• Nenhum resultado encontrado

3 Linguística sistêmico-funcional aplicada ao koiné

No que concerne às pesquisas no grego koiné, surgiram estudos de cunho funcionalista voltados para o estudo do aspecto verbal (PORTER, 1993; REED, 1993; CAMPBEL, 2007, 2008; DECKER, 2001; MATHEWSON, 2010; PORTER et. al, 2016), para a tradução (FOLEY, 2009) e para as funções dos artigos (PETERS, 2014). Destaca-se aqui uma abordagem de linha hallidayana sobre as orações (REED, 1997). A proposta é, a partir do estudo das orações, analisar o discurso grego sob um viés funcionalista da linguagem (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), lidando com questões como a coesão textual.

A partir da noção de relações lógico-semânticas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), Reed (1997) procura inter- pretar alguns itens linguísticos que servem a construção do sentido nas relações entre as orações. Nas tabelas a seguir, tem se à esquerda as relações lógico-semânticas e à direita os elementos que compõem o sistema conjuntivo do koiné.

Entretanto, sua proposta não destaca o uso do particípio. As relações lógico-semânticas fazem parte do complexo oracional, que “é o termo que os sistêmicos usam para a unidade grama- tical e semântica formada quando duas ou mais orações estão ligadas por certas formas sistêmicas e significativas” (EGGINS, 2004, p.255, tradução nossa).

Com base no conceito de complexo oracional, nota-se que, na proposta da linguística sistêmico-funcional, as rela- ções entre as orações se dão por meio de conectores, os quais contribuem para a coesão textual, a qual pode ser definida como “os recursos linguísticos pelos quais o falante sinaliza a coerência experiencial e interpessoal do texto e é assim um fenômeno textual – podemos destacar as características do texto que servem a função coesiva” (THOMPSON, 2014, p.215, tradução nossa).

Nesta acepção, a coesão, realizada pelos itens conjuntivos, dá pistas para a coerência experiencial e interpessoal. A LSF, ao definir significado em termos de metafunções, procura integrar as formas de sentido, ideacional (experiencial), interpessoal e textual umas com as outras dentro da oração e para além da oração, sendo o texto, a unidade de sentido em que se localizam as metafunções no locus oracional.

Levando em conta estas considerações, tem-se uma visão holística de texto. Entretanto, considerando as finalidades espe- cíficas deste artigo, não se fará aqui uma análise da relação da metafunção lógica com as demais metafunções, detendo-se às relações lógico-semânticas de elaboração.

As relações lógico-semânticas fazem parte do complexo oracional e são divididas em projeção e expansão. Falar de oração projetada se quer dizer que uma ideia pode ser projetada ou um dizer (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). No koiné há

muitas orações projetadas; todavia, o foco aqui será nas orações por expansão.

Já a expansão se dá através da elaboração em que “a oração secundária expande a primária elaborando-a, isto é, reiterando, especificando, comentando ou exemplificando”; a elaboração por extensão em que “a secundária expande a primária ao levá-la para além, a saber, adicionando, dando uma exceção ou oferecendo uma alternativa”; por fim a expansão de realce em que “a oração secundária expande a primária qualificando-a com uma característica adverbial de tempo, lugar, causa, condição” (REED, 2002, p.206, tradução nossa). As tabelas abaixo mostram os itens linguísticos que representam cada uma das expansões da oração principal.

A partir das tabelas em anexo serão analisados alguns textos como exemplificação. O texto que se segue é marcado por conjunções de extensão (quadro 2) e de realce (quadro 4). Todo o trecho é sinalizado com elementos coesivos em itálico, o que se dá também no outro texto. Os parênteses são para sinalizar a oração principal, ao passo que os colchetes, as orações subordinadas. O texto grego usado é edição crítica (ALAND; ALAND, 2006).

(Ἀποκαλύπτεται γὰρ ὀργὴ θεοῦ ἀπ᾽ οὐρανοῦ ἐπὶ πᾶσαν ἀσέβειαν καὶ ἀδικίαν ἀνθρώπων τῶν τὴν ἀλήθειαν ἐν ἀδικίᾳ κατεχόντων,)

[διότι τὸ γνωστὸν τοῦ θεοῦ φανερόν ἐστιν ἐν αὐτοῖς·] [realce: causal razão]

[τὰ γὰρ ἀόρατα αὐτοῦ ἀπὸ κτίσεως κόσμου τοῖς ποιήμασιν νοούμενα καθορᾶται,] [realce: causal razão] [ἥ τε ἀΐδιος αὐτοῦ δύναμις καὶ θειότης,] [extensão: adição positiva]

[εἰς τὸ εἶναι αὐτοὺς ἀναπολογήτους,] [realce: causal resultado]

Segue-se uma tradução deste excerto para facilitar a compreensão do leitor. A ênfase da análise está nas relações lógico-semânticas e não na tradução em si.

(A ira de Deus se revela dos céus contra toda a impiedade e perversão dos homens que deixaram a verdade no lugar da injustiça).

