupere a sua saúde. A morbilidade, nomeadamente as complicações pós-operatórias, acarretam custos ao sistema de saúde e aos doentes, daí a importância da morbilidade como

critério ou índice de Qualidade. Segundo Fragata (2006) “a mortalidade é importante mas não dirá tudo sobre o nível ou qualidade dos resultados (…) A relevância do «outcome» morbilidade não parece residir só no facto de agravar reconhecidamente os custos (…) com efeito, dados muito recentes indicam de forma surpreendente, mas clara, que a ocorrência de uma complicação significativa (…) afectará o prognóstico de vida dos doentes à distância” (p.72).

O ICN (2002) apoia fortemente um sistema aberto baseado na aproximação, numa filosofia de transparência contemplando medidas de relato e discriminação de eventos adversos e erros, não responsabilizando ou envergonhando o prestador individual do cuidado mas incorporando-o no que se refere a factores do ser humano e do sistema.

Na visão do ICN (2002), “as intervenções de cuidados de saúde pretendem o benefício o público, havendo no entanto elementos de risco que potenciam que os erros e os eventos adversos ocorram devido à combinação complexa dos processos, das tecnologias e dos factores humanos relacionados com o cuidado de saúde. Um evento adverso pode ser definido como o dano ou o ferimento causado pela gestão da doença do indivíduo por profissionais de saúde mais do que pela doença subjacente ou pela condição própria do paciente. As ameaças comuns à segurança do doente incluem erros de medicação, infecções adquiridas hospital, exposição a doses elevadas da radiação e uso de medicinas contrafeitas”.

Todos os que participam e estão presentes aquando dos cuidados de saúde são responsáveis por assegurar que nenhum dano é infligido aos doentes. Estes incluem: sociedade no geral, doentes sujeitos a tratamentos e a cuidados por parte das instituições e dos profissionais, enfermeiras, educadores, administradores, e investigadores da qualidade dos cuidados, médicos, governos incluindo grupos legislativos e reguladores, associações profissionais, e agências auditoras.

8. A CULTURA ORGANIZACIONAL COMO FACTOR PROMOTOR DA