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Resolução n 414/1992 do TCE do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO

4.2 REDEFINIÇÕES PROCEDIMENTAIS CONSECTÁRIAS DO BOM CONTROLE PÚBLICO

4.2.2 Abordagem interinstitucional

Um sistema de controle deve estar articulado, coordenado e harmonizado, tanto interinstitucionalmente como intrainstitucionalmente, a fim de evitar fraquezas e lacunas de controle ou duplicidade de esforços.

No enfoque interinstitucional, o controle externo deve atuar de maneira integrada com os demais órgãos estatais de regulação, fiscalização e controle (federais, estaduais e municipais), bem como

com organizações da sociedade civil (ONGs, observatórios sociais) com o compartilhamento de informações, procedimentos e resultados.

Como exemplo desses organismos, podem ser citados os que formam o controle interno da administração pública, o Ministério Público, as administrações tributárias, as procuradorias jurídicas, o Banco Central, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF82, o Conselho de Defesa da Atividade Econômica - CADE, a

Agência Brasileira de Inteligência - ABIN83, os órgãos de segurança

pública (polícias judiciárias).

No direito alemão, como medida preventiva de combate à corrupção,84 os Tribunais de Contas, as autoridades fiscais e outros

órgãos têm a obrigação de informar-se reciprocamente sobre casos de corrupção. (SCHIPANSKI, 2010, p. 229)

No Brasil, um importante passo nesse sentido foi dado com a iniciativa de criação de uma rede de controle da gestão pública, por meio de um protocolo de intenções firmado em 25 de março de 2009

82 O COAF é um órgão do Ministério da Fazenda, considerado a unidade de

inteligência financeira do Brasil, tendo sido instituído pela Lei n. 9.613, de 1998. Atua eminentemente na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro. As competências do COAF encontram-se previstas nos artigos 14 e 15 da referido diploma legal: receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas; comunicar as autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis nas situações em que concluir pela existência, ou fundados indícios, de crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores, ou de qualquer outro ilícito; coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores; e disciplinar e aplicar penas administrativas. Além disso, o §3º do artigo 11 da lei atribuiu ainda ao COAF a competência residual de regular os setores financeiros e econômicos previstos no art. 9º para os quais não haja órgão regulador ou fiscalizador próprio.

83 A ABIN é a sucessora do extinto Serviço Nacional de Informação (SNI) e foi

criada pela Lei n. 9.883, de 1999 (BRASIL, 1999b), que também instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência.

84 Sobre demais medidas preventivas e repressivas de combate à corrupção na

sociedade alemão, vide Schipanski (2010, p. 228-234), que aborda essas questões a partir da perspectiva da corrupção entre parlamentares, no Executivo, nos partidos políticos e no setor privado, onde destaca, neste último caso, a importância da abordagem de Gestão da Conformidade (Compliance

Management), por meio da qual todos os procedimentos de uma empresa são

entre diversos órgãos e entidades públicas prevendo a articulação de apoio a ações de fiscalização. (TCU, 2009)

Dentre os órgãos signatários do referido protocolo, encontram-se TCU; Câmara dos deputados; Senado Federal; AGU; Banco Central do Brasil; CGU; CNJ; Ministério Público Federal; Ministérios da Fazenda; da Previdência Social; da Justiça; do Planejamento, Orçamento e Gestão; Tribunal Superior Eleitoral; ATRICON, entre outras. Além disso, são consideradas abrangidas pelo instrumento as entidades ou unidades integrantes ou vinculadas aos partícipes (como Polícia Federal, Secretaria da Receita Federal, Secretaria do Patrimônio da União, entre outras), inclusive aquelas de âmbito estadual, bastando para a formalização da adesão o registro da participação em algumas das ações derivadas do ato.

