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A literatura a respeito da industrialização brasileira é extremamente vasta e repleta de controvérsias, no que se refere aos principais processos geradores da industrialização, à origem histórica do capital industrial, aos principais agentes responsáveis, entre outros aspectos.

É somente a partir da segunda metade do século XIX, depois da libertação das amarras da coroa portuguesa, do fim dos privilégios da Inglaterra nas trocas comerciais com o país, da abolição da escravidão, entre outros fatores, que o Brasil pôde conhecer o primeiro surto de industrialização. A esses fatores é preciso acrescentar a tarifa Alves Branco (estabelecia que em torno de três mil artigos importados passassem a pagar taxas que variariam de 20 a 60%) que, embora tivesse a finalidade de solucionar o déficit orçamentário, acabou por incentivar a produção nacional de alguns bens.

Embora haja certo consenso em torno das origens da industrialização na segunda metade do século XIX, há um imbróglio, especificamente, sobre quando isso começou exatamente. Mello (1982) e Cano (1977) defendem que a origem da industrialização brasileira está entre os anos de 1886 e 1894, num momento em que houve uma grande expansão das exportações de café. Silva (1976), visando evitar datações mais precisas, chega a propor que o primeiro surto de industrialização no Brasil data dos anos de 1880. 

32 Essa definição não dá conta de explicar a incorporação tecnológica na exploração mineral e na



Independentemente da especificação precisa da industrialização, o que está imanente nas obras dos autores é uma correlação entre a atividade cafeeira e a indústria. Esses autores defendem que o crescimento industrial brasileiro resulta do processo de acumulação de capital no setor agrícola, o qual, naquele momento, era representado pela cultura do café. Esta, por sua vez, era influenciada fortemente pela acumulação do capital nos países do centro, principal destino das exportações.

Mello (1982) procura demonstrar as determinações do processo de acumulação baseado na exportação de café e a emergência de um capital industrial no Brasil, a partir das necessidades que foram geradas, como a constituição de um mercado de trabalho livre, a constituição de um mercado interno para o consumo de produtos industrializados e as divisas geradas, cuja utilização foi importante para a importação de maquinaria.

Dean (1971) também procura relacionar o desenvolvimento industrial, principalmente no Estado de São Paulo, à atividade cafeeira. Para ele, a indústria brasileira avançou nos momentos em que o resultado das exportações de café foi extremamente excelente e retrocedeu nos momentos em que as exportações do produto não apresentaram bons resultados. Para Dean (1971), a atividade cafeeira proporcionou o desenvolvimento industrial devido, entre outros fatores, ao investimento em infra-estruturas – estradas de ferro –, à demanda por mão-de-obra imigrante, às reservas em moeda estrangeira necessárias para a importação de bens de capital e à promoção do crescimento da renda interna.

Furtado (1977) concorda com a idéia de que o aumento da atividade industrial brasileira, antes dos anos 1930, esteve ligado indissociavelmente à atividade cafeeira; portanto, corrobora as afirmações de Dean (1971). Porém, defende que houve um choque adverso, entre 1929 e 1932, com a crise do café e com a grande depressão, capaz de engendrar um processo substitutivo de importações. Furtado (1977) destaca, claramente, o papel da demanda por produtos manufaturados nos momentos de crise das exportações.

Antes de 1930, as atividades industriais internas eram uma extensão das relações advindas da exportação de café, isto é, o crescimento industrial interno não tinha uma autonomia. Com a crise do café e a grande depressão (crash), o setor exportador teve sua importância enfraquecida no crescimento da renda, ao passo que os investimentos destinados às atividades econômicas internas assumiram a condição de principais determinantes no crescimento da renda no país.

Martins (1973, p. 71) analisa as origens da industrialização brasileira por uma via diferente da dos choques adversos, ao defender que as indústrias presentes em São



Paulo, no final do século XIX, não resultavam da substituição de importações, mas eram atividades que surgiram nas “franjas da economia exportadora”, com a produção de mercadorias (banha) destinadas a abastecer os imigrantes europeus presentes em São Paulo.

