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2.2 As interpretações teóricas específicas às Multinacionais do Terceiro

2.2.1 Abordagem microeconômica

A abordagem microeconômica das Empresas Multinacionais do “Terceiro Mundo” (EMNTM) é baseada, principalmente, em fatores de produção no chão da fábrica, com o destaque às baixas economias de escala, aos produtos homogêneos e maduros, aos baixos salários, à tecnologia de produção adaptada, às unidades de produção intensivas em trabalho, à acumulação tecnológica.

O primeiro pesquisador a inaugurar os estudos sobre as EMNTM foi D. Lecraw, em meados dos anos de 1970. Lecraw (1977), tendo como recorte de análise os investimentos diretos realizados em Tailândia, tanto por empresas multinacionais dos países desenvolvidos, como por EMNTM, destaca que elas tinham motivações bastante diferentes, exceto para os investimentos devido às ameaças de perda de mercado, que compareciam em ambos os casos.

Lecraw (1977) demonstra que as empresas multinacionais dos países desenvolvidos realizaram investimentos na Tailândia por causa, sobretudo, de dois fatores. Primeiro, visando evitar a perda de mercados existentes para os concorrentes. Segundo, tendo como objetivo explorar suas vantagens tecnológicas e excelência em marketing. As EMNTM, por sua vez, realizaram investimentos não somente devido às ameaças de perda de mercados, mas também por causa de seus mercados relativamente pequenos nos países de origem, facilmente saturados por poucos produtores. Portanto, a expansão das EMNTM é, acima de tudo, uma estratégia de sobrevivência.

A interpretação teórica do autor está baseada na teoria do ciclo de vida do produto, de R. Vernon. Lecraw (1977), ao indagar por que os investimentos das EMNTM estavam concentrados em países vizinhos com mesmo nível ou níveis inferiores de desenvolvimento, procura demonstrar que a habilidade das empresas estava alicerçada no uso de tecnologias apropriadas para economias de escalas baixas, com produtos sem diferenciação e com competição sobre a base de preços.



Wells (1977, 1983) também parte dos mesmos pressupostos de D. Lecraw. Sob inspiração da teoria dos ciclos dos produtos, defende que as EMNTM competem sob a base de preços - oferecendo produtos mais baratos - e em nichos de mercado deixados pelas EMNs (Empresas Multinacionais). As EMNs, quando não conseguem competir sob a base de preços, adotam três estratégias: i) competem por meio de uma marca comercial bem conhecida; ii) competem a partir de suas forças oligopólicas, de altas economias de escala; iii) movem-se em direção a novas linhas de produtos, visando estabelecer posições de oligopólio.

De acordo com as proposições de Wells (1977, 1983), as EMNTM possuem vantagens em adaptar tecnologias licenciadas das EMNs à realidade de economias pequenas, baixos custos com engenheiros e gerentes expatriados para as filiais, menos mordomias para os expatriados, maior utilização de componentes locais etc. As vantagens de adaptação das tecnologias são de quatro tipos: i) introdução de inovações capazes de usar escalas pequenas sem sacrifício da eficiência; ii) as firmas fazem modificações que lhes permitem usar as mesmas maquinarias e equipamentos para múltiplos propósitos (economia de escopo); iii) adaptações às máquinas e equipamentos para uma utilização máxima das matérias-primas disponíveis; iv) as tecnologias são mais intensivas em trabalho, sem, no entanto, aumento de custos.

Essas vantagens, no entanto, são erodidas com o tempo. Nas palavras do autor,

em suma, poucas empresas têm a energia que as torna hábil para estender suas subsidiárias uma vez que as vantagens iniciais tenham sido copiadas. Como resultado, os ciclos de vida de muitas fábricas subsidiárias das firmas dos países desenvolvidos tornar-se-ão, provavelmente, pequenas. Com o tempo, os lucros ou parcelas de mercado serão facilmente erodidos pelos competidores locais, as ligações com as sedes originais serão enfraquecidas e algumas subsidiárias serão vendidas, por escolha ou por pressões dos governos locais (WELLS, 1983, p. 157, tradução nossa)24.

Kumar (1982) propõe interpretar as EMNTM a partir das vantagens de propriedade e dos fatores de localização específicos. A primeira corresponde à estrutura, às



24 “In sum, only a few enterprises have the strengths that would enable them to extend the lives of their

subsidiaries once the initial advantages have been copied. As a result, the life cycles of many manufacturing subsidiaries of developing country firms will probably be short. With time, profits or market share are likely to be eroded by local competitors, ties with the original parent will weaken, and some subsidiaries will be sold by choice or through host government pressure” (WELLS, 1983, p. 157).



posses ou capacidades de uma firma, enquanto a segunda diz respeito às condições e aos sistemas de propriedade de um país hospedeiro que atraem investidores estrangeiros.

