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ainda, a partir da análise acústica do Praat e auditiva do mate- rial de áudio, a descrição da variação melódica dos enunciados foi realizada. primeiramente, a descrição foi feita de acordo com o mo- delo sistêmico-funcional, a partir da proposta de Halliday (1970) e de cagliari (2007). posteriormente, foi feita uma nova descrição dos padrões entoacionais dos enunciados do corpus por meio da proposta da fonologia entoacional aM.

a explicitação da metodologia para a descrição da entoação nesta seção foi feita a partir da análise de um exemplo retirado do corpus, no qual são relacionados os dados acústicos aos dados auditivos, e cuja forma da variação melódica do enunciado pode ser observada na figura 9, adiante. a fala selecionada foi produzida pelo personagem Shrek no momento em que lorde farquaad, o vilão, propõe que o ogro aceite embarcar em uma busca, no ponto temporal 43,71 ms do arquivo sonoro em pb.

de acordo com a proposta de análise da entoação de Halliday (1970), o enunciado da figura 9 apresenta a seguinte notação em (15): (15)

//2 busca //

figura 9 – curva entoacional do enunciado “busca? eu já estou numa busca para recuperar o meu pântano”

a seguir, os três elementos, tonalidade, tonicidade, e tons e sua notação são descritos com relação ao enunciado exemplo.

a observação do sistema de tonalidade leva à separação das uni- dades mínimas de análise: os grupos tonais (gt). um grupo tonal é uma unidade de informação do discurso. cada grupo tonal é mar- cado por duas barras inclinadas em seus limites e pode conter um ou mais pés, porém apenas uma sílaba tônica saliente. no exemplo analisado, há 3 grupos tonais marcados por pausas em seus limites e também pela presença de uma sílaba tônica saliente: “busca”, “eu já estou numa busca” e “para recuperar o meu pântano”. é importante notar que o enunciado é descrito como uma sequência contínua de gts; portanto, o sistema de gt é exaustivo sintagmaticamente, ou seja, descreve todas as unidades da entoação em um contínuo de fala.

cada gt possui uma sílaba tônica saliente, que é a sílaba que carrega a maior mudança tonal do gt, é nela que se inicia o mo-

vimento melódico do grupo tonal. a localização da sílaba tônica proeminente, tonicidade, indica o ponto de foco da unidade de análise da entoação, o gt. essa sílaba é marcada com um traçado

sublinhado.10 um gt possui duas partes: a) o componente pre-

tônico, que não é obrigatório e que se constitui de um ou mais pés que ocorrem antes da sílaba tônica saliente e b) o componente tô- nico, que se inicia com a sílaba tônica saliente e pode se constituir de um ou mais pés; o componente tônico do gt é obrigatório. no enunciado do exemplo em análise, o primeiro gt é constituído por um pé, que é a parte tônica do gt, cuja sílaba tônica saliente é “bus”; o segundo gt tem três pés, sendo que o primeiro pé é a parte pretônica desse gt e os dois últimos formam a parte tônica, a partir da posição da sílaba tônica saliente: “tou”; o último gt do enunciado é dividido em 4 pés, sendo que os dois primeiros, antes da sílaba tônica saliente “meu”, constituem a parte pretônica do gt e os dois últimos a parte tônica.

considerando que os gt são formados por pés, é preciso ex- plicitar sua delimitação. cada pé se inicia em uma sílaba tônica, sua notação é por meio do posicionamento de uma barra inclinada no início e no im de cada pé. no enunciado selecionado, foram deli- mitados 8 pés. cada pé contém, pelo menos, uma sílaba acentuada, seja ela sonora ou silenciosa.11 nesse último caso, sua presença é

marcada pelo diacrítico [^], como é o caso do segundo e do quinto pé do exemplo. por meio da observação dos pés e das sílabas acentua- das, pode-se descrever o ritmo de fala. é importante frisar que não há apenas um modo para delimitar os pés de um enunciado, pois mudanças nos padrões rítmicos podem gerar mudanças na divisão dos pés. cagliari (2007, p.162) salienta: “na fala contínua, a distri-

10 Halliday (2005) utilizou a forma em negrito para marcar a sílaba tônica saliente. Hal- liday (1970) e Cagliari (2007) utilizam a marcação do traçado sublinhado, padrão de notação que é seguido neste livro.

