• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: CONCEITOS E CONTRIBUIÇÕES

2.3 Abordagem Estrutural das Representações Sociais

Jean-Claude Abric (2000), precursor da abordagem estrutural, postula que os estudos em representações sociais se caracterizam pela compreensão de que sujeito e objeto, universo interno e universo externo não se separam e de que toda realidade é reapropriada.

Nós propomos que não existe uma realidade objetiva a priori, mas sim que toda realidade é representada, quer dizer, reapropriada pelo indivíduo ou pelo grupo, reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente de sua história e do contexto social e ideológico que o cerca. (ABRIC, 2000, p. 27)

Nesse sentido, se a representação está relacionada à realidade, à relação entre os sujeitos e ao contexto em que estão inseridos, torna-se possível assinalar sua relação com as práticas, no sentido de reconhecer que ela orienta as ações e as relações entre os indivíduos.

Abric (2000) aponta, então, que as representações sociais respondem a quatro funções: 1) função do saber; 2) função identitária; 3)função de orientação; e 4) junção justificadora.

Em sentido prático, essas funções se relacionam e se amparam. A função de saber corresponde à razão pela qual uma representação é elaborada: “Compreender e explicar uma realidade” (ABRIC, 2000, p. 28) e possibilitar aos indivíduos integrar novos conhecimentos ao seu cotidiano, permitindo a realização de trocas entre pessoas e a transmissão de saber do senso comum. Esse saber não surge no vazio social, mas está inserido em um contexto; emerge de sua função identitária, que define a identidade de um grupo cujas representações estão marcadas por suas avaliações, características e saberes já produzidos ali. Essa representação elaborada e pertencente a um grupo torna-se, então, um “guia para a ação”. A

função de orientação está alicerçada na compreensão de que as representações orientam

comportamentos e determinam práticas. As práticas, por sua vez, manifestadas por um grupo diferente daquele em que se originou determinada representação, são carentes de justificativa – função justificadora. Os sujeitos se amparam na representação para explicar as razões pelas quais um comportamento ou tomada de posição foi assumido e não outro (ABRIC, 2000).

Dentro da abordagem estrutural das representações sociais encontra-se a Teoria do Núcleo Central (TNC), uma das principais contribuições realizadas pelo grupo liderado por Abric (2000; 2005) para esse campo de estudo.

2.3.1 Teoria do Núcleo Central

A Teoria do Núcleo Central fundamenta-se na perspectiva de que toda representação social é um conjunto estruturado e organizado de informação administrado por dois sistemas: central e periférico (CAMPOS, 2003).

Em relação ao termo “estrutura”, é uma discussão que tanto Abric, criador da teoria, quanto outros pesquisadores, como Flament, buscaram esclarecer para justificar o uso do termo (CAMPOS, 2003). Para Flament (2002 apud CAMPOS, 2003), é possível falar em uma estrutura das representações sociais na medida em que uma mudança qualitativa de um dos elementos das representações desencadeia, necessariamente, uma mudança igualmente qualitativa junto aos demais elementos em razão da inter-relação entre eles.

O núcleo central apresenta duas funções essenciais para a elaboração e a manutenção da representação: uma função genética, a partir da qual o significado dos elementos é criado ou transformado; e uma função organizadora, que rege os elos existentes entre os elementos presentes no campo da representação, a fim de assegurar a unidade e a estabilidade desse campo. (CAMPOS, 2003, p. 22).

O sistema central ou núcleo central ou, ainda, núcleo estruturante é constituído por elementos em quantidade limitada. É ele que determina o significado da representação, correspondendo a sua parte permanente, estável, resistente à mudança, de modo que quando os elementos presentes no núcleo sofrem modificações, a representação muda completamente. Essa compreensão é que permite o estudo comparativo de representações, pois, como exposto, diferentes núcleos implicam diferentes representações, ainda que os elementos do sistema periférico se assemelhem (ABRIC, 2000).

Em torno do núcleo central, encontra-se o sistema periférico, cuja importância não deve ser desprezada. Ele é composto de mais elementos que o núcleo central, sendo também mais flexível, acessível e propenso a mudanças. Enquanto o núcleo central é a parte “não negociável” da representação, o sistema periférico admite a integração de experiências e história individuais, trazendo elementos da realidade, posto que seus componentes são mais concretos, vivos ou, como diria Abric (2000), o corpo e a carne das representações sociais, ao passo que o núcleo central seria o cérebro.

Abric (2000) propõe um quadro síntese que auxilia nas principais diferenciações entre os dois sistemas:

Quadro 1 - Características do sistema central e do sistema periférico de uma representação.

SISTEMA CENTRAL SISTEMA PERIFÉRICO

 Ligado à memória coletiva e à história

do grupo  Permite a integração de experiências e histórias individuais  Consensual

 Define a homogeneidade do grupo  Tolera a heterogeneidade do grupo  Estável

 Coerente  Rígido

 Flexível

 Tolera as contradições

 Resistente a mudanças  Evolutivo

 Pouco sensível ao contexto imediato  Sensível ao contexto imediato  Funções:

 Gera o significado da representação  Determina sua organização

 Funções:

 Permite a adaptação à realidade concreta

 Permite a diferença de conteúdo

Fonte: ABRIC (2000, p. 34)

Os dois sistemas são considerados importantes para compreender a estrutura das representações sociais. De acordo com Sá (1996), os estudos iniciais sobre o núcleo central atribuíam a ele um lugar de destaque, desconsiderando as informações do sistema periférico e

descartando-as nas análises. Com o avanço dos trabalhos relacionados à teoria, constatou-se que para uma compreensão mais ampla da representação pesquisada, é necessário articular os sistemas (ABRIC, 2000). Pullin e Ens (2013) destacam que a identificação do núcleo central de uma representação é essencial para sua compreensão, mas não o suficiente para conhecê-la e defini-la. Faz-se necessário analisar a organização a partir de todos os seus elementos, centrais e periféricos.

Abric (2000) alerta que o pertencimento de um elemento ao núcleo central não deve considerado apenas por critérios quantitativos, porquanto ele possui uma dimensão qualitativa.

Não é a presença maciça de um elemento que define sua centralidade, mas sim o fato que ele dá significado à representação. Pode-se perfeitamente, identificar dois elementos, dos quais a importância quantitativa é idêntica e muito forte, que aparecem, por exemplo, muito frequentemente no discurso dos sujeitos, mas, um pode ser central e o outro não (ABRIC, 2000, p. 31).

Essa compreensão reforça a necessidade de articular os sistemas, porquanto a análise dos elementos periféricos colabora para o entendimento da composição do núcleo central. Uma das análises realizadas a partir da abordagem estrutural é a que utiliza o software Evoc, criado por Vergès em que em os dados são organizados em um quadro de quatro casas, que será apresentado mais detalhadamente no capítulo destinado às questões metodológicas deste estudo. Neste tipo de quadro, é possível observar que há elementos presentes no sistema periférico mais evocados que alguns agrupados no núcleo central. Isso ocorre em razão da importância dada pelos sujeitos participantes dos estudos em RS às suas respostas, o que se coaduna com o que foi advertido por Abric (2000).