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No presente trabalho, ao procurar-se dar voz ao romeiro e, via discurso, identificar e analisar relações de acolhimento na Romaria, esses processos interpretativos (hermenêuticos) apoiam-se em procedimentos da análise de conteúdo, segundo Bardin (2000), e, complementarmente, em se fazendo pertinente, da análise enunciativa, na esteira da abordagem proposta por Bakhtin (1997).

A análise de conteúdo, uma das ferramentas utilizadas para uma abordagem hermenêutica, relaciona-se ao discurso e baseia-se em um esforço de interpretação controlada e dedutiva, ou seja, vale-se da inferência, em seus aspectos objetivos e subjetivos (BARDIN, 2000). Assim, a análise de conteúdo, segundo Bardin (2000, p. 42), compreende

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Desse modo, dentre o conjunto de técnicas que a análise de conteúdo engloba, é possível evidenciar a análise léxica e a análise categorial, sendo esta posterior àquela. A primeira leva em consideração, como materiais para a análise, as unidades de vocabulário, ou seja, as palavras que possuem sentido, como os substantivos, os adjetivos, os verbos, entre outras. A segunda, por sua vez, decompõe o discurso em categorias, cujos critérios de delimitação e de escolha são norteados pela dimensão da investigação e pelos temas relacionados ao objeto de estudo, levantados a partir dos discursos dos sujeitos participantes da pesquisa (BARDIN, 2000).

No caso do presente trabalho, conforme os objetivos propostos e o referencial teórico elaborado, as análises, inicialmente, são pautadas pelo que Bardin (2000, p. 96) denomina de “leitura flutuante” (a qual compreende os primeiros contatos com o material a ser analisado, obtendo, assim, as primeiras impressões e orientações sobre ele), seguida do processo de categorização, contemplando diferentes níveis de desdobramento e considerando regras, entre outras, de homogeneidade (uma dimensão de análise para cada conjunto de categorias), de pertinência (uma categoria precisa ser adequada ao material de análise, relacionar-se com o referente teórico, com os objetivos e com o objeto de investigação), de objetividade, e de produtividade (uma potencial capacidade de a categoria fornecer resultados produtivos em índices de inferência) (BARDIN, 2000).

A análise de conteúdo remete assim à definição de unidades de registro e à respectiva incidência, observadas frequência, intensidade, direção (entre polos), ordem, conforme se constituam em índices significativos para o processo de interpretação. Pelo fato de a presente pesquisa caracterizar-se por uma abordagem qualitativa, a partir da qual não se pretendem conclusões por generalização, busca-se, por meio da consideração das condições de produção textual, possibilitar maior rigor no estabelecimento da pertinência dos índices retidos.

Os dados coletados são interpretados com base na comparação dos discursos correspondentes às respostas dos sujeitos nas entrevistas, submetidos ao mesmo conjunto de categorias, tendo em conta as dimensões da hospitalidade, apontadas no referencial teórico, que poderiam caracterizar as relações/interações estudadas.

No que se refere à enunciação e ao discurso, Bakhtin (1997) concebe a língua não como um sistema de normas imutáveis e, a enunciação não como um ato individual, mas sim, propõe a dinamicidade da linguagem e a natureza social da enunciação, esta definida pela materialização da interação verbal entre os sujeitos. Sob esse prisma, para Bakhtin (1997), a compreensão de um enunciado demanda uma atitude responsiva. Sendo assim, “[...] toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor” (BAKHTIN, 1997, p. 290). É nesse aspecto que se identifica a dinamicidade do discurso. Quanto à natureza social da enunciação, esta se relaciona ao pressuposto de que o locutor é também um respondente, tendo em conta que

O próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente, pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores – emanantes dele mesmo ou do outro – aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta- se neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados (BAKHTIN, 1997, p. 291).

Conforme o Círculo de Bakhtin ocorre, no diálogo, a atuação de um complexo de forças que estabelecem condições para a forma e as significações daquilo que é dito. Dessa maneira, o enunciado não pode ser considerado algo totalmente verbal, sem ligação com o ato de sua concretização e, nem somente interação verbal, restrita à comunicação entre as pessoas por meio da fala (diálogo). Por isso, as relações serão dialógicas quando inseridas no discurso como parte integrante de todo enunciado e este, por sua vez, como parte da interação social, ou seja, das relações entre pessoas (SARTORI, 2009). Por conseguinte,

[...] há um diálogo, em sentido amplo, intrínseco e inexorável que se estabelece entre um autor e um ouvinte (ambos ativos e cambiáveis nas suas posições), e o enunciado produzido representa um momento (concluído) desse encontro, é o produto compartilhado entre os participantes da interação (SARTORI, 2009, p. 2).

Desse modo, a natureza dialógica do discurso é atribuída pela constante interrelação do enunciado com outros.

Todo enunciado possui uma face verbal e outra extraverbal, com esta integrando-se àquela. Por isso, além da expressão verbal, com elementos implícitos e explícitos, existem outras formas de expressão igualmente necessárias à interação comunicativa (RECTOR; TRINTA, 1985). Assim, o discurso envolve tanto aspectos subjetivos do falante quanto aspectos objetivos do contexto.

Com base nesse entendimento e reportando à pesquisa proposta, do discurso do sujeito acolhido (romeiro), em relação ao que acolhe na Romaria ao Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, busca-se depreender o que foi significado como elementos constitutivos das relações de hospitalidade no contexto da Romaria.