Segundo Kumar (1982, p. 404), as vantagens de propriedade das firmas residem “na adequabilidade de suas tecnologias operacionais, pagamentos e despesas menores, familiaridade com as condições e problemas de países em desenvolvimento e a posição menos ameaçadora. Talvez a força mais importante de firmas do terceiro Mundo resida em suas menos avançadas, embora não necessariamente tecnologias menos eficientes, indústrias que funcionam razoavelmente bem em outros países em desenvolvimento”. Outras duas vantagens são acrescentadas, a saber: i) custos e despesas menores com quadros de pessoal expatriados, que são repassados em menor grau aos consumidores face os concorrentes; ii) familiaridade com o ambiente de negócios presente nos países em desenvolvimento.

Todavia,

as variáveis específicas de propriedade acima explicam as possibilidades e capacidades das firmas do Terceiro Mundo se tornarem aptas para entrar e sobreviver em outros países. Mas elas contam apenas parte da história e não explicam a preferência das firmas do Terceiro Mundo para investimentos diretos sobre exportação, ou suas decisões sobre a locação de suas plantas além-mar. Essas podem ser melhor explicadas pelos fatores específicos de locação que motivam uma firma a investir em um conjunto particular de países (KUMAR, 1982, p. 408, tradução nossa)25.

Deste modo, alguns fatores específicos de localização são, também, importantes para a compreensão da internacionalização, dentre eles a imposição de barreiras sobre as importações nos países hospedeiros, a intenção de vender tecnologias manufatureiras para firmas de países com mesmo nível de desenvolvimento, a vantagem de custos de produção menores em outros países em desenvolvimento, a procura por matérias-primas etc.

Em síntese, Kumar (1982) chega às mesmas conclusões de Lecraw e Wells, cuja tese central é de que as firmas competem em mercados internacionais com base em tecnologias licenciadas e adaptadas. No entanto, traz à tona a importância de alguns fatores



25 “The above ownership-specific variables explain the assets and capabilities of Third World firms

that enable them to enter and then survive in host countries. But they only tell part of the story and do not explain the preference of Third World firms for direct investment over export, or their decisions about the location of their overseas plants. These can be better explained by location specific factors that motivate a firm to invest in a particular set of countries” (KUMAR, 1982, p. 408).



espaciais para explicar os investimentos, de modo que compreende as EMNTM muito além das vantagens de propriedade.

Lall (1983) é mais cauteloso em relação à visão dominante de que as vantagens competitivas das EMNTM residem nas economias de escala pequenas, nas tecnologias intensivas em trabalho, nos produtos sem diferenciação, nos produtos sensíveis a preços etc. Segundo Lall (1983, p. 624), “seria insensato generalizar, a partir destas observações, que escala pequena, baixa tecnologia, trabalho intensivo e controle barato são fontes distintas de vantagens competitivas vis-à-vis empresas multinacionais dos países desenvolvidos”26.

O pressuposto de ausência de fortes vantagens de propriedade, presentes em Lecraw e Wells, e de adaptação de tecnologias em indústrias maduras conduz à visão de que as EMNTM não conseguirão sobreviver à competição selvagem da produção internacional. Lall (1983) defende que as vantagens das EMNTM não estão baseadas na adaptação tecnológica, mas em mudanças tecnológicas localizadas.

A proposição de mudança tecnológica localizada é uma contribuição importante das vantagens específicas das EMNTM vis-à-vis EMNs dos países desenvolvidos. Estas contam com vantagens provenientes da fronteira tecnológica e marketing sofisticado, enquanto aquelas possuem habilidades de inovar em diferentes maneiras – marketing, produtivo e conhecimento tecnológico –, de acordo com as características ambientais de seus mercados domésticos.