De acordo com a cláusula quarta do protocolo, a intenção dos partícipes relaciona-se com as seguintes ações:

I – compartilhamento de conhecimentos, informações, bases de dados e soluções de tecnologia da informação, voltados para o exercício do controle e para a melhoria dos resultados institucionais e da administração pública, observada a legislação pertinente; II – atividades dos partícipes em que haja intersecção de objeto de fiscalização ou controle; III – estruturação de redes de relacionamento entre os órgãos e entidades públicos para ações de controle e gerenciamento de informações;

IV – realização de atividades conjuntas de controle dentre os partícipes;

V – instrumentos, normatização e mecanismos de suporte a uma rede de controle da gestão pública; VI – avaliação dos acordos afins existentes e sugestões para o aprimoramento e definição de modelos de instrumentos correlatos;

As diretrizes desse protocolo vêm sendo replicadas nos diversos Estados da Federação,85 por meio de acordos de cooperação técnica

celebrados com entidades congêneres no âmbito estadual, tais como Assembleias Legislativas, conselhos profissionais (contabilidade, engenharia), Ministério Público Estadual, Secretarias da Fazenda, controladorias gerais estaduais, entre outras. (REDE DE CONTROLE, 2010)

Além disso, esses acordos acrescentam algumas atribuições no rol acima, tais como o desenvolvimento de “ações de combate à corrupção, a partir da identificação institucional de prioridades comuns e do desenvolvimento de estratégias conjuntas”; “o fortalecimento do controle social, como forma de atuação preventiva no combate à corrupção, desenvolvendo instrumentos [...] para conscientização, estímulo e colaboração da sociedade civil”; e a promoção de “mecanismos corporativos de divulgação com vistas a difundir boas práticas na administração pública e operacionalizar atividades de capacitação, com foco na gestão pública, transparência e controle social”. (REDE DE CONTROLE, 2010)

Essa abordagem interinstitucional é uma ferramenta importante no fortalecimento do controle, a partir do reconhecimento da necessidade de envolvimento dos seus múltiplos atores, proporcionando uma sinergia inerente a uma atuação conjunta, coordenada e harmônica desses vários órgãos e entidades públicas, cada um contribuindo com suas expertises e capacidades, além da ampliação de espaços formais e informais de integração e comunicação.

Nesse contexto, ganha importância, ainda, a utilização da atividade de inteligência como instrumento do controle externo. O § 2º do art. 1º da Lei n. 9.833/99 definiu como inteligência “a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”, enquanto que o § 3º conceituou “como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa”. (BRASIL, 1999b)

Para tanto, tornam-se necessários no âmbito de cada órgão público de fiscalização: a gestão de informações estratégicas para as

85 Maiores informações sobre essa aproximação, seus acordos de cooperação,

subgrupos de trabalho, documentos, ações e resultados vide Rede de Controle (2015).

ações de controle; a coordenação de uma rede interna de produção, utilização e de segurança dessas informações estratégicas; e a interação com outros órgãos e entidades pública visando o estabelecimento de uma rede de intercâmbio, de compartilhamento de informações e de conhecimentos estratégicos que municiem atividade do controle.

Essas ações devem ser levadas a cabo por meio da adoção de metodologias aplicáveis, da normatização e da disseminação da cultura de inteligência no seio de cada instituição. Com isso, será possível que os órgãos de controle compartilhem e recebam informações de qualidade geradas por cada entidade parceira.

Outra área que demanda uma atuação integrada por parte dos atores do controle são os acordos de leniência celebrados entre a administração pública e as pessoas jurídicas interessadas em cooperar na apuração de atos ilícitos praticados contra a administração pública nos termos da Lei Anticorrupção. De acordo com o referido diploma legal:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei [grosso modo, atos lesivos contra a administração pública] que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

§ 1o O acordo de que trata o caput somente

poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;

III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que

solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

§ 2o A celebração do acordo de leniência isentará

a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em

até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. § 3o O acordo de leniência não exime a pessoa

jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições

necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo. § 5o Os efeitos do acordo de leniência serão

estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas. § 6o A proposta de acordo de leniência somente se

tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.

§ 7o Não importará em reconhecimento da prática

do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.

§ 8o Em caso de descumprimento do acordo de

leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

§ 9o A celebração do acordo de leniência

interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.

§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com

vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88. (BRASIL, 2013)

Esses instrumentos funcionam como uma delação premiada para as empresas, na seara administrativa, que, ao firmarem o acordo, se comprometem a restituir todo o prejuízo causado, devolvendo parcelas de sobrepreço que receberam, repactuando os preços cobrados em contratos para ajustá-los aos patamares justos, além de terem que revelar o modus operandi do esquema lesivo e a identidade dos envolvidos (que participaram, por exemplo, recebendo propinas).

