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Fomento de boas práticas na administração pública

(reservada aos auditores substitutos de conselheiro e aos procuradores de

4 O BOM CONTROLE PÚBLICO: NOVOS PARADIGMAS DE ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DA BOA GOVERNANÇA

4.1 O REDIMENSIONAMENTO MATERIAL NECESSÁRIO SOB A PERSPECTIVA DO BOM CONTROLE PÚBLICO

4.1.1 Fomento de boas práticas na administração pública

Para Canotilho, as Cortes de Contas são “fiscais da responsabilidade garantística do Estado” e:

[...] a lógica do Estado garantidor aponta para a

imputação da responsabilidade dos resultados ao

mesmo sujeito. O Tribunal de Contas não poderá deixar de estar envolvido no julgamento desta responsabilidade pelos resultados na sua dimensão económico-financeira pública. [...] A

atractividade do Estado garantidor reside na

combinação de duas racionalidades (muitas vezes consideradas incompatíveis): racionalidade do sector privado da economia e racionalidade do sector público.

[...] justifica-se também que a “responsabilidade garantidora” do Estado robusteça a capacidade de direcção do Estado quer quanto aos resultados da prestação de serviços quer quanto à mobilização de valores públicos económico-financeiros. No plano da organização da administração do Estado- garantidor isto implica, desde logo, que se trate de uma boa administração (Cfr. Art. 41 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia) quanto às formas de actuação, ao procedimento de escolha e qualificação dos parceiros privados, quanto à observância dos preceitos protectores de terceiros (concorrentes privados, utentes), quanto à disponibilidade de instrumentos de informação e de controlo (tutela, fiscalização, publicidade, informação), quanto aos mecanismos de avaliação de capacidade dos operadores privados, quanto à consideração de alternativas e de opções efectivas por parte do Estado [...]

A “boa administração” do Estado garantidor aponta também para o melhor cumprimento das tarefas públicas em termos de rentabilidade, efectividade e eficiência dos serviços. Não é este o lugar adequado – e para tal faltar-nos ia mesmo competência – para discutir e analisar os novos instrumentos de “management” da administração e finanças públicas no contexto do Estado garantidor. Esses modernos instrumentos – orientação de output, orçamentação global, orçamento de resultados, controlo de execução – estão na base da própria evolução dos controlos por parte dos Tribunais de Contas. (CANOTILHO, 2008, p. 23-25, grifo no original)

E esse poder de fiscalização dos Conselhos de Contas deve ser exercido em suas duas vertentes: na modalidade branda que, pela competência pedagógico-orientadora, se utiliza da persuasão, da atração, da orientação e do convencimento; e na versão dura, que lança mão da coerção, intimidação e punição.

Quanto ao primeiro, também denominado de soft power, os Tribunais de Contas devem se utilizar de mecanismos de controle consensual da administração pública, como, por exemplo, a celebração

de Termos de Ajustamento de Gestão - TAG62 ou Termos de

Compromisso de Gestão - TCG, rompendo com a lógica da vertente exclusivamente repressiva, sancionatória, da atividade de controle e possibilitando o aumento da eficiência e da eficácia da atuação do Poder Público.63

Em outras palavras, “o direito tem de abandonar o simples modelo da ameaça aos sujeitos (des)obedientes com sanções e reformular suas normas para enquadrá-las conforme as exigências específicas nos domínios econômico, político e científico-tecnológico”, sob pena de perder sua eficácia (TEUBNER, 2002, p. 95), e adotar um enfoque mais complexo, estimulador de novas condutas e mudanças de comportamento social.

Nesse cenário, as Cortes de Contas devem adotar controles que promovam e incentivem boas práticas de administração pública por parte de seus jurisdicionados. É uma nova feição do controle preventivo que é realizado atualmente, mas que deve contar com um perfil mais proativo por parte dos Tribunais de Contas, no sentido de estimular os administradores públicos ao seu engajamento com instrumentos e práticas de modernização e melhoria da gestão pública. Enfim, essas instituições devem assumir um controle indutivo ou promotor da boa administração pública.

No que diz respeito ao segundo modo de exercer o controle por meio do hard power, ou seja, do tradicional controle reativo, protetivo- repressivo, de cunho sancionatório, muito utilizado pelos Tribunais de Contas, ele não deve ser abandonado, mas, ao lado dele, é preciso

62 Sobre o tema, vide Ferraz (2010, p. 205-214) que, a partir de uma leitura

contextual e de acordo com o ordenamento jurídico nacional, enxerga no ato de alerta, previsto no art. 59, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, abrangência e potencial de celebração dos TAG pelos Tribunais de Contas com a administração pública. Para o autor, o TAG “afina-se com a moderna tendência da Administração Pública e do Direito Administrativo, menos autoritários e mais convencionais, imbuídos do espírito de ser a consensualidade alternativa preferível à imperatividade, sempre que possível, ou em outros termos, sempre que não seja necessário aplicar o poder coercitivo”. (FERRAZ, 2010, p. 209)

63 Alguns Tribunais de Contas estaduais já possuem o instrumento do TAG

positivado em suas respectivas leis orgânicas, como são os casos de Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Sergipe. Sobre aspectos gerais desse mecanismo, como cabimento, legitimidade para propositura, competência para aprovação, possibilidade de imposição de obrigações e limites para sua veiculação, vide Costa, A. F. (2014, p. 19-33)

buscar cada vez mais a adoção do controle indutor de boas práticas de governança pública, com uma atuação mais proativa dessas instituições.

