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2 Abordagem funcionalista da transitividade: parâmetros

No documento Análise linguística em perspectiva funcional (páginas 113-119)

sintático-semânticos

Na perspectiva da Linguística Funcional norte-americana, a transitividade da oração é concebida como uma noção contínua, gradiente e não categórica (HOPPER; THOMPSON, 1980). Para os autores, a transitividade envolve dez parâmetros sintático- -semânticos, que focalizam diferentes ângulos da transferência da ação, conforme o Quadro 1.

Quadro 1 – Parâmetros da transitividade

Parâmetros Transitividade alta Transitividade baixa

Participantes Dois ou mais Um Cinese Ação Não ação

Aspecto do verbo Perfectivo (télico) Não perfectivo (atélico) Pontualidade do

verbo Pontual Não pontual Intencionalidade

do sujeito Intencional Não intencional Polaridade da

oração Afirmativa Negativa Modalidade da

oração Modo realis Modo irrealis Agentividade do

sujeito Agentivo Não agentivo Afetamento do

objeto Objeto afetado Objeto não afetado Individuação do

Cada um desses parâmetros contribui para a ordenação de orações numa escala de transitividade (FURTADO DA CUNHA; SOUZA, 2011). Esses parâmetros estão relacionados a porções diferentes da oração:

1 Participantes

Participante é o elemento evocado na cena perfilada pela oração.

Os participantes ligados ao verbo na oração são codificados sintaticamente como o sujeito, que pode assumir o papel semântico de agente, e o objeto direto, que pode assumir o papel de paciente afetado ou efetuado. Esses participantes podem estar expressos no discurso ou não, como propõem Hopper e Thompson (1980) e Furtado da Cunha e Souza (2011).

É preciso ressaltar que, na estrutura oracional, os partici- pantes podem assumir outros papéis semânticos. Por exemplo, o sujeito pode também assumir os papéis semânticos de causa- tivo, experienciador, beneficiário, recipiente, instrumento etc. A dificuldade da marcação desse traço deve-se a discus- sões sobre quais e quantos seriam os participantes envolvidos na oração transitiva, já que a análise do parâmetro reflete o tratamento da transitividade não somente no nível sintático, mas também no nível semântico. Alguns problemas estão relacionados a questões que são próprias da língua como, por exemplo, no português é comum a omissão dos pronomes pessoais e até do sujeito envolvido na ação; na língua inglesa, o mesmo não ocorre, pois não há flexão de concordância número-pessoal.

Diante dessas considerações, selecionamos, neste trabalho, tanto os participantes morfologicamente expressos

como aqueles que são recuperados do contexto discursivo e, portanto, representam uma anáfora zero.

2.2 Cinese

Hopper e Thompson (1980) esclarecem que ações podem ser transferidas de um participante a outro, mas estados, não.

Para analisar o traço cinese, achamos assertivo discutir sobre a classificação sintática e semântica dos verbos. Chafe (1979), por exemplo, propõe uma classificação sintático-semântica dos verbos, agrupando-os em dois conjuntos distintos: os estativos, os verbos de estado; e os não-estativos, os verbos especificados como processo, ação e ação-processo. Apesar do autor considerar o verbo de processo em não-estativo - por ser visto como um acontecimento/um evento, ressalta que como processo “envolve uma relação entre um nome e um estado” e que “o nome é o paciente do verbo”. Assim, fica claro que as orações em que o verbo está especificado semanticamente como estado ou processo apresentam, ambos, sujeitos como pacientes. No entanto, diferem pelo fato de, no primeiro caso, o paciente especificar o que é que está no estado (A madeira está seca), e no segundo, especificar mudança de estado do paciente (A madeira secou).

Fundamentado em Chafe, Borba (1996) apresenta as classes verbais que fornecem os tipos oracionais: verbos de ação, de ação-processo, de processo e de estado. Para o autor, os verbos de ação expressam uma atividade realizada por um sujeito agente que não afeta objetos, sendo, segundo a tradição gramatical, intransitivos (O garoto brinca).

Em sua análise, Borba acrescenta que os verbos de ação podem apresentar o argumento objeto, mas espera-se que ele

seja um complemento não-paciente, como em “Vou a Santos”, ou complemento cognato, “A velha gritava desaforos”. Mas há os casos, conforme Cançado (2005, p. 113), em que o objeto desempenha o papel semântico de tema, pois não é afetado nem efetuado pela ação verbal, mas faz parte da moldura semântica do verbo e é definido como “a entidade deslocada por uma ação”.