Em contrapartida por essa colaboração em processos administrativos, recebem, como prêmio, um tratamento mais suave por parte da autoridade administrativa com o abrandamento da pena. Com isso, por exemplo, podem deixar de ser declaradas inidôneas para contratar com a administração pública ou de ser proibidas de receber incentivos e empréstimos do poder público.

É importante destacar que o objetivo dos acordos de leniência não é inviabilizar a pessoa jurídica, mas induzir uma mudança de comportamento. O encerramento das atividades de uma empresa sempre provoca efeitos colaterais negativos na sociedade e na economia, penalizando clientes e toda uma cadeia de colaboradores (fornecedores e empregados).

E as penalidades administrativas previstas no diploma legal anticorrupção, caso não abrandadas pelos acordos de leniência, podem levar à inviabilização das empresas envolvidas, com os consequentes danos paralelos indesejados. Esse duplo benefício (desestímulo à corrupção e manutenção das atividades com mudanças de postura das empresas) aconselham a disseminação desses instrumentos, o que torna premente uma postura proativa por parte das Cortes de Contas com esse intuito.

Mas mais do que isso. Como há diversos órgãos envolvidos no processo, assim como múltiplas leis que poderiam acarretar outras punições futuras mesmo para quem celebrasse a leniência, o que, sem dúvida, é um fator de insegurança e desestímulo, faz-se necessária uma atuação articulada por parte dos órgãos de controle.

A insegurança jurídica provocada por essas incertezas é motivo de natural preocupação para as empresas potencialmente signatárias desses acordos de leniência e certamente desestimula a adesão a esse mecanismo anticorrupção. Para que esse instrumento não caia em desuso e venha a ser efetivamente utilizado, é imperativo que as pessoas jurídicas tenham certeza com relação ao teor do acordo feito.

Portanto, é essencial que os órgãos de controle, que detêm competência coercitiva para a prevenção e o enfrentamento da

corrupção, estabeleçam parâmetros de uma atuação coordenada e em conjunto.

Uma das maneiras de tornar as regras mais claras e seguras para as empresas é que os órgãos de controle externo passem a homologar os acordos, a fim de que seus termos sejam assegurados, evitando com isso, por exemplo, que os valores a serem ressarcidos aos cofres públicos sofram alterações posteriores.

Mas talvez isso não seja suficiente e o papel dos Tribunais de Contas não deva se restringir apenas ao de chancelar ou não os termos do acordo. Até mesmo porque as empresas não se sentirão estimuladas a celebrar esses instrumentos se houver risco de uma posterior não homologação por essas instituições.

Os Tribunais de Contas devem participar de maneira prévia e proativa, provocando, incentivando ou determinando a utilização dessa ferramenta por parte de seus jurisdicionados quando identificarem situações onde esses mecanismos sejam cabíveis. Devem atuar, também, de maneira concomitante durante o desenrolar desses procedimentos, acompanhando desde a manifestação da pessoa jurídica interessada no procedimento, passando pelo monitoramento dos termos e condições da negociação com a administração e do seu cumprimento, e na avaliação dos resultados e na proposição de aprimoramentos na utilização desse instrumento.

Nesse ponto, a Lei Anticorrupção andou mal ao não prever a participação dessas instituições nesse procedimento.86 No entanto, o

equívoco e a omissão do legislador não são motivos para que os Tribunais de Contas fiquem alheios a esses processos. Até mesmo porque o controle externo dos atos da administração, neles incluídos a celebração desses acordos de leniência, são atribuições dessas instituições e, como tais, indisponíveis, inalienáveis e exercitáveis de ofício.

Enfim, diante de todo exposto, é necessária uma aproximação interinstitucional na atuação dos órgãos de Estado que exercem a função de controle, a fim de que eles deixem de atuar como ilhas isoladas de informação e passem a trabalhar de maneira integrada, possibilitando, com isso, que o Estado navegue nesse oceano de incertezas, formado

86 Essa omissão foi abordada anteriormente sendo especulada como uma das

consequências da deficiência de legitimidade plena que atinge às Cortes de Contas brasileiras.

pela complexidade da sociedade atual, em meio a arquipélagos de certeza e de conhecimento.87

4.2.3 Acesso a informações protegidas pelos sigilos bancário e fiscal