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4 METODOLOGIA

4.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA

De acordo com Severino (2007), a prática científica dispõe de uma gama diversificada de procedimentos e técnicas para coleta e análise de dados, mas sua escolha não ocorre aleatoriamente. A aplicação desse instrumental deve ser guiada à luz de uma prática metodológica que, por sua vez, seja justificada e sustentada por uma fundamentação epistemológica, pois, nas palavras do autor, “[...] a ciência é sempre o enlace de uma malha teórica com dados empíricos, é sempre uma articulação do lógico com o real, do teórico com o empírico, do ideal com o real.” (SEVERINO, 2007, p. 100).

Nessa premissa, autores como Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) argumentam que o direcionamento da pesquisa deve ser concebido a partir da natureza do objeto, do problema da pesquisa e da corrente teórica pela qual o pesquisador se associa. Portanto, ao considerar a articulação entre o fazer científico e os saberes teórico-metodológicos nos alinhamos aos preceitos da abordagem qualitativa59 (LÜDKE; ANDRÉ, 1986; DENZIN; LINCOLN, 2006;

SEVERINO, 2007; PIRES, A., 2008), entendendo-a como um campo que abriga diferentes

59 Autores como Severino (2007), Lüdke e André (1986) adotam a o termo “abordagem” qualitativa, enquanto outros estudiosos como Denzin e Lincoln (2006), Deslauriers e Kérisit (2008) e Pires, A. (2008) preferem “pesquisa” qualitativa. Segundo Severino (2007), é de conhecimento geral e consagrado na linguagem de uso acadêmico que ao se dizer “pesquisa qualitativa” não há referência a uma metodologia em particular, mas a um conjunto de metodologias que, eventualmente, pertencem a diferentes referências epistemológicas. Entretanto, exatamente por não se tratar de uma metodologia em particular, o autor julga ser preferível utilizar o termo “abordagem” qualitativa em lugar de “pesquisa” qualitativa. Com base nessa reflexão, em nosso estudo, buscamos utilizar o termo “abordagem” qualitativa, porém para respeitar a nomenclatura adotada por alguns autores, faremos uso de “pesquisa” qualitativa, quando assim constar no trabalho original mencionado.

metodologias60 (SEVERINO, 2007) ou como um terreno que “[...] serve como ‘lar’ para uma ampla variedade de estudiosos.” (SCHWANDT, 2006, p. 194).

Segundo Denzin e Lincoln (2006), a pesquisa qualitativa pode ser concebida como transdisciplinar e, às vezes, contradisciplinar61, pois não possui uma única face, um único

método ou um único paradigma, na verdade, ela se faz emprestar a várias disciplinas, a vários objetos de estudos, a várias escolas e comunidades científicas, o que se harmoniza com aquilo que percorremos no capítulo anterior ao visitarmos diferentes campos de conhecimento. Denzin e Lincoln (2006) descrevem a pesquisa qualitativa como um campo de investigação que perpassa áreas do saber, disciplinas e temas, mas que, consequentemente, torna seu contexto histórico bastante complexo para restringi-la sob uma única definição, uma vez que possui “[...] histórias independentes e distintas nas áreas da educação, do trabalho social, das comunicações, da psicologia, da história, dos estudos organizacionais, da ciência médica, da antropologia e da sociologia” (DENZIN; LINCOLN 2006, p. 38).

Interpretação idêntica é compartilhada por Schwandt (2006) ao se reportar ao caráter multidisciplinar da investigação qualitativa como um “lar” para uma ampla variedade de estudiosos que, apesar de inseridos em uma base epistemológica comum, podem, muitas vezes, evidenciar desarmonia em seus discursos e definições do que constitui a abordagem qualitativa. O autor esclarece que a desarmonia relatada pode estar intrínseca ao interesse no qual o pesquisador se serve para desenvolver a pesquisa social ou ainda as diferentes posturas epistemológicas da investigação qualitativa.

Com base no exposto, tendo nos vinculado à abordagem qualitativa, buscamos justificá- la sob uma conceituação teórica, mas nos deparamos com esse desafio, pois exatamente por atender diferentes contextos, torna-se complexa a tarefa de aprisioná-la em uma definição que não vislumbre a abrangência de sua natureza. Conforme destacado por Pires, A. (2008), um

60 O autor não especifica a definição do que está considerando como “metodologia”, porém, é possível inferir que ele a entenda de modo compatível com o conceito de pesquisa, visto que intitula como Modalidades e Metodologias de Pesquisa Científica a seção em que, primeiramente, explora as abordagens qualitativa e quantitativa e, posteriormente, trata das pesquisas etnográfica, participante, ação, estudo de caso, entre outros (SEVERINO, 2007, p. 117).

61 Ao citarem as expressões “interdisciplinar”, “transdisciplinar” e “contradisciplinar”, Denzin e Lincoln (2006) não definem tais conceitos, porém, dado o contexto no qual as expressões são utilizadas para descrever a pesquisa qualitativa como um campo que é “muitas coisas ao mesmo tempo”, “miscigenada” e “multiparadigmática” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 21), partimos da interpretação de que esteja em harmonia com o estudo de Moita Lopes (2006). Para tal autor, que também se alinha à Denzin e Lincoln (2006), a natureza “interdisciplinar/transdisciplinar” diz respeito ao diálogo entre teorias no qual se atravessam várias áreas do saber. Moita Lopes (2006, p. 26) não utiliza o termo “contradisciplinar”, mas adota a expressão “indisciplinar” para adjetivar os estudos que transgridem os “[...] limites disciplinares, com verdades únicas, transparentes e imutáveis.” Neste sentido, em nossa interpretação, seria possível equiparar os conceitos de “indisciplinar” e “contradisciplinar”, compreendendo que ambos fariam menção a um posicionamento “contrário” à noção de “disciplina” ou ao aprisionamento a uma única disciplina do saber.

olhar mais amplo para a história das ciências sociais denuncia o quão desafiador pode ser a busca por uma delimitação ou caracterização do que se denomina abordagem qualitativa.

Ao situarem o contexto da América do Norte, Denzin e Lincoln (2006) descrevem que a pesquisa qualitativa atravessou sete momentos históricos e, em cada um desses momentos, retratou um significado diferente. Apesar disso, sob uma definição genérica poderia se afirmar que “[...] a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo.” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).

Apesar da natureza diversificada da abordagem qualitativa, nos interessa compactuar com Pires, A. (2008), para quem a pesquisa qualitativa também pode estar vinculada a “pesquisas puramente documentais” que não são “multimétodos” e não são realizadas no contexto natural dos atores. Sob o ponto de vista desse autor, a tarefa de definir pesquisa qualitativa se trata, na verdade, de identificar o modo menos fechado de designá-la, pois a concepção de abordagem qualitativa é essencialmente abrangente. Assim, concordamos com Pires, A. (2008) sobre a adoção de uma designação genérica e provisoriamente aceitável - provisória, pois essa pode não corresponder a realidade de tendências de pesquisas futuras - que parte da caracterização de pesquisa qualitativa a partir de cinco aspectos gerais:

a) por sua flexibilidade de adaptação durante seu desenvolvimento, inclusive no que se refere à construção progressiva do próprio objeto da investigação; b) por sua capacidade de se ocupar de objetos complexos, como as instituições sociais, ou grupos estáveis, ou ainda, de objetos ocultos, furtivos, difíceis de apreender ou perdidos no passado; c) por sua capacidade de englobar dados heterogêneos, ou, como o sugeriram Denzin e Lincoln (1994: 2), de combinar diferentes técnicas de coleta de dados; d) por sua capacidade de descrever em profundidade vários aspectos importantes da vida social concernentemente à cultura e à experiência vivida, justamente devido à sua capacidade de permitir ao pesquisador dar conta (de um modo ou de outro) do ponto de vista do interior, ou de baixo; e) finalmente, por sua abertura para o mundo empírico, a qual se expressa, geralmente, por uma valorização da exploração indutiva do campo de observação, bem como por sua abertura para a descoberta de “fatos inconvenientes” (Weber), ou de “casos negativos”. (PIRES, A., 2008, p. 90).

Com base no exposto, sob proveito do caráter interdisciplinar e da flexibilidade da pesquisa qualitativa, e por sua capacidade de investigar aspectos importantes da vida social abordando o fenômeno em diferentes perspectivas, adotamos nesta tese o uso da abordagem qualitativa que, conforme mencionado por Pires, A. (2008), sustenta não só pesquisas multimétodos desenvolvidas em ambientes naturais, bem como permite o trabalho com a pesquisa documental, mesmo que os métodos não sejam tão variados e o cenário em questão

não seja o contexto natural dos sujeitos. Isso posto, na próxima seção nos deteremos, especificamente, sobre a escolha da pesquisa documental.

4.2 A PESQUISA DOCUMENTAL E OS DOCUMENTOS COMO UMA VALIOSA FONTE