Os verbos de processo podem expressar um evento ou uma sucessão de eventos que afeta um sujeito classificado semanticamente como paciente da ação verbal, como em “O bebê acordou”; ou um experimentador, em “Marta ouve música”; ou ainda, um beneficiário, em “Rosa ganhou uma rosa” (BORBA, 1996, p. 58-60).

Os verbos de ação-processo expressam uma ação realizada por sujeito agente ou sujeito causativo que afeta um referente. Este referente, por sua vez, pode ser afetado, expressa uma mudança de estado, de condição ou de posição (José quebrou o pires); ou efetuado, algo que passa a existir a partir da ação do verbo (José escreveu um romance).

Os verbos de estado expressam uma propriedade - um estado, uma condição ou uma situação - localizada no sujeito, que é mero suporte dessa propriedade, ou experimentador, ou beneficiário. Como em, “Mário permaneceu em silêncio”; “Tadeu ama Dirce”; “Fernando têm três filhos”2, respectivamente.

Diante dessas considerações, neste trabalho, relacio- namos os verbos de processo, ação e ação-processo à presença de cinese e os verbos de estado à ausência de cinese. Para tanto, estamos utilizando, na análise, o dicionário de Borba (2002), o qual contém a classificação sintático-semântica dos principais verbos da língua.

1 Aspecto

Em relação ao parâmetro aspecto, Hopper e Thompson (1980) afirmam que uma oração é altamente transitiva se a ação verbal for apresentada como completa e terminada (01), do que uma ação que não tenha término (02). Segundo Costa (1997. p.19), aspecto e tempo são categorias temporais no sentido de que têm por base referencial o tempo físico. No entanto, distinguem-se do ponto de vista semântico. Isto é, enquanto o aspecto relaciona-se à concepção do chamado tempo interno, o tempo, relaciona-se ao tempo externo. A autora esclarece que as noções semânticas do tempo dizem respeito à localização do fato enunciado; são as noções de presente, passado e futuro e suas subdivisões. Já as noções semânticas do aspecto são as noções de, instantaneidade, duração, começo, desenvolvimento e fim.

(01) Um dia o professor Edson me convidou para ajudá-lo [...]! Ele pegou uma pitada de cloreto de sódio em estado natural (pastoso) e pôs num pequeno becker com água foi aquele fogo desfilando dentro do becker. [+ perfectivo].

(02) … e pensei, “se o professor com apenas uma pitada fez aquele espetáculo, imagine eu colocando uma porção maior, e assim o fiz, minhas colegas apenas observavam. [- perfectivo].

2 Pontualidade

O parâmetro pontualidade, refere-se à constituição interna da ação em [+durativo] ou [-durativo]. Para Costa (1997. p.24), um ato instantâneo não pode ser imaginado como compreendendo frações temporais. Por exemplo, em José quebrou o pires, o verbo quebrar não tem constituição temporal interna, apresenta, portanto, o traço [-durativo]. Segundo Hopper e Thompson (1980), ações realizadas sem nenhuma fase de transição óbvia entre o seu início e o fim têm um efeito mais marcado sobre seus pacientes (03) do que ações que são inerentemente contínuas (04). Isto é, apresentada como não durativa (pontual).

(03) aí ele cortou pela direita e trancou a gente [+pontual] (Corpus, D&G)

(04) ...eram pessoas lendo jornal... e assistindo e ouvindo música... [-pontual] (Corpus, D&G)

1 Intencionalidade

O parâmetro intencionalidade (volitividade), de natureza semân- tica, diz respeito à motivação/intenção do sujeito em executar a ação expressa pelo verbo de uma oração. Esse traço, segundo os autores, é um componente que torna mais evidente a trans- ferência. Na amostra (05), o sujeito agente (ele) é [+ humano] e [+ animado] pratica a ação de empurrar intencionalmente. Já em (06) o sujeito agentivo garota é [+ humano] e [+ animado] mas não podemos afirmar que a ação do verbo preencher, no contexto comunicativo dado, foi intencional.

(05) ... aí o velho ficou logo assustado né ... e tudo né ... aí perguntou e aí ele empurrou ele pra fora né ... (Corpus, D&G)

(06) e eu acho que naquela noite ... aquela garota preen-

cheu muito a minha solidão e eu preenchi a solidão dela.

(Corpus, D&G)

No documento Análise linguística em perspectiva funcional (páginas 113-119)