Para Lall (1980), as empresas dos países do Terceiro Mundo apresentam três estágios de aprendizado das tecnologias estrangeiras:

Elementares

a. Learning by doing (aprender fazendo): utilização da tecnologia mais eficientemente através da experiência dos trabalhadores;

b. Learning by adapting (aprender por adaptação): realização de algumas adaptações dentro da planta industrial para uma dada tecnologia ou adaptação de um produto às necessidades particulares;

Intermediárias



26 “it would be unwise to generalise from these observations that small scale, low technology, labour-

intensity and cheap management are distinct sources of competitive advantage vis-à-vis the developed country MNCs” (LALL, 1983, p. 624).



a. Learning by design (aprender pelo desenho): reprodução dos equipamentos importados e dos processos de produção;

b. Learning by improved design (aprender por desenho melhorado): os equipamentos são mudados e adaptados às condições locais;

Avançadas

a. Learning by setting up complete production systems (aprender pela montagem completa dos sistemas de produção): as habilidades de produzir itens de equipamentos, de engenharia e de adaptação de fábricas inteiras ou plantas para necessidades específicas. Nesse estágio, as empresas adquirem a capacidade de oferecer serviços de consultoria e de instalação de plantas industriais.

b. Learning by innovation (aprender pela inovação): capacidade de oferecer novos produtos e processos com o avanço em P&D básica.

Assim, de acordo com as proposições de Lall (1980), as empresas do Terceiro Mundo podem avançar para atividades inovativas, as quais são diferentes daquelas realizadas pelos países que estão na fronteira tecnológica. Lall (1983, p. 626) sintetiza o seu otimismo face as EMNTM em quatro pontos:

1) Algumas multinacionais do Terceiro Mundo possuem vantagens tecnológicas únicas, oriundas de inovações menores e do encontro de materiais e componentes corretos em suas economias de origem;

2) Nas áreas em que as tecnologias não mudam muito rapidamente é possível que as firmas do Terceiro Mundo sustentem suas posições na fronteira mundial com seus próprios esforços;

3) Os primeiros entrantes em alguns mercados logram uma vantagem inicial sobre os demais entrantes. Esse é o caminho que pode ser explorado pelas firmas do Terceiro Mundo, especialmente em mercados pequenos e ignorados pelas grandes EMNs; 4) As firmas multinacionais do Terceiro Mundo podem sempre repensar seus estoques

tecnológicos, onde seus esforços não inadequados, pelo licenciamento de tecnologias de países desenvolvidos ou pela formação de joint ventures com as MNEs. Ou seja, as firmas do Terceiro Mundo e as EMNs podem ser complementares, em vez de competidoras, sobretudo onde as tecnologias das EMNs não são competitivas.



Baseado no pressuposto de mudança tecnológica localizada, Lall (1983, p. 626) defende uma trajetória diferente para as firmas do Terceiro Mundo. O seu posicionamento fica evidente nesta passagem de seu artigo: “As EMNs do Terceiro Mundo estão aqui para ficar e elas irão graduar para EMNs do Primeiro Mundo assim que seus países de origem se tornarem forças industriais maiores” (tradução nossa)27. Essa passagem

demonstra que as propostas posteriores de caminho de desenvolvimento do investimento e de upgrading na estrutura industrial já estavam previstos.

Mais recentemente, na University of Reading, John Cantwell propõe a Teoria da competência tecnológica da produção internacional. Com base nessa teoria e, principalmente, nas trajetórias de alguns países asiáticos, como Coréia do Sul e Taiwan, Cantwell; Tollentino (1990) e Tollentino (1993) destacam que os IDEs desses países começaram a ser destinados para setores de maior complexidade – automobilístico, eletrônicos - e em direção aos países desenvolvidos.

Cantwell; Tollentino (1990) e Tollentino (1993) desenvolvem seus estudos muitos anos depois daqueles que foram empreendidos por Lecraw, Wells e Lall. Por isso, analisam uma fase mais avançada do processo de internacionalização, com firmas atuando em setores mais dinâmicos e, em muitos casos, realizando investimentos diretos em países desenvolvidos. As mudanças nas formas de concorrência e nos motivadores do avanço externo esvaziam a definição de multinacionais do Terceiro Mundo, pois, com a concorrência oligopólica e os novos padrões localização dos investimentos, novos conteúdos espaciais emergiram.

O argumento de Cantwell; Tollentino (1990) e Tollentino (1993) é de que esses países tiveram upgrading na estrutura industrial e um avanço das competências tecnológicas, que se expandiram a partir de um longo processo de acumulação tecnológica. As vantagens tecnológicas das empresas multinacionais, portanto, não são aquelas provenientes de indústrias maduras, ajustadas às condições do Terceiro Mundo, tampouco de mudanças localizadas. Muitas empresas asiáticas têm sido capaz de inovar e de seguir um caminho baseado em aspectos organizacionais e em engenharia de produção, conseguindo, inclusive, impor paradigmas tecnológicos às empresas de países desenvolvidos.

Cantwell; Tollentino (1990) e Tollentino (1993), ao defenderem que mudanças estruturais na indústria dos países periféricos resultaram na expansão das 

27 “Third World MNCs are here to stay, and they will graduate to First World MNCs as their home



competências tecnológicas das empresas – através de um processo acumulativo –, vão ao encontro das proposições do modelo de desenvolvimento do investimento de John Dunning. A existência e acumulação de competências tecnológicas são os fatores que, no plano microeconômico, corroboram o pressuposto de que mudanças nas vantagens de localização causam mudanças nas vantagens de propriedade, de modo a impulsionar os IDEs. Essa idéia será detalhada na próxima seção.

Recentemente, alguns autores têm procurado renovar a teoria neoclássica das trocas internacionais, agora sob a roupagem de “nova teoria das trocas internacionais”, com a incorporação dos pressupostos de mercados imperfeitos e de economias de escala. A constatação sobre comércio internacional atual, pelos seus defensores, é que ele ocorre concentrado entre os países da tríade - entre produtos similares (troca intra-industrial em vez de inter-industrial, como antes) – e que as vendas das empresas multinacionais no exterior ultrapassam, com folga, as suas exportações. Fazem parte dessa “nova teoria das trocas internacionais” Paul Krugman e Elhanan Helpman. Em vez de renovar a “nova economia internacional”, jogam-na fora, pois utilizam conceitos utilizados no cabedal teórico da economia industrial (MICHALET, 2003).

Helpman; Melitz; Yeaple (2004) partem do pressuposto que a heterogeneidade nos níveis de produtividade de um determinado setor joga um papel importante no tamanho das empresas, nas suas exportações e, logicamente, nos investimentos estrangeiros. A troca de produtos similares e os IDEs, contrariando a idéia clássica de especialização inter-industrial, seriam explicados, então, pela concentração industrial, pelas economias de escala e pelos níveis de produtividade atingidos pelas empresas em seus setores de atuação.

Aqueles autores propõem, com base em estudo de caso das empresas multinacionais americanas, um modelo de internacionalização com base nos níveis de produtividade, a partir do qual as firmas podem escolher servir os seus mercados domésticos, exportar ou engajar em IDE para servir mercados estrangeiros. Esse modelo “prevê que a firmas menos produtivas servem somente o mercado doméstico, que firmas mais produtivas relativamente exportam e que as firmas mais produtivas engajam em IDE” (HELPMAN; MELITZ; YEAPLE, 2004, p. 301, tradução nossa) 28.



28 “predicts that the least productive firms serve only the domestic market, that relatively more

productive firms export, and that the most productive firms engage in FDI” (HELPMAN; MELITZ; YEAPLE, 2004, p. 301).



O que está imanente na tese dos autores supracitados é a hierarquização dos papéis exercidos pelas empresas nas vendas (internas e externas) e nos investimentos diretos de acordo com os níveis de produtividade. As menos produtivas ou saem do ramo ou continuam operando com níveis de lucratividade baixos ou negativos, as mais produtivas do que estas tendem a exportar e, finalmente, as mais produtivas do setor tendem a investir produtivamente no exterior.

No Brasil, houve a conclusão, no âmbito das pesquisas realizadas pelo IPEA (Institutos de Pesquisa Econômica e Aplicada), de um trabalho que visa demonstrar, assim como os autores americanos, que a multinacionalização de empresas brasileiras pode ser explicada pela produtividade. Prochnik; Esteves; Freitas (2006, p. 341) procuram enfatizar, a partir de uma análise consubstanciada na econometria, que as empresas industriais brasileiras que realizam IDE

[...] têm produtividade significativamente maior que as empresas semelhantes que apenas exportam. Estas últimas, por sua vez, têm produtividade significativamente maior que aquelas que não exportam nem investem no exterior.

Se as empresas com alta produtividade são as maiores investidoras no exterior, por que não apenas exportar, já que são altamente competitivas? Aliás, investir no exterior demanda estratégias bem mais complexas e o risco de erro é maior! Para o que aqui se propõe a defender, a opção pela produtividade é encarada como apenas um elemento, mas não como um fator explicativo. Seria necessário estender a multinacionalização para além de elementos meramente microeconômicos, de modo a incorporar fatores macroeconômicos, as nuanças do comércio internacional (barreiras tarifárias e subsídios, por exemplo), entre outros aspectos.