[Visto que o conhecimento de Deus é expresso entre eles]. [realce: causal-razão]

[Por que Deus lhes manifestou.] [realce: causal-razão]

[Por que as coisas invisíveis dele, no mundo são vistos, claramente] [realce: causal-razão]

[Também o seu eterno poder e sua divindade] [extensão: adição positiva]

[Por isso são indesculpáveis] [realce: causal resultado]

A oração principal “a ira de Deus se revela dos céus contra toda a impiedade e perversão dos homens que deixaram a verdade no lugar da injustiça” passa a ser expandida por meio de conectores de realce e extensão com adição positiva. Como

foi dito antes, os itens linguísticos servem para sinalizar o sentido do texto, o que facilita ao leitor na compreensão, de sorte que ele construa o sentido, ou seja, a coerência, que é um fenômeno relacionado ao leitor, mas guiado pelo texto nas escolhas realizadas.

O próximo exemplo é marcado pelas duas primeiras orações participiais no aspecto perfectivo e a última estativo (ποιούμενοι [fazer], μνημονεύοντες [lembrar] e saber [εἰδότες], respectivamente). Outra característica do texto são as cons- truções genitivas, que servem para delimitar certo conteúdo semântico. No que diz respeito às conjunções, que estabelecem a coesão textual, essas são do tipo: elaboração (quadro 1), extensão (quadro 2) e realce (quadro 3).

(Εὐχαριστοῦμεν τῷ θεῷ πάντοτε περὶ πάντων ὑμῶν) [μνείαν ποιούμενοι ἐπὶ τῶν προσευχῶν ἡμῶν, ἀδιαλείπτως] [elaboração: particularizadora] [μνημονεύοντες ὑμῶν τοῦ ἔργου τῆς πίστεως καὶ τοῦ κόπου τῆς ἀγάπης καὶ τῆς ὑπομονῆς τῆς ἐλπίδος τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ ἔμπροσθεν τοῦ θεοῦ καὶ πατρὸς ἡμῶν,] [elabora- ção: particularizadora] [εἰδότες, ἀδελφοὶ ἠγαπημένοι ὑπὸ τοῦ θεοῦ, τὴν ἐκλογὴν ὑμῶν,] [elaboração: particularizadora] [ὅτι τὸ εὐαγγέλιον ἡμῶν οὐκ ἐγενήθη εἰς ὑμᾶς ἐν λόγῳ μόνον] [realce: razão] [ἀλλὰ καὶ ἐν δυνάμει καὶ ἐν πνεύματι ἁγίῳ καὶ ἐν πληροφορίᾳ πολλῇ,] [extensão: retificação] καθὼς οἴδατε οἷοι ἐγενήθημεν ἐν ὑμῖν δι᾽ ὑμᾶς. [realce: comparativo]

Segue-se uma tradução do texto grego acima para os propósitos deste artigo.

(Damos sempre graças a Deus por vós)

[Fazendo menção nas nossas orações, sem cessar] [elaboração: particularizadora]

[Lembrando da obra da vossa fé e do fruto do vosso amor e da perseverança da vossa esperança em Jesus Cristo ante o nosso Deus e pai] [elaboração: particularizadora]

[Sabendo, irmãos amados de Deus, da vossa eleição] [elaboração: particularizadora]

[Por que o nosso evangelho não veio a vós só em palavra] [realce: razão]

[Antes também em poder e pelo Espírito santo em plena confiança] [extensão: retificação]

[Como sabeis qual o nosso procedimento entre vós e por vós] [realce: comparativo]

A oração principal “Εὐχαριστοῦμεν τῷ θεῷ πάντοτε περὶ πάντων ὑμῶν” (damos sempre graças a Deus por vós) está numa relação hipotática com as que se seguem, sendo a principal. Os três particípios servem para elaborá-la, contribuindo para o desenvolvimento retórico do texto, assinalando, então, sua sequenciação (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). O dar graças, neste excerto, é delimitado por meio dos particípios mas também funciona como instrumento de organização do ponto principal que é a oração em si.

Além disso, a última oração participial “εἰδότες, ἀδελφοὶ ἠγαπημένοι ὑπὸ τοῦ θεοῦ, τὴν ἐκλογὴν ὑμῶν” (sabendo, irmãos

amados de Deus, da vossa eleição) é elaborada por orações de realce e extensão mediante os marcadores ὅτι, ἀλλὰ e καὶ (por que, antes e também, respectivamente).

Em suma, o koiné possui vários elementos marcadores de relações lógico-semânticas (ὅτι, ἀλλὰ, καὶ, καθὼς, διότι, por exemplo), servindo a várias funções, dentre elas a de coesão textual, e assim produzindo sentido. Ademais, o particípio (ποιούμενοι, μνημονεύοντες, εἰδότες e outras), cuja tendência, quando posposto à oração principal, é ser usado para desen- volver esta última oração. A LSF descreve de modo mais claro essa função do particípio, diferentes das abordagens filológicas e estruturalistas que enfatizavam suas nuanças adverbiais, o que não é o cerne do uso dos particípios, posto que o grego possui vários outros itens linguísticos para isso.