Nesse sentido, pertinente transcrever as lições de Bobbio:

[...] a inovação mais importante no sistema de controle jurídico não é tanto o acréscimo dos comandos ou normas positivas, mas a introdução, cada vez mais difundida, de estímulos à execução ou à superexecução de comandos (e também de proibições), isto é, de sanções positivas, ou, de modo geral, o uso cada vez mais amplo das técnicas de encorajamento.

Por sua escassa importância prática, o tema das sanções positivas sempre foi negligenciado pelos juristas. [...] Com efeito, o papel do direito na sociedade é comumente considerado do ponto de vista da sua função predominante, que sempre foi aquela, mais passiva que ativa, de proteger determinados interesses mediante a repressão dos atos desviantes. Não há dúvida de que a técnica das sanções negativas é a mais adequada para desenvolver esta função, a qual é, ao mesmo tempo, protetora em relação aos atos conformes e repressiva em relação aos atos desviantes. Contudo, a partir do momento em que [...] o direito não mais se limita a tutelar atos conformes às próprias normas, mas tende a estimular atos inovadores – e, portanto, a sua função não é mais apenas protetora, mas também promocional –, surge, paralelamente ao emprego quase exclusivo das sanções negativas, as quais constituem a técnica específica da repressão, um emprego, não importa se ainda limitado, de sanções positivas, que dão vida a uma técnica de estímulo e propulsão a atos considerados socialmente úteis, em lugar da repressão de atos considerados socialmente nocivos. (BOBBIO, 2007, p. 23-24)

É preciso um engajamento efetivo com a função promocional do ordenamento jurídico, e não apenas com a protetivo-repressiva, que estimule condutas socialmente desejáveis. (BOBBIO, 2007, p. 14-15)

Cabe, portanto, a esse novo direito administrativo, como instituição e por meio dos agentes64 e órgãos (inclusive os de controle)

que lhe conferem unidade institucional, a aplicação das sanções administrativas negativas e, acima de tudo, positivas, com o intuito de promover ou garantir o princípio da justiça financeira e o direito fundamental à boa administração, à boa governança e, consequentemente, ao bom controle público.

Ao tratar das novas bases de controle, Silva S. situa os Tribunais de Contas como agências de accountability na construção de uma governança pública democrática, sustentando que essas instituições deveriam:

[...] arcar com as responsabilidades de uma

atuação de forma e conteúdo inovadores e

enfrentar os desafios voltados a fortalecer a confiança pública no governo e a integração da população ao processo de formulação das políticas governamentais como um todo, não só melhorando a qualidade de suas próprias

políticas de controle, mas também agindo de

maneira a possibilitar maior supervisão pelo público sobre as ações de governo. (SILVA, S., 2012, p. 120, grifo meu)

E arremata o autor, no sentido de que um Estado voltado à efetividade na produção de bens e serviços à sociedade necessita de controles que correspondam a esse objetivo e que sejam capazes de avaliá-lo quanto às correções e distorções da atuação estatal, destacando, para tanto, a importância da função avaliativa e da aplicação de indicadores de desempenho para o exercício desse novo tipo de controle,

64 Sobre a importância do compromisso precípuo dos agentes públicos com a

boa governança, vide Freitas (2014, p. 133-144), que sugere, como medidas nesse sentido, a valorização das Carreiras de Estado, essenciais ao seu funcionamento, e o fortalecimento do seu vínculo institucional, de sua autonomia e de sua independência técnica. Ferreira Júnior (2014, p. 360-378), por sua vez, destaca a importância das Escolas de Governo e da metodologia problematizadora na formação (ou transformação) profissional crítica do servidor público, condição sine qua non para que o Estado venha dar concretude ao direito fundamental a uma boa administração pública.

a que denomina de controle ou auditoria integral ou substancial de gestão. (SILVA, S., 2012, p. 120-122)

Importante passo no sentido da assimilação dessa nova forma de controle foi a aprovação, pela Assembleia Geral da ONU, da Resolução A/69/228, em 19 de dezembro de 2014, acompanhando a Resolução A/66/209, 22 de dezembro de 2011, com o tópico “promovendo e fomentando a eficiência, accountability, efetividade e transparência na administração pública pelo fortalecimento das EFS”. (ONU, 2014)

Além de reconhecer que as EFS somente podem desempenhar suas atribuições de maneira objetiva e eficaz se forem independentes da entidade auditada e se estiverem protegidas de qualquer influência externa, a comunidade internacional dos Estados reconhece também o importante papel dessas entidades na promoção da eficiência, accountability, efetividade e transparência da administração pública, o que, por sua vez, contribui para a consecução dos objetivos e das prioridades de desenvolvimento nacional e internacional.65 (ONU, 2014)