Martins (1973) e Dean (1971) contribuem para a análise das origens do empresariado industrial, dando destaque ao papel do imigrante europeu. Dean (1971) destaca a importância dos cafeicultores, sobretudo na construção de estradas de ferro, no investimento na indústria e em bancos, mas reconhece a participação dos importadores e imigrantes.

De acordo com Mamigonian (1976, p. 11),

o início do processo industrial paulista nas duas últimas décadas do século passado coincide com o grande aumento da produção cafeeira e com a entrada maciça de imigrantes europeus atraídos pela referida produção. Os estudos existentes levam em consideração o café e o imigrante como fatores básicos, mas alguns dão destaque maior à economia cafeeira, enquanto outros destacam a imigração. Dado o entrelaçamento entre expansão cafeeira e movimento migratório é difícil distinguir na industrialização, a parte do café daquela desempenhada pelo migrante.

Mamigonian (1976) reconhece a importância do café para a industrialização, principalmente no Estado de São Paulo, entre as décadas de 1880 e 1890; porém, salienta e importância dos imigrantes europeus, de seus hábitos de consumo e de um saber-fazer industrial que fora adquirido na Europa, então marcada por uma industrialização e pela concentração econômica, cujos resultados foram a expulsão de camponeses e artesãos do campo. Mamigonian (1976, p. 13) mostra que, na passagem do século XIX para o século XX, surgiram vários estabelecimento industriais fundados por fazendeiros de café, como Cia. Antártica Paulista, Vidraçaria Santa Marina, Tecidos Votorantim etc. Esses estabelecimentos eram poucos numerosos mas grandes, devido aos enormes vultos de capitais oriundos das safras lucrativas de café, enquanto os estabelecimentos controlados pelos imigrantes eram numerosos e pequenos.

Porém, muitos negócios industriais realizados por fazendeiros de café passaram para o controle de imigrantes. É nesse contexto que há, por exemplo, o surgimento do Grupo Votorantim, resultado da compra em sociedade de uma fábrica têxtil de algodão, falida, pelo imigrante português Pereira Inácio, que logo passou a ter controle individual da fábrica. Além das mudanças no controle dos estabelecimentos industriais, há também uma mudança na estrutura da propriedade das terras, que passam das mãos da aristocracia rural para as mãos dos antigos colonos de café. Isso se deu, principalmente, devido às conjunturas desfavoráveis da primeira guerra mundial aos agricultores de café.



Mamigonian (1976, p. 15) interpreta esses dois processos e o crescimento industrial de São Paulo como sendo relações mútuas, pois, para ele,

[...] houve forte coincidência e relações de causa e efeito entre crescimento industrial de São Paulo e: 1) ascensão do empresariado industrial e dos colonos de café à condição de pequenos proprietários rurais e 2) decadência da aristocracia tradicional paulista da condição de empresários industriais e de grandes proprietários rurais.

Os empresários imigrantes investiram não somente no setor têxtil, como também em oficinas de conserto de equipamentos industriais importados. Essas oficinas, dentre elas Bardella, Villares e Dedini, mais tarde, passaram do conserto de peças à fabricação completa das máquinas, contribuindo, assim, com o surgimento do ramo mecânico. Além disso, os grupos controlados por imigrantes Votorantim, Jafet, Matarazzo, entre outros, direcionaram capitais do ramo têxtil para outros negócios, como cimento, aço, químico etc.

Essa importância dos imigrantes não ocorreu apenas na economia paulista. No momento de industrialização de São Paulo, a Região Sul também experimentava uma industrialização baseada no artesanato e no processamento de produtos agrícolas e contava com a forte participação de imigrantes alemães e italianos. Estes se voltaram, principalmente, ao cultivo da uva e à produção de vinhos, enquanto aqueles participaram em atividades industriais, como têxtil e artefatos de couro etc.

O capital estrangeiro não tinha grande participação na atividade industrial e estava restrito aos serviços de eletricidade (light, por exemplo), de telefonia, de estradas de ferro. No setor de cimento, o capital estrangeiro chegou a ter certa importância de início, mas logo foi suplantado pelo capital nacional.