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considerando os avanços recentes nas pesquisas sobre o elemento prosódico da entoação tanto no pb quanto no ia, faz-se necessário ob- servar o corpus a partir de outro construto teórico linguístico, a fonolo- gia entoacional autossegmental-métrica (aM). o mesmo enunciado do exemplo descrito na seção anterior é representado, como pode ser visto em (17), na notação da fonologia entoacional aM:

(17) [ [busca]i ]u l+H*H%

[ [ [eu já estou]ɸ [numa busca]ɸ ]i [ [pra recuperar]ɸ [o meu pânta-

no]ɸ ]i ]u

H*l+H* l l% H* l+H* H l% nessa abordagem, o contínuo de fala é dividido em constituintes prosódicos hierárquicos, sendo que os domínios prosódicos relevantes para o pb são a frase fonológica (ɸ), a frase entoacional (i) e o enunciado (u) (frota; vigário, 2000; tenani, 2002; fernandes, 2007). conside- rando as regras de boa formação do enunciado, ele deve ser pronunciado pela mesma pessoa, mas não pode conter uma pausa em seu interior. nesse caso, “busca” é um enunciado e “eu já estou numa busca para re- cuperar o meu pântano” é outro enunciado. para a constituição da frase entoacional, é preciso que haja um contorno entoacional identiicável agrupando um ou mais constituintes imediatamente inferiores, no caso, a frase fonológica (ɸ). assim, podemos subdividir o segundo u em dois is, pois há um contorno entoacional iniciado na ɸ “eu já estou” e outro contorno na ɸ “o meu pântano”.

outro princípio que deve ser considerado é o da boa formação dos constituintes fonológicos que estabelece que todos os constituintes logo abaixo de um nível superior estão contidos neste e que somente um deles pode ser o núcleo, ou seja, apenas um entre os nós-irmãos pode ser considerado forte (strong). Sendo assim, a determinação da cabeça

das is depende de uma análise dos níveis hierárquicos inferiores. isso é importante para que se possa realizar o alinhamento dos tons ao texto, pois uma unidade só pode receber um evento tonal se for uma unidade metricamente forte, ou seja, uma unidade acentuada. dessa maneira, é preciso considerar a grade métrica dos enunciados para estabelecer os eventos tonais dos mesmos. a grade métrica permite o conhecimento das sílabas metricamente acentuadas, estabelecendo uma relação de fra- co (weak) e forte (strong). por ser possível acompanhar essa relação em vários níveis hierárquicos, observar a grade métrica permite conhecer não só quais são as sílabas acentuadas do enunciado, mas também qual é a relação métrica entre elas (liberman, 1975; pierrehumbert, 1980). vale destacar que as unidades portadoras de acentos tonais devem ser acentuadas na hierarquia fonológica, isso não torna obrigatório que a saliência métrica tenha uma implementação fonética também saliente, com força articulatória maior, como maior duração e intensidade.

no exemplo analisado neste capítulo, o primeiro u, “busca?”, tem somente duas sílabas, portanto, a sílaba tônica “bus” é a mais forte desde o nível do pé métrico (Ʃ), passando pelo nível da palavra fonológica (ɷ), da frase fonológica (ɸ), da frase entoacional (i) até o nível superior do enunciado (u). Já no segundo u em análise, têm- -se a grade métrica, como apresentada em (18); em que o nó forte de cada constituinte fonológico foi marcado com um asterisco, portan- to, os nós fortes dos is são as sílabas “tou” e “meu”.13

(18)

* * i * * * * ɸ * * * * * * ɷ * * * * * * * Ʃ eu já es tou nu ma bus ca pra re cu pe rar o meu pân ta no

13 na grade métrica desse enunciado, que contém um elemento focalizado “meu”, o nó forte é associado ao pronome “meu” e não à sílaba forte do item lexical “pântano”, como se poderia esperar de um enunciado considerado neutro.

Há três tipos de eventos tonais que podem ser associados ao texto, ou aos segmentos: acento tonal, acento frasal e acento de fronteira. em resumo, estes três tipos de acento são variações de dois tons: alto (high – H) e baixo (low – l). os acentos tonais são marcados com um asterisco seguindo a notação H ou l e são ali- nhados às sílabas proeminentes. eles podem ser eventos tonais simples ou monotonais: H* ou l*, ou complexos, bitonais: l*+H, l+H*, H*+l, H+l*. os eventos bitonais são alinhados a duas sílabas, uma proeminente, que recebe o tom com asterisco, e outra, que a precede ou a sucede, com o tom sem o asterisco. Há ainda dois acentos frasais, H e l, que aparecem no limite da frase in- termediária ou após os acentos tonais, porém o acento frasal não é obrigatório. finalmente, há dois acentos de fronteira, H% e l%, que não estão ligados a sílabas ou segmentos, mas sim às fronteiras dos constituintes prosódicos.

considerando a grade métrica, a característica de alinhamento entre a coniguração entoacional e o texto em pb (a cada ɷ cabeça de ɸ¸ é associado um evento tonal)14 e o contorno da f

0 produzido

pelo programa de análise acústica, figura 10, é possível realizar a notação dos eventos tonais do enunciado exemplo. vale lembrar que o alinhamento ao texto é necessário, pois se considera que a estrutura dos segmentos e dos tons são independentes (gussenho- ven, 2002, p.271).

14 “[...] é uma das propriedades desse domínio prosódico [ɸ] no pb a presença de um acento tonal no seu elemento mais proeminente” (Frota; Vigário, 2000, p.12).

figura 10 – notação e contorno entoacional dos enunciados “busca? eu já estou numa busca pra recuperar o meu pântano.”

no primeiro u, “busca?”, a sílaba “bus” recebe um acento to- nal, por ser a sílaba acentuada proeminente da ɷ cabeça de ɸ e, nesse caso, também a sílaba métrica forte de i. como o enunciado se ini- cia com uma sílaba acentuada e há uma variação ampla de f0 baixa para alta, associa-se a essa sílaba acentuada inicial de i, o tom bitonal

l+H*.15 esse u termina com um tom de fronteira H%.

Já o segundo u é composto de duas is: “eu já estou numa bus- ca” “pra recuperar o meu pântano”. cada uma dessas is é composta por duas ɸs. a seguir, são apresentados os detalhes da associação dos eventos tonais e da cadeia de fala.

a primeira i, “eu já estou numa busca”, tem duas ɸs, cujas ɷs ca- beça são “estou” e “busca”. no início de i, há uma associação do even- to tonal H* à segunda ɷ da primeira ɸ, “já”. essa associação de evento tonal a uma ɷ que não é ɷ cabeça de i é considerada como opcional 15 Ver Tenani (2002, p.39-43), sobre a argumentação da preferência pelo acento tonal

em pb. Sobre a relação entre os acentos tonais opcionais e obrigatórios associados às ɷs das is, fernandes (2007, p.196) airma: “como carac- terística geral das sentenças neutras produzidas pelos falantes de pb, encontramos acentos tonais associados opcionalmente a ɷs. Já quando a ɷ é cabeça de ɸ, encontramos associação obrigatória de acento tonal a elas”. além disso, ao observar os eventos tonais anteriores e posteriores ao associado à ɷ, “já”, nota-se a alternância H/l, apontada por frota e vigário (2000, p.16) e conirmada por tenani (2002, p.50), para o pb: “se houver um evento tonal adicional, esse é implementado de modo a resultar em uma coniguração entoacional do tipo l H l H”.

À ɷ cabeça da primeira i, “estou” é associado um evento bitonal l+H* e, logo após, há a associação de um acento frasal, l, à fronteira direita da ɸ. a presença de um acento frasal na fronteira de ɸ é uma característica de estruturas focalizadas, ou seja, que carreiam proemi- nência prosódica (fernandes, 2007, p.207). de acordo com fernan- des (2007, p.208), ao discorrer sobre a estrutura do sujeito focalizado prosodicamente em pb, o acento frasal associado à fronteira direita de ɸ está associado ou à última sílaba da ɸ, a qual marca a fronteira, ou à primeira sílaba da próxima ɸ, o caso do enunciado em análise.

ainda na descrição da coniguração entoacional da primeira i do segundo enunciado, nota-se que não há um evento tonal associado à úl- tima ɷ de i: “busca”; essa ausência de acento tonal depois do elemento focalizado pode ser reconhecida como uma característica da conigura- ção entoacional de algumas línguas (fernandes, 2007, p.212).

ao observar a variação melódica do enunciado na figura 10, nota-se uma queda melódica após o último acento tonal de i. a notação dessa direção descendente do contorno melódico é o acento frasal l que está na sílaba seguinte ao acento nuclear, indicando a direção do contorno en- toacional. perto do inal da i, a f0 se mantém, não havendo uma queda maior, nesse momento, assinala-se o tom de fronteira l%. assim, a con- iguração entoacional da primeira i do segundo u ica: H* L+H* L L%.

a segunda i “pra recuperar o meu pântano”, também apresenta um tom adicional, H*, alinhado à ɷ “recuperar”. À ɷ cabeça de ɸ, “meu” está alinhado um evento bitonal H+l*, que se inicia em “o”. como se trata de um elemento focalizado, há um acento frasal, H, em

“pân”, a próxima sílaba. na fronteira direita de i, é associado o tom de fronteira l%, como pode ser visto na figura 10. portanto, a conigura- ção entoacional da ɸ inal de u é H* l+H* H l%.

em resumo, os símbolos usados na descrição da entoação por meio da abordagem da fonologia entoacional autossegmental-métrica, além da apresentação dos referentes aos constituintes prosódicos, são: (19) H = alto l = baixo * = acento tonal % = tom de fronteira16 + = acento bitonal

por meio da notação em eventos tonais da abordagem da fonologia entoacional aM, pode-se dizer que os enunciados analisados apresen- tam alguns padrões do elemento prosódico da entoação signiicativos.

em primeiro lugar, se observarmos a composição dos even- tos tonais assinalados aos enunciados, pode-se notar que o padrão l+H* H%, indica um enunciado de função sintática interrogativa de resposta sim/não, em pb. portanto, uma interrogativa, em pb, tem na sílaba acentuada um movimento melódico ascendente. vale notar que, geralmente, há um declínio de f0 no inal das interrogati- vas em pb.17 outro sentido composicional da associação de eventos

tonais que pode ser notado é o de elemento focalizado, com a pre- sença de um acento nuclear l*+H, mais um acento frasal e um tom de fronteira l%, ou seja, há um movimento melódico descendente, desde a sílaba acentuada nuclear até o inal do sintagma.

16 os tons de fronteiras também podem ser marcados como li ouHi (Tenani, 2002; Fernan-

des, 2007). os acentos frasais não recebem diacrítico na descrição desta pesquisa, mas na proposta de notação original de Pierrehumbert (1980) ele era marcado como l- ou H-, eles

também podem ser anotados como lp ou Hp, indicando que são tons de fronteira de um domínio chamado de frase intermediária (Beckman; Pierrehumbert, 1986).

17 cf. gebara (1976); cagliari (2007); Moraes (1998); truckenbrodt, Sândalo e abaur- re (2009, p.27).

por outro lado, também é possível relacionar alguns aspectos de sentido aos eventos tonais isoladamente. ao observar os enunciados analisados, pode-se dizer que o H* no primeiro enunciado indica uma interrogativa enquanto o l* no inal do último enunciado indi- ca outra função sintática, a declarativa. além disso, o H%, no inal do primeiro enunciado analisado, indica incerteza, ao passo que o l% no im do segundo enunciado indica inalidade, completude discursiva.

é importante notar que a proposta de abstração do dado fonético da variação de f0, por meio de um alinhamento de um conjunto i- nito de eventos tonais ao texto em respeito a certas regras de forma- ção que incluem a compreensão do padrão métrico dos enunciados, permite uma observação do comportamento entoacional tanto em pb quanto em ia. além disso, a estrutura de notação em eventos tonais oportuniza o estabelecimento de relações dos mesmos com os aspectos sintáticos, semânticos e paradigmáticos dos enuncia- dos analisados tanto ao se observar a coniguração entoacional dos mesmos como sua composição (pierrehumbert; Hirschberg, 1990; truckenbrodt; Sândalo; abaurre, 2009).