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nulha cousa non acabey,

No documento Análise linguística em perspectiva funcional (páginas 102-108)

Monclar Guinarães Lopes Vanda Maria Cardozo de Menezes

14. nulha cousa non acabey,

Ca vede’ lo que eu cuydey (Cantiga do século XIII) Portanto, já que tanto a construção inacusativa quanto a transitiva direta coexistiam desde o século XIII, a pesquisa se deparou com estes dois obstáculos: 1) ACABAR.COM teria como origem a construção inacusativa ou a transitiva? 2) Por que surgiria uma nova construção transitiva na língua se já existia um padrão transitivo direto para acabar?

No que tange à primeira pergunta, infelizmente não se localizaram nos corpora contextos atípicos de acabar nos séculos XV ou XVI, antes de surgir a construção ACABAR.COM na língua. No entanto, argumenta-se que o mecanismo de mudança seja análogo ao de desaparecer. Isso porque, nos processos de mudança que se tem observado através do modelo da Construcionalização e das Mudanças Construcionais, as novas microconstruções linguísticas surgem ou via neoanálise ou analogização. Na neoa- nálise, está implicado um processo inicial de inferência sugerida (TRAUGOTT & DASHER, 2005), em que uma forma pertencente à uma construção existente é reinterpretada com um sentido diferente (no caso desta pesquisa, uma construção inacusativa

é reinterpretada como sendo transitiva). A reiteração e manu- tenção desse novo sentido leva a um novo nó na rede, isto é, à formação de uma nova construção. Chegou-se a se pensar na possibilidade de ter havido uma mescla entre a construção tran- sitiva e a inacusativa. No entanto, acredita-se que essa hipótese é pouco plausível, pois seria difícil explicar o que levaria um falante a empregar uma preposição com valor de associação (pois no estágio inicial não haveria sua dessemantização) em uma construção transitiva já existente na língua.

Outro fato que nos leva a crer que ACABAR.COM advenha da construção inacusativa é o fato de ela também ter uma base semântica de causação. Dizer Deus acabou com o homem equi- vale a dizer Deus FEZ o homem ACABAR, sendo homem o afetado/ paciente da ação verbal nas duas construções.

Tais semelhanças nos levam a defender que haja uma coerção de sentido da própria construção. Sendo a construção um pareamento simbólico entre FORMA-FUNÇÃO, há um sentido presente no sub-esquema V.COM, que se apresenta em todas as microconstruções. É interessante notar que, no exemplo supracitado (Deus acabou com o homem), poder-se-ia substituir o verbo pelas outras duas microconstruções estudadas, que se obteria um sentido análogo: Deus sumiu com o homem; Deus desa-

pareceu com o homem. Vale frisar que, embora desaparecer e sumir

já tenham sentido semelhantes em seus empregos mais básicos, o mesmo não vale para acabar, cujo sentido básico é outro.

Em relação à segunda questão, descobriu-se que ACABAR. COM apresenta possibilidades diferentes quando comparada à construção transitiva direta prototípica. Enquanto esta tem restrições de animacidade na seleção do sujeito (eu acabei o

de preposição “com” permite a instanciação de sujeitos – animados (o trabalho acabou com ele).

Por fim, segue a tabela dos dados levantados de acabar por periodicidade:

Tabela 4. Tabela resumitiva dos dados levantados de acabar por periodicidade.

Período Ocorrências analisadas da construção inacusativa de verbo seguido da preposição “com” Ocorrências analisadas da construção transitiva V.COM No % No % 1501-1600 5 80 0 - 1601-1700 8 88,88 1 11,12 1701-1800 1 14,28 6 85,72 1801-1900 4 11,76 30 88,24 1901-1989 7 30,43 16 69,57 1990 – 2014 13 11,61 99 88,39 Total 38 20 152 80 Fonte: os autores

É importante ressaltar que o número mais baixo de ocorrências no período de 1901-1989 (23 ocorrências gerais, comparadas a 34 do período anterior e 112 do período subse- quente) se deve ao fato de o Corpus Vercial ser composto prioritariamente por romances escritos no século XIX, e não por uma queda na frequência de uso da construção. Não obstante, mesmo assim, os dados atestam que a construção transitiva

seguida de preposição é convencional desde o século XVIII. Inclusive, como apontam os dados, nos corpora investigados, a construção transitiva mostra-se, hoje, mais frequente que a inacusativa, representando 80% das ocorrências totais.

4 Conclusão

Em nossa sincronia, encontram-se casos em que um verbo pleno anteposto a uma preposição dessemantizada resultam na mudança de transitividade. Argumenta-se que tais ocorrências representam construcionalizações lexicais, isto é, pareamentos de FORMANOVA-SENTIDONOVO, cujos produtos representem novos elementos para o vcc\inventário lexical, presentes na rede de construções, na mente humana. Essa emergência de novas construções transitivas na língua pode dar-se via dois mecanismos: neoanálise e analogização.

Na neoanálise, uma regra abstrai-se a partir do uso, por indução. Um conjunto de formas já existentes na língua é reinterpretado como termos de uma outra construção. As construções inacusativas de desaparecer e acabar, por exemplo, têm seus adjuntos adverbiais de causa, condição ou instrumento reinterpretados como objeto. A convencionalização desse sentido leva a novas representações na rede de construções em três diferentes níveis: forma-se uma microconstrução DESAPARECER.COM e ACABAR.COM, um sub-esquema V.COM e um esquema V.PREP. Ao encabeçar um complemento, a prepo- sição perde seu sentido básico de associação. Isso não quer dizer, no entanto, que só o verbo mantém seu sentido original, pois, como se viu, um novo sentido causativo é atribuído a toda construção. Nesse sentido, DESAPARECER.COM e ACABAR.COM

não são o mesmo que desaparecer e acabar inacusativos, já que uma nova significação emerge dessas construções: X faz Y

desaparecer/acabar.

Na analogização, um esquema V.PREP ou um sub-es- quema V.COM já está disponível na constructicon e, nesse caso, o processo de construcionalização se dá de forma mais automática, pela aplicação de uma regra. Isso ocorreu com SUMIR.COM, por analogia a DESAPARECER.COM. Acredita-se que, ao lado das microconstruções que foram objetos desta pesquisa, existem várias outras que merecem atenção, como, por exemplo, os verbos transitivos relativos citados por Lima (1972), como precisar, gostar, assistir, entre outros.

REFERÊNCIAS

DIEWALD, G. Contexts types in grammaticalization as constructions. Hannover. Set de 2006. Disponível em <http://journals.

linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/ download/24/24-82-1-PB.pdf> Acesso em 29 de agosto de 2016. LANGACKER, R. Cognitive Grammar. New York:

Oxford University Press, 2008.

LIMA, R. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

LOPES, M. G. Transitivização de desaparecer em perspectiva

cognitivo-funcional. Tese de doutorado. Instituto de Letras,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015. TRAUGOTT, E. C.; DASHER, R. B. Regularity in Semantic

Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

TRAUGOTT, E. C.; TROUSDALE, G. Constructionalization and

Correlação: uma análise

No documento Análise linguística em perspectiva funcional (páginas 102-108)