11 Sobre a sílaba silenciosa, Cagliari (2007, p.163) airma: “a realidade dessa sílaba baseia-se no fato de as sílabas serem controladas pela ação dos músculos da respira- ção (Abercrombie, 1967, p.34-36), e cuja sonorização pode ou não ocorrer. as síla- bas silenciosas são tão importantes na marcação do ritmo da fala quanto as sílabas sonorizadas.”

buição das sílabas acentuadas não se faz simplesmente pela marca- ção individual dos acentos de cada palavra isoladamente, mas pelo modo como se diz o enunciado”.

o terceiro aspecto que compõe a proposta de análise de Halliday (1970) é o tom. Há um conjunto deinido de tons para cada língua, que são nomeados por números, de 1 a 5, para o inglês e, de 1 a 6, para o português. cada número descreve um movimento entoacio- nal especíico do componente tônico do gt nomeado e marcam a atividade linguística envolvida no gt, como airmações, perguntas etc. Há um conjunto de tons primários simples ou compostos, quan- do há a presença de dois gts sem o componente pretônico. tam- bém há um conjunto de tons secundários, marcados por diacríticos acrescidos aos números dos tons primários.12 Quando o diacrítico é

acrescido à direita, trata-se de uma variação no componente tôni- co; quando o diacrítico é acrescido à esquerda do número do tom primário, a variação é relativa ao componente pretônico do tom. as variações dos tons secundários indicam nuances dos padrões entoa- cionais, podendo designar, por exemplo, se um padrão entoacional descendente ocorre de um tom alto para baixo ou de um tom mé- dio para baixo. três tons primários distintos são exempliicados no enunciado selecionado na seguinte ordem: tons 2, 3 e 1. o número do tom é posicionado sempre no início do gt, porém o movimento indicado pelo tom se inicia na sílaba tônica saliente.

em resumo, os símbolos convencionais utilizados na descrição do corpus são os apresentados em (16):

(16)

// = limite do gt

/ = limite do pé

__ = sílaba tônica saliente

1, 2... = tons

12 Halliday (2005, p.237-238) chama de grau de delicadeza os graus mais ou menos de- talhados que as descrições da entoação podem ser.

além da marcação dos aspectos mais relevantes na descrição da entoação, é preciso veriicar a relação entre a entoação e seus senti- dos. de acordo com Halliday (2005, p.260), é a análise dos tons que permite que se relacione os tons às atividades linguísticas – sintáticas e semânticas – envolvidas no enunciado. assim, é possível airmar que o personagem Shrek inicia sua fala com um tom 2, caracterís- tico das frases interrogativas sem pronome interrogativo, já que se assusta com a oferta inesperada do outro personagem, lorde far- quaad que lhe convida para participar de uma busca. Segue sua fala com uma informação: o ogro já está em uma busca, usando o tom 3, tom suspensivo, pois completa sua fala com uma explicação do que consiste sua busca. o último gt é marcado por um tom 1, carac- terístico de frases declarativas airmativas e indica o inal da fala do ogro. além disso, ao observar a figura 9, é preciso destacar que a sílaba: “meu” é bem mais longa (duração) e apresenta mais volume (intensidade) do que as outras; salientando, assim, a importância da posse do pântano para o personagem Shrek. nessa breve exempli- icação do método de descrição, nota-se que a análise da entoação, acompanhada da análise de outros elementos prosódicos contribui para se compreender os sentidos carreados pela prosódia.

a proposta da abordagem sistêmico-funcional da entoação busca oferecer, por meio do tripé: tonalidade, tonicidade e tom, uma descrição com força exaustiva tanto nas relações paradigmáticas (sistema inito de tons, ou seja, sistema inito de opções para os falantes) quanto sintag- máticas (todo enunciado pode ser subdividido em sequências contínuas de gts). dessa forma, é possível abstrair da substância fônica os ele- mentos signiicativos do sistema fonológico em relação com o sistema gramatical das línguas, ou seja, é possível relacionar padrões entoacio- nais a seus sentidos, considerando aspectos sintáticos, semânticos e/ou pragmáticos. nesse sentido, nessa pesquisa, descrevemos todo o corpus em pb e em ia, seguindo essa proposta de descrição da entoação, le- vantando semelhanças e diferenças em contextos similares, para buscar compreender a relação entre a entoação e